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Crítica | A Ilha da Fantasia é um coice

Por| 01 de Maio de 2020 às 14h00

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Sony Pictures Entertainment
Sony Pictures Entertainment

Quem me acompanha, deve ter uma noção de que faço o possível para encontrar os bons caminhos percorridos por um filme, seja ele qual for. Esses caminhos vão, geralmente, servindo como um fio condutor que utilizo para equilibrar as críticas na tentativa de acrescentar à experiência do espectador, sugerir visões, prolongar o que foi assistido. Mas existem filmes que fazem dessa espécie de ato de fé um caminho impossível. Em 12 anos de crítica, estes devem ter surgido em uma média de dois por ano. Aqui no Canaltech, onde escrevo desde 2018, não consegui ativar a minha suposta benevolência em poucos textos, como aqueles sobre Rota de Fuga 2: Hades e The Silence. Foram poucos filmes do tipo em dois anos e três meses. O problema é que A Ilha da Fantasia já faz de 2020 um ano perigoso ao se juntar ao A Última Coisa que Ele Queria: ainda restararão oito meses para a média ser batida.

De todo modo, pode ser que essa produção da Blumhouse sirva, pelo menos, para direcionar seu público para a série homônima transmitida originalmente entre 1978 e 1984. Aquele programa, por mais que não seja uma obra-prima de sua época, tem seu nível de curiosidade e de personagens que conseguem causar alguma identificação e criar algum grau de importância. Há na série, mesmo assim, uma camuflagem sobre todo o sadismo que a direção do filme (de Jeff Wadlow – que poderia ser recorrente em suprimir minha bondade após Verdade ou Desafio) tenta refazer. O problema é que os planos que pouco conduzem a história junto à quase aleatoriedade da decupagem transformam o conjunto em uma massa desigual – ou igualmente tosca. É como pedir uma pizza, abrir a caixa e ver um pneu velho.

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Cuidado! A crítica pode conter spoilers!

Riiinch!

As tentativas de permitir que a crueldade permaneça nas sombras – longe do olhar do espectador –, covenientemente, servem, também, para diminuir a classificação etária. Ou seja: além de buscar o lucro da bilheteria (agora prejudicado pelo isolamento), a produção parece transferir seu sadismo para a vida real, permitindo que adolescentes também sejam livremente torturados. A montagem de Sean Albertson tem quase que uma mensagem subliminar nisso tudo: depois de passar pelas experiências de Verdade ou Desafio e Rota de Fuga 3 – o Resgate, o editor trouxe toda a sua falta de assinatura, que é o que de pior fez nesses filmes anteriores. Isso porque ele (Albertson) parece totalmente preso por todo o esquema de camuflagem. Sem poder construir qualquer significado a mais com os cortes, sem a chance de tentar ser criativo, Albertson dá ritmo como se cortasse lenha de maneira passional, pronto para fazer uma fogueira e arremessar o próprio Satanás para queimar.

Mas existem formas de unir o que é pretendido por uma produção com a criatividade necessária para tornar o resultado mais digerível do que um pneu careca e vulcanizado. A questão é que Wadlow, como seu montador, parece desinteressado em sedimentar qualquer configuração de unidade ao filme que não seja, exatamente, a não-unidade. Impulsionado pelo roteiro escrito por ele mesmo e por seus dois comparsas do já duplamente citado Verdade ou Desafio (Jillian Jacobs e Christopher Roach), o diretor ilustra o roteiro como se fosse Napoleon, o cavalo pintor. Pode ser uma comparação exagerada, claro, mas, enquanto Napoleon vendeu telas por valores entre três e seis mil euros e, obviamente, quem embolsou foi seu dono, quem vai embolsar todo o expressionismo abstrato da cavalice que é A Ilha da Fantasia é Jason Blum e sua produtora.

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Um coice

E piora: se o que Wadlow e Albertson – e toda a equipe criativa – fazem é passar o roteiro para o formato audiovisual sem sugerir qualquer comprometimento artístico, o próprio texto é o que destrói de um jeito brutal o filme. Pincelando os personagens de maneira displicente, criando (ou recriando) personalidades vazias e construindo reviravoltas como M. Night Shyamalan faria se estivesse em coma induzido, os três roteiristas parecem se divertir como os infantilizados irmãos high five (Brax e J. D. – interpretados por Jimmy O. Yang e Ryan Hansen respectivamente) pré-desgraças.

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Nesse sentido, algumas descobertas podem, involuntariamente, ter o efeito de comédia. As crescentes aparições de Nick (Evan Evagora) para indicar de quem é a fantasia-mor parecem ser deslocadas da função narrativa da própria Ilha – de conceder desejo aos vivos para engoli-los –; o caricato detetive Damon (Michael Rooker aparentemente perdido) não tem qualquer linha que indique que a sua personalidade é confiável; e a cereja (ou a melancia no caso) do bolo é a desequilibrada revelação final, protagonizada por Melanie (Lucy Hale). Nesse ponto, a impressão que pode dar é a de que roteiristas, diretor, montador e até a esforçada trilha sonora de Bear McCreary (de Godzilla II: Rei dos Monstros e da versão de 2018 do game God of War) desistiram até deles mesmos e se jogaram na cova do filme. Michael Peña, que, apesar de costumeiramente competente, nada pôde fazer com seu Mr. Roarke, joga a pá de cal com sua insossa revelação interna e secundária a Julia (Parisa Fitz-Henley) e, enfim, Napoleon dá a última pincelada.

Mas não sem antes relinchar e melar de catarro equino a tela: com um diálogo que, novamente, parece se achar muito acima do que é, Brax faz outra revelação, a de que foi obrigado a tatuar algo que seria vergonhoso. Nesse ponto, eu já esperava uma tatuagem do pôster do filme ou algo metalinguístico do tipo, mas ele mostra uma tatuagem que o liga a um dos protagonistas da série (interpretado por Hervé Villechaize). E é incrível porque, mesmo depois de ter sido anulado durante quase duas horas, o filme tem seu desfecho anulado para todos os espectadores que não assistiram à série, além de quebrar, de novo, expectativas da maneira mais displicente possível. A Ilha da Fantasia é um coice.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech