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Crítica Oppenheimer | A vida e os dilemas do Prometeu americano

Por| Editado por Jones Oliveira | 19 de Julho de 2023 às 13h12

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Reprodução/Universal Pictures
Reprodução/Universal Pictures

Na mitologia grega, Prometeu foi a pessoa responsável por roubar o fogo dos deuses e entregá-lo aos homens, causando a ira de Zeus, que o puniu severamente por toda a eternidade. Se o desejo da figura mitológica era o de ajudar a humanidade, levando os povos a uma nova era, ele acabou sofrendo as consequências de suas ações.

Oppenheimer, cinebiografia dirigida por Christopher Nolan (Interestelar), mostra como o físico americano Julius Robert Oppenheimer teve uma vida similar, sendo responsável por um dos grandes feitos do século 20 e mudando o mundo como o conhecemos, mas tendo que passar o resto dos seus dias com o peso de milhares de mortes na sua consciência.

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O filme traz um elenco de peso, com Emily Blunt (O Diabo Veste Prada), Matt Damon (Gênio Indomável) e Robert Downey Jr (Vingadores: Ultimato), além do próprio Cillian Murphy (Peaky Blinders) no papel do físico. Com esses nomes e uma direção magnânima, Nolan entrega uma das produções mais impressionantes do ano, indo muito além do esperado — ainda que dê alguns tropeços no caminho.

O peso da genialidade

Oppenheimer é um filme contado de maneira não linear, mostrando diversos momentos da vida do físico, desde seu início como estudioso de Física Teórica até os embates com o governo americano popr causa de sua ligação com o partido comunista dos EUA.

O trabalho de Cillian Murphy é excelente por conseguir entregar uma representação realista do personagem, sem colocar Oppenheimer (ou Oppie para os amigos) em um pedestal de grande herói incompreendido. Pelo contrário. Oppenheimer, desde o momento em que aparece na tela, é mostrado como um homem cheio de falhas, mulherengo, orgulhoso e muitas vezes arrogante, mas com um senso de integridade para com seus deveres e país.

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Apesar de muito se falar sobre o Projeto Manhattan, o maior tema do filme é sobre como a genialidade muitas vezes pode se voltar contra a sua ideia de como o mundo funciona. Desde os primeiros momentos do longa, é mostrado que Oppenheimer é um homem brilhante, ainda que bastante falho, e são esses desvios morais que eventualmente voltam para assombrá-lo.

A criação da bomba atômica, aos olhos do físico, colocaria um fim nas guerras e traria uma nova era para a humanidade. De certa forma, ela acabou com o conflito da época e mudou o mundo, mas ajudou em uma escalada que não era a sua intenção. Sua genialidade abriu portas para outros homens atravessarem e seguirem seus próprios caminhos, deixando o físico e seus ideiais para trás — e tudo isso é muito bem trabalhado no roteiro, que desenvolve bem o impacto dessas questões no protagonista e em suas ações.

O pai da bomba atômica

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Ainda que o filme seja um grande estudo sobre a pessoa que foi J. Robert Oppenheimer, ela foca boa parte de suas três horas de duração na criação e desenvolvimento do Projeto Manhattan. A corrida contra os nazistas para saber qual lado da guerra conseguirá criar a bomba atômica primeiro é mais emocionante do que o esperado. Até porque, essencialmente, são cenas de homens de meia idade usando ternoe conversando.

Mesmo com todas as críticas em relação à direção às vezes gelada de Christopher Nolan, aqui ela funciona muito bem, já que o diretor consegue criar um clima de tensão até em cenas corriqueiras. O longa tem uma das cenas mais tensas do ano e, como comentado, consiste em homens de terno conversando.

Desde a criação do time de cientistas, ao lado do Tenente General Leslie Groves, interpretado por Matt Damon, até a detonação da bomba, Oppenheimer mostra o trabalho de vários homens, ainda que o cientista tenha recebido boa parte do crédito por ser o diretor do projeto.

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Voltando à participação de Matt Damon, o carisma do ator ajuda muito a humanizar o Oppenheimer de Cillian Murphy, já que a dinÇamica da dupla ajuda a superar boa parte da arrogância demonstrada pelo físico. Existe um senso de respeito e camaradagem entre os dois, sempre tentando alcançar um objetivo em comum, que torna as suas cenas juntos bastante agradáveis de assistir.

