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Crítica | O Jogo da Imitação e o pai das nossas interações contemporâneas

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Alan Turing foi um matemático, lógico, criptoanalista e cientista da computação. Seus feitos o fizeram ser condecorado com a Excelentíssima Ordem do Império Britânico, que é uma Ordem de Cavalaria – dentro de um espírito da cavalaria medieval. Turing, que desempenhou um papel importantíssimo na criação do computador moderno (como este por meio do qual estou escrevendo), foi, ainda, pioneiro nos estudos sobre inteligência artificial. É, sobretudo, o pai da computação.

Em meio à Segunda Guerra Mundial, Turing trabalhou em um centro especializado em quebra de códigos, passando um tempo maior na seção responsável pela criptoanálise da frota naval alemã. Nesse período, conseguiu planejar diversas técnicas de decodificação. O Jogo da Imitação (disponível no Amazon Prime Video), sob o roteiro de Graham Moore (seu primeiro e único trabalho para o cinema até o momento – estamos em 2020 e o filme é de 2014) e baseado em livro de Andrew Hodges, entende esse caminho específico como o mais coerente, focando em um trabalho, em uma fase.

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Cuidado! A crítica pode conter spoilers!

Tímido pelo conteúdo

A direção de Morten Tyldum, que há quatro anos lançou Passageiros (de 2016), por sua vez, entende essa escolha como um espaço para criar um dualismo quase que incompatível: ao mesmo tempo em que se apega em excesso à história (ao documental), Tyldum investe em uma dramatização que, de vez em quando, parece um tanto exagerada, pendendo para o melodrama.

O início do filme, assim, funciona como a melhor isca para um anzol eficiente: se a trilha sonora de Alexandre Desplat condensa sua força em um quase ostinato em segundo-plano, remetendo sensitivamente ao digital – à própria computação – a voz off de Benedict Cumberbatch (que interpreta Turing) anuncia um protagonista centrado, consciente de suas ações, convincentemente arrogante.

Pode não ser apropriado exigir que uma obra baseada em fatos esteja restrita aos acontecimentos históricos. Tosar uma liberdade que, se bem empregada, tem o poder artístico de enobrecer o que de fato é nobre ou tornar repulsivo o que já é repulsivo talvez seja uma decisão muito frágil. Por outro lado, optar por não se arriscar em debates contemporâneos, mesmo com a própria biografia do Cavaleiro contendo espaço de sobra para isso, por mais que não fragilize o todo, torna-o tímido pelo conteúdo.

A defesa do efeito

O Jogo da Imitação, portanto, é um misto de tudo isso. Enquanto permanece sufocado por uma vontade historiadora do diretor norueguês, auxiliada pela equipe que parece precisa na reconstrução da época, acaba por depender da atuação de Cumberbatch. As gravações em locações reais, dessa forma, pouco têm a dizer – podendo soar como vaidade inclusive –, restando a força do elenco para a condução do carisma necessário à obra.

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Essa trava, que ainda inclui o medo de se aprofundar na sexualidade e no sofrimento pós-guerra (especialmente neste) limita o resultado à história propriamente dita de Turing (que é, de fato, dolorida), perdendo a chance de, além de contar os acontecidos, demonstrar artisticamente que pode gerar uma reflexão mais profunda e apurada, o que o faria deixar de ser apenas informações bem exploradas.

Aliás, Tyldum e seu diretor de fotografia (o espanhol Oscar Faura, de Jurassic World: Reino Ameaçado) tornam os flashbacks estranhamente deslocados. Seja por melodramatizarem a relação do matemático com seu primeiro amor ou por se justificarem apenas na indicação posterior do batizado da máquina, seja pela coloração insossa e sem personalidade, esse retorno ao passado se assemelha a uma sensação de irrelevância incômoda. Coincidentemente, a atuação de Alex Lawther (o jovem Turing – e protagonista da série The End of the F***ing World) é tão sensível que consegue, de algum modo, defender o efeito.

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Consigo e com sua memória

É confusa, ainda, a opção pela citada voz off, que parece dialogar com o público – pedindo muita atenção para o que será revelado –, quando ao meio do terceiro ato, percebe-se que ela estava direcionada a um investigador. Constatar que é um diálogo fechado – entre quatro paredes – a esse ponto pode balançar as estruturas e, novamente, demonstrar que O Jogo da Imitação é um filme até certo ponto completo em história, mas vazio de subtexto, o que o apequena.

Mas tudo é tão concentrado no trabalho de Cumberbatch (que viria a ser um Doutor Estranho excepcional) que, ao final, tentei me recordar de uma atuação tão intensa em anos recentes e, ao mesmo tempo, sem qualquer overacting, e consegui listar poucas. O trabalho de Eddie Redmayne como Stephen Hawking, por exemplo, em A Teoria de Tudo (de 2014 – mesmo ano de lançamento), é um embate interessante e que pode gerar algumas boas discussões.

O bom trabalho de Cumberbatch, que também revela ter um timing cômico fantástico, é muito claro no momento em que, comemorando, a equipe se saúda e ele, como sem saber reagir, sublinha a solidão de sua personagem: um isolamento – acompanhado por Christopher (Jack Bannon) –, ao ceder as costas ao time e sorrir, feliz... ou absolutamente consigo e com sua memória.

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Meu mais sincero abraço

Talvez, em uma época em que homossexuais ainda são agredidos, linchados e mortos (há 60 anos ou há seis e hoje), não compreender qualquer subtexto – por mais etéreo e idílico que seja – ou ir um pouco mais a fundo na condição de um protagonista que sofreu intensamente em um país onde ser gay era um crime policial pode ser sintomático da falta de coragem de um cinema que se pretende comercial.

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Isso porque quando na máxima exposição dessa condição inerente, justamente quando se vê Turing erroneamente submetido ao efeito de drogas hormonais – em uma sequência de fazer chorar sem esforço melodramático –, o filme se limita a deixar uma legenda finalizar o último ano do pai da computação. Felizmente, logo após, a música de Desplat abre os créditos e, momentaneamente, conduz-nos a relevar as más ocorrências e a exaltar as boas (que são muitas de qualquer forma).

No final das contas, tudo isso deságua no exato momento em que você está me lendo agora e continua quando você fechar essa página, receber uma mensagem no WhatsApp, publicar um comentário, enviar um e-mail, xingar muito no Twitter... Eu devo a sua leitura a Turing: um Cavaleiro inglês, um gênio, um homem que nos deu a possibilidade de progredir com velocidade pela ciência da computação. Mas, através dessa gratidão pelo trabalho dele, agradeço a você por ter chegado até aqui – afinal, não foi o inglês que te pediu para me ler – e fico na torcida para poder contar com a sua leitura outras vezes.

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Do meu isolamento, deixo o meu mais sincero abraço. Cuidem-se. E muito obrigado!