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Crítica | The Silence: que a memória consiga ser amena

Por| 12 de Abril de 2019 às 22h00

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Netflix
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Exploradores de cavernas abrindo espaço nas profundezas; criaturas que viviam em um lugar jamais alcançado pela humanidade ganhando a liberdade para o mundo acima e já promovendo a primeira matança. Em seguida, uma abertura clássica de filmes apocalípticos: predadores caçando, extermínio, o próprio homem destruindo o planeta – e visto como o maior dos predadores –; uma agilidade interessante guiada por uma trilha sonora quase ensurdecedora e que, ao mesmo tempo, é muito bem encaixada. De repente: o silêncio... e surge o letreiro com o título. Uau! Parece que se está diante de uma espécie de neotrash, de um filme B como não se vê há tempos ou, pelo menos, de uma produção consciente.

Cuidado! A partir daqui esta crítica pode conter spoilers!

"Não dirijam"

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Volta-se ao filme e, então, inicia-se uma profusão de clichês, situações previsíveis, decisões que enfraquecem a produção sendo tomadas a cada cena... Sabe-se, por exemplo, que uma das maiores bases do terror é o mistério: O que é? Quem é? De quem é? As perguntas movem os bons filmes do gênero enquanto as respostas dificilmente são exatas quando encontradas. Mas, aqui, cada pergunta é respondida como se o espectador fosse uma porta e cada passo é dado como se os personagens fossem tão portas quanto.

Repare, por exemplo, no pedido de silêncio feito por Hugh (Stanley Tucci, de Spotlight – Segredos Revelados) já quando as criaturas são descobertas: com a voz sussurrante, ele pede que os celulares fiquem no modo silencioso... mas lá está a TV em alto e bom som. Isso para promover a imbecilidade seguinte: “Não dirijam.”, diz o apresentador de um telejornal. E a família, óbvio, pega a estrada em dois carros – com um cachorro e armas de fogo, que são elementos para as próximas bobagens. É claro que o cachorro começaria a latir em algum momento (ele já havia dado provas disso) e é claro que uma arma de fogo iria ser utilizada com a finalidade de fazer barulho.

"Só um pouco, filho"

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Não bastassem as inconsistências narrativas, tudo é tratado com tanto amadorismo travestido de seriedade pelo diretor John R. Leonetti que até mesmo o que poderia ser leve e orgânico, como a surdez de Ally (Kiernan Shipka, da série O Mundo Sombrio de Sabrina), surge como um obstáculo na realização. É como se aquilo que poderia ser usado com muita sensibilidade – como o é em Um Lugar Silencioso – fosse utilizado apenas como um bibelô, o que pode ferir a comunidade surda.

Tudo isso já seria o suficiente para fazer com que The Silence tivesse a sua existência contestada, mas a situação piora. Há diálogos constrangedores e, entre eles, alguns que parecem existir somente para sonorizar o que é visto para o público que assiste ao filme e, ao mesmo tempo, vai terminando algumas fases de um jogo no celular. “Está doendo, mãe?”, então, a mãe – com a perna rasgada profundamente por uma criatura –, responde ao filho que já é um adolescente: “Só um pouco, filho.”

A pompa de um filme nulo e a criação de um meme

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Leonetti, não satisfeito com o texto piegas, realmente parece acreditar que seu filme tem um potencial enorme e acaba conduzindo tudo com uma pompa totalmente descabida. A opção, por exemplo, por uma colorização dessaturada, um pouco puxada para o sépia, parece deixar tudo mais sério... esquecendo-se que a seriedade de um filme não está exatamente na estética, mas em como ela é utilizada em prol da execução. Dito isso, não há criação de tensão, não há nem mesmo um susto convincente resultante de qualquer som repentino (um famoso jump scare). Tudo é um amontoado de nada.

Não satisfeito com a sua criação ser menos que medíocre, o diretor ainda é extremamente ousado (na tentativa de demonstrar ser conhecedor) ao referenciar clássicos do cinema. Os Pássaros (de Hitchcock, 1963) surge nos planos abertos que revelam as criaturas voando em bando; os ovos dos bichos remetem a Alien, o Oitavo Passeiro (de Ridley Scott, 1979) e até o interessante (e megalomaníaco) Godzilla (de Roland Emmerich, 1998). São referências soltas, avulsas, juntas a uma utilização boba da câmera lenta, que jamais fazem jus ao próprio filme. É conhecimento jogado ao vento para tentar elevar uma obra que, no fim das contas, precisava de um milagre divino.

E, aqui, por mais que exista uma tentativa de debate sobre religiões (especialmente a cristã), não há uma liga que faça os questionamentos tornarem-se válidos. Tanto que o personagem do ator Billy MacLellan (o tal do Reverendo) não é mais do que uma caricatura bizarra que pode servir de base para um meme.

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The Silence, que é baseado em um livro do escritor Tim Lebbon, é uma desconstrução do que é o terror, mas é uma desconstrução de péssimo gosto, fruto das mentes de roteiristas que conseguiram criar Chernobyl e Titanic II (Carey Van Dyke e Shane Van Dyke) e de um diretor que tem como grande marco da carreira o recente Annabelle (2014). Talvez sejam credenciais que permitam o surgimento de um filme, pelo menos, ruim... mas não há sucesso.

Podem silenciar (como em Um Lugar Silencioso), vendar os olhos (como em Bird Box) e até cortar as línguas (como sugere o glorioso Reverendo em The Silence), mas, no fim, o que se corta mesmo, ao menos dessa vez, são 90 minutos de vidas. Se bem que um filme ruim a esse ponto tem o poder de ensinar por caminhos reversos. Pode funcionar para alguns, mas já nasce fadado ao fracasso.

Agora, é torcer para que a memória consiga ser amena e supere o desafio de assistir a isso que chega ao catálogo da Netflix para somar... somente na quantidade. Pobre Tucci, que se esforça para que o seu Hugh tenha uma vida digna dentro de uma obra pobre como adaptação, triste como narrativa e nula na condução.