E, enquanto as interações entre o cientista e seus colegas de projeto são mais harmoniosas do que se esperava, o papel das mulheres está aquém do ideal.

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Florence Pugh (Adoráveis Mulheres) e Emily Blunt interpretam mulheres fortes e decididas, presentes na vida do físico e que marcaram seus dias, mas que não são tão bem construídas como poderiam ser.

Ambas conseguem fazer milagre com o pouco que recebem de Christopher Nolan, principalmente Blunt, que está no centro de umas melhores cenas da obra, quando é interrogada e mostra toda a sua força frente a uma situação adversa. Já Pugh é quase desperdiçada pelo diretor, já que mesmo reconhecendo a importância da sua personagem, ela aparece pouco demais para o talento da atriz.

Esse é um problema de Oppenheimer, que tem um elenco imenso de estrelas em ascensão, além de atores consagrados, mas muitas vezes eles são quase figurantes dentro do filme de Nolan. Fica uma sensação de que isso poderia ter sido mais bem trabalhado.

Entre gênios e políticos

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Um elemento que é bastante abordado em Oppenheimer é a forma como o físico, mesmo com toda a sua genialidade, se vê completamente refém de uma teia política de homens mais poderosos que ele. Se, quando a bomba começou a ser criada, sua ideia era a de fazer inimigos se renderem frente ao seu poder, políticos veem nela uma chance de usá-la para subjugar quem quer que seja.

Novamente, o longa mostra uma figura que mesmo sendo tão inteligente, ainda consegue ser absolutamente inocente frente ao jogo político que se forma em sua frente. Em trechos que destacam a atuação de Robert Downey Jr, finalmente mostrando por que, por muito tempo, foi considerado um dos mais promissores atores de Hollywood, Oppenheimer se vê perdido frente a tudo o que criou e saiu de seu controle.

Se sua genialidade conseguiu criar um instrumento de destruição em massa, também o deixou cego frente às mãos que sempre estiveram ali para recolhê-lo e utilizá-lo como bem entendem. Assim como Prometeu, que entregou o fogo para a humanidade, apenas para ser punido por causa disso.

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Tecnicamente impressionante

Oppenheimer é um filme que, à primeira vista, pode não parecer grandioso o suficiente para ser visto na maior tela de cinema possível. No entanto, bastam alguns minutos para entender que, novamente, o diretor Christopher Nolan reuniu uma equipe capaz de entregar visuais impressionantes e um primor técnico como poucos diretores conseguem hoje em dia.

É possível ainda encontrar algumas das manias do diretor, principalmente quando ele começa a querer ser didático demais, mas isso funciona por conta dos personagens envolvidos. A cinebiografia tem um ritmo que não deixa o espectador conseguir se desligar dele, algo que é impressionante quando você pensa que ele não é sobre a criação de uma bomba, mas sim sobre a vida de um físico.

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A trilha sonora, do compositor Ludwig Göransson (The Mandalorian), é algo que deve receber uma indicação a prêmios no próximo ano, já que consegue dar tom tenso e grandioso a cenas mundanas. O som do longa também é um dos seus pontos altos, já que, em vários momentos, é ele que dita a experiência no cinema.

Experiência essa que muito se falou que seria ideal nas salas IMAX — o que é verdade, mas de um jeito inesperado. Visualmente, Oppenheimer tem uma ótima fotografia, mas nada que realmente salte aos olhos. Até mesmo a recriação do teste da bomba atômica não é tão visualmente estimulante como esperado.

Em compensação, o som das salas IMAX faz toda a diferença. Em vários momentos, a impressão de tudo estar de fato explodindo, com o chão chegando a tremer por causa das vibrações, joga o espectador para dentro do filme. Novamente, impressionante para uma trama sobre um bando de cientistas de terno debatendo como criar uma bomba e suas consequências.

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Oppenheimer é certamente um dos melhores filmes de 2023. Ele tem alguns problemas, principalmente na utilização do seu enorme elenco que, muitas vezes, é apresentado de maneira superficial, mas isso parece ter sido uma escolha para não perder o foco da atuação de Cillian Murphy no papel principal, que é incrível.

Ao final de suas 3 horas de duração, o longa nos permite dizer que Christopher Nolan, mesmo às vezes sendo meio irritante por causa de algumas de suas declarações, ainda é um dos melhores diretores em atividade em Hollywood e que esse é possivelmente um de seus melhores trabalhos. Sorte nossa de podermos acompanhar isso enquanto ele ainda está na ativa.