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Crítica | Jurassic World: Reino Ameaçado e DNA modificado

Por| 22 de Junho de 2018 às 10h39

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Universal Pictures
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Em 1993, Steven Spielberg lançou um marco do cinema, um filme que não somente assinalaria uma geração, como também teria força para conquistar futuras e ir além: modificar o significado do que é ser um blockbuster. Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros ultrapassava as barreiras do cinema sem piedade. Era um evento, um acontecimento. Na lista das maiores bilheterias da história, esse filme dirigido por Spielberg é o mais antigo a ultrapassar a marca de um bilhão de dólares.

Naturalmente, vieram sequências, pois se a bilheteria é alta o cinema comercial vai atrás justamente do lucro. Nada novo nessa prática. Mas o problema é que nada de novo acontecia também nas questões criativas. Se a primeira continuação (The Lost World: Jurassic Park, de 1997), também dirigida por Spielberg, surgiu através de um roteiro requentado com o velho jogo do bem contra o mal – e sem qualquer inspiração do diretor –, Jurassic Park III (2001), dirigido por um Joe Johnston (de Querida, Encolhi as Crianças e Jumanji) sepultou a franquia por 14 anos.

Eis que surge, em 2015, Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros e, com ele, uma nostalgia plantada há mais de duas décadas pelo primeiro filme. Assim, é absolutamente aceitável que as referências e o que há de mais marcante nesse retorno são exatamente frutos do filme de 1993: a T-Rex, a relação de inteligência e emergência causada pelos raptors (muito mais um Deinonico do que um Velociraptor de fato) e um parque completamente reestruturado, mas... um parque.

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ALERTA DE SPOILER: se você pretende assistir ao filme e não quer saber nada sobre a trama até então, melhor encerrar a leitura por aqui. Os parágrafos seguintes contam um pouco do que acontece no longa.

Um novo caminho e um novo tom

Então, a produção de Jurassic World: Reino Ameaçado (ainda com Spielberg à frente) coloca J.A. Bayona na direção e parece ter dado carta branca ao diretor espanhol. Bayona não só conduz o filme por um caminho novo como redefine a estética e o tom. O que antes era aventura transforma-se em suspense; o que era aberto revela-se claustrofóbico; e o que emocionava por surgir pela primeira vez agora fere por se mostrar partindo.

A certo ponto, Zia (Daniella Pineda) pergunta: “Você se lembra da primeira vez que viu um dinossauro?”. A nostalgia, se não é imediata, vem com ares de reverência. A cena que segue essa fala é diretamente inspirada naquela em que surgem os primeiros dinossauros do filme de 1993. Há, por outro lado, diferenças circunstanciais aqui: se antes era um grupo de Braquiossauros, agora é apenas um; se antes o plano era geral, um gigantesco panorama, agora o réptil gigante mal cabe no enquadramento – e Bayona faz questão de reparti-lo logo, revelando apenas seu pescoço comprido.

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Essas opções estão longe de ser aleatórias ou por mero senso de beleza. Bayona é um dos maiores especialistas do cinema atual na construção de atmosfera. Há um senso de aprisionamento versus morte desde o princípio do filme. Repartir, nesse caso, torna-se prender dentro de um plano. Desse modo, vê-se a morte no escuro do oceano dentro de um pequeno submarino já no início do filme e, logo em seguida, a morte novamente em uma recriação do início de Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros; vê-se a morte nos fósseis à luz artificial da mansão Lockwood – uma verdadeira gaiola como é revelado posteriormente; vê-se a morte à luz do sol regida pelo imperativo poder de detenção de uma ilha quando de uma iminente erupção vulcânica.

A morte como motor da história

E Bayona utiliza a morte como elemento que move a história. Nada é em vão e jamais suas escolhas transparecem qualquer sadismo. Nesse ponto, vale reparar na plasticidade da morte do solitário Braquiossauro no píer que levaria ao navio de fuga. Conseguir causar comoção por uma espécie extinta em sua reextinção é ainda mais efetivo a partir da percepção metafórica de que o mundo tem perdido diversas espécies e pouco tem sido feito por preservação. Pensa-se mais no bolso do que em proteção para espécies ameaçadas. Ainda, a lenta morte daquele gigante serve como um renascimento para futuras sequências: o primeiro dinossauro que surgiu (foi surgido) há 25 anos é o último que desaparece em meio ao caos da extinção (pela natureza). O roteiro de Derek Connolly e Colin Trevorrow (que dirigiu o filme anterior) indica o caminho e Bayona o segue com eficiência absoluta.

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Aliás, a competência do diretor pouco se deve ao roteiro, que se bem analisado traz novamente o mesmo embate entre o mal que caça e quer dinheiro e o bem que quer salvar os animais do segundo filme (o de 1997). Bayona é eficiente mesmo na construção do suspense, independente do que tem em mãos. Se já provara isso com seu primeiro longa-metragem (O Orfanato, de 2007) e reafirmara com uma das melhores direções de 2012 (O Impossível), com Jurassic World: Reino Ameaçado, ele vai além.

Construindo uma tensão por meio de planos detalhes que vão da mão de Owen (Chris Pratt) a dentes e através de um jogo de luzes e sombras que confere a estas um poder vampiresco (méritos claros para o diretor de fotografia Oscar Faura), Bayona transforma toda aquela aventura spielbergiana em um terror instantâneo. Mostrando-se extremamente à vontade com essa escolha, ele não só consegue atingir horror e inquietação em cada momento da presença do predador híbrido Indoraptor, como o faz referenciando sempre que possível o filme-evento de Spielberg e tantos do cinema de terror – vide as garras do Indoraptor indo ao encontro da pequena e expressiva Maisie (Isabella Sermon) que remetem instantaneamente ao vampiro Nosferatu (dirigido por F.W. Murnau, de 1922) e obviamente ao Freddy Krueger (criado por Wes Craven para A Hora do Pesadelo, de 1984).

Mais do que pronto para continuar vivo

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Jurassic World: Reino Ameaçado é, enfim, um filme dirigido com rara habilidade e que, por isso, já merece estar no hall dos melhores blockbusters de 2018. Apesar de ter um roteiro frágil, a competentíssima equipe técnica – da direção à fotografia, da montagem dinâmica (de Bernat Vilaplana) à trilha sonora incisiva (de Michael Giacchino) – faz tudo valer muito a pena.

Foi necessário ter coragem para extinguir a antiga (nem tanto) forma de contar uma história com dinossauros e fazer nascer algo novo. Bayona, portanto, criou o seu híbrido: um filme que tem, sim, sangue de nostalgia, mas que chega com um DNA modificado, mais do que pronto para continuar vivo e fazer valer a sua espécie.