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Crítica Clickbait | Quando Black Mirror encontra o Cidade Alerta

Por| Editado por Jones Oliveira | 25 de Agosto de 2021 às 17h45

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A gente se acostumou a ver, em Black Mirror, histórias de como o mundo real e o digital se misturaram de forma que quase não há como distinguir um do outro. Contudo, a popular série sempre apresentou isso em forma de metáforas que, embora pudessem ser muito brutais em boa parte dos casos, tinham um caráter lúdico que mantinha aquelas situações longe de nós. Mas e quando os absurdos causados por essa mistura de realidades são mostrados de forma mundana, como aquele que poderia acontecer conosco ou no noticiário da tarde? É essa discussão que Clickbait, a nova série da Netflix, quer levantar.

O seriado trabalha essa mesma ideia de forma muito mais crua e direta, deixando os floreios de lado para focar em uma história policial que aborda diversas questões relacionadas à mistura dos mundos real e digital. Ou, melhor dizendo, nos lembrando de que essa diferenciação não existe mais, ainda que insistamos em pensar o contrário.

Assim, Clickbait é um grande lembrete de que já nos tornamos tão digitais que não faz mais sentido pensar nessa separação e que, mais importante, o que a gente faz no ambiente virtual tem enormes consequências em vidas reais.

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Atenção! A partir daqui este texto pode conter spoilers.

Isso é muito Black Mirror

As comparações com Black Mirror são inevitáveis, até porque a premissa inicial de Clickbait lembra muito o primeiro episódio da premiada série: após ser sequestrado, o fisioterapeuta Nick Brewer (Adrian Grenier) aparece em um vídeo online dizendo que abusava de mulheres e que, caso a postagem chegue a cinco milhões de visualizações, ele vai ser morto.

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É a partir daí que a trama policial tem início, com a família de Brewer tentando localizá-lo ao mesmo tempo que começa a descobrir alguns dos podres que ele escondia na internet e como isso está relacionado com o seu sequestro — tudo isso sendo permeado pela espetacularização da tragédia pela mídia e redes sociais.

E esse é o primeiro grande mérito da série, que constrói esse thriller policial de forma muito competente, desvendando o mistério pouco a pouco à medida que novas peças são incluídas no tabuleiro, revelando como o quão complexa é toda a situação.

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Para isso, Clickbait usa uma estrutura narrativa bastante interessante, alternando o protagonismo em cada um dos oito episódios ao mesmo tempo que não perde tempo fazendo aquele vai e vem na história que é tão comum nesse tipo de storytelling. Assim, começamos a ver a busca por Nick Brewer a partir da perspectiva de sua irmã, Pia (Zoe Kazan), mas logo saltamos para esposa, filhos, investigadores e assim por diante — e sempre seguindo em frente na trama, acrescentando fatos novos e, principalmente, justificando muito bem por que aquele personagem merece tal destaque.

Esse tipo de recurso não é nada inovador, é verdade, mas funciona muito bem dentro da proposta de Clickbait, principalmente quando a história passa a explorar as outras vidas de Brewer e criar excelentes ganchos entre um episódio e outro — o que torna a série perfeita para maratonar.

Por outro lado, esse salto entre perspectivas também tem seus pontos negativos, já que alguns personagens não conseguem segurar tão bem a trama quanto outros. Isso fica bem claro principalmente quando a série passa a focar em dramas que correm em paralelo à história principal, como a relação do detetive Roshan Amir (Phoenix Raei) com a sua própria família e a amizade virtual de Ethan (Camaron Engels), filho de Nick. São plots que estão ali para plantar dúvidas e pistas falsas, mas que acabam não levando a história a lugar nenhum e se tornam pequenas barrigas que, embora não prejudiquem o andamento da trama, fazem com que você se pergunte por que a série perdeu tempo com aquilo.

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O que é real dentro da Matrix?

Só que o clima envolvente do thriller não é o único acerto de Clickbait — embora seja um dos grandes responsáveis pela série ser tão viciante. Além disso, há todo o debate sobre as vidas online e offline que deixa tudo ainda muito mais interessante, assim como a questão da espetacularização do absurdo nas redes.

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Quando Matrixchegou aos cinemas, em 1999, ele revolucionou ao trazer a dúvida sobre o que era a realidade e tratar o virtual e o real como duas coisas distintas, duas vidas que existiam em separado. 20 anos depois e totalmente imersos em telas, descobrimos que essas fronteiras já deixaram de existir há tempos — e Clickbait é um belo lembrete disso.

Isso porque a série mostra que não há como desassociar essas personas e que, principalmente, ainda estamos lidando com pessoas do outro lado da tela, o que faz com que essa imagem de vidas ou realidades separadas deixe de fazer sentido. Assim, por mais que tudo não passe de uma brincadeira para um dos lados, o outro pode estar levando muito a sério. O mesmo vale para memes, piadas e páginas que exploram situações na internet sem se importar com os impactos que aquelas brincadeiras vão ter nas vítimas daquelas situações. É um questionamento importante e que a série explora muito bem.

Além disso, para os fanáticos por tecnologia, o seriado faz um ótimo trabalho também ao tratar de forma bastante realista questões que são comuns em nossa vida ultraconectada, fugindo dos clichês que produções do tipo apresentam. O uso de redes sociais como ferramenta de investigação policial e jornalística, a comercialização de dados pessoais na rede e até a forma como que informações são tratadas e extraídas é tudo muito verossímil e mostra como é possível apresentar todos esses elementos em uma história sem cair nas armadilhas dos exageros que a TV sempre gosta de mostrar.

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Acima de tudo, uma boa história

Ao mesmo tempo que é preciso pontuar os pontos que fazem de Clickbait uma enorme surpresa, há ainda uma explicação muito simples para que a nova série da Netflix seja tão boa: é uma história que funciona. Mais do que a discussão que levanta, a forma com que é desenvolvida ou os aspectos realistas que apresenta, ainda estamos falando de um roteiro que entrega tudo aquilo que promete.

Ainda que escorregue em algumas pequenas barrigas e até mesmo em personagens que não têm muito o que desenvolver, Clickbait oferece um ótimo suspense que, a princípio, até pode parecer absurdo e irreal, mas que vai mostrando como tudo aquilo poderia acontecer com a gente, já que todos já passaram por algum tipo de situação semelhante.

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Todos nós tentamos criar uma persona na internet e mantê-la separada de quem somos de verdade e, por isso, quebramos a cara. Ou então nos envolvemos com alguém que não temos total certeza de quem é e, mesmo assim, nos abrimos e falamos sobre aspectos muito pessoais de nossa vida. Tudo é muito reconhecível.

Dessa forma, o mais impactante em Clickbait não é apenas ver o lembrete de que as fronteiras entre a vida digital e a real não existem mais. O que mais impressiona e nos leva para dentro da história é se dar conta do quanto isso tudo já nos engoliu sem que ao menos percebêssemos. Já estamos dentro da Matrix e não nos demos conta — e isso, sim, é muito Black Mirror.

Clickbait está disponível para todos os assinantes da Netflix.