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Crítica | Verdade ou Desafio – ou um produto ruminado

Por| 07 de Maio de 2018 às 09h48

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Universal Pictures
Universal Pictures

Antes de seguir adiante, cuidado! Esta crítica contém spoilers!

A impressão inicial é pessimista. Parece que o cinema sempre precisa dar alguns passos atrás antes de voltar ao ponto de seguir em frente. É um processo que quase tem o poder de obrigar o público a ruminar: a mastigar prazerosamente algo, engolir e iniciar a digestão... até precisar mastigar mais uma vez o mesmo algo, mas sem qualquer prazer, e acabar por engolir aquilo que será digerido muito mais facilmente e, por não ter o gosto prazeroso, esquecido com facilidade – a menos que seja ovo podre, vômito ou cera de ouvido (só para citar alguns dos sabores de feijões criados por J.K. Rowling para seus Harry Potters).

O contraponto da estética e os clichês ininterruptos

Iniciando com uma cena que remete rapidamente a um clássico do gênero, O Massacre da Serra Elétrica (de 1974), Verdade ou Desafio surge em tela com um ar de referência atraente. O amarelado alarmante reforçado pelas tonalidades do deserto criam uma atmosfera de precaução. Há algo de desconfortável porque, ao mesmo tempo em que o ambiente é logicamente caloroso e a estética acompanha esse pressuposto, o silêncio quase fúnebre de um velho posto de gasolina em meio a tudo isso revela a frieza da solidão. Nesse cenário de desconforto, o jogo que dá título ao filme é rapidamente apresentado em paralelo àquela atmosfera de calor versus frieza: aquela que detém a jogada da vez é obrigada pelo demônio Calux (ainda não revelado) a friamente atear fogo em uma transeunte.

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Pronto. A abertura é finalizada de forma competente e dura. O jogo está apresentado e o impacto surte efeito. É já a partir daqui que os clichês iniciam suas aparições quase ininterruptas: Olivia (Lucy Hale, da série Pretty Little Liars) não quer viajar com os amigos ao México por ter planejado outra atividade para si. Até aí tudo bem, mas, ao mesmo tempo em que é óbvio que ela viajará junto, o que se vê para que isso aconteça são diálogos constrangedores, apoiados por entradas de personagens das mais toscas, como a de Markie (Violett Beane), a sua melhor amiga, que surge em cena completando uma frase – algo que é tão banal quanto a protagonista ser apaixonada pelo namorado dela. E é justamente isso que se revela menos de cinco minutos depois: um envolvimento emocional entre Olivia e Lucas (Tyler Posey), namorado de Markie.

Seriedade inviabilizada e a generalização da Blumhouse

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A insistência, ainda, acaba por transformar o que poderiam ser referências interessantes em uma cópia barata de situações. Enquanto a pobre Olivia mostra-se apaixonada pelo namorado da melhor amiga e se vê solitária em meio à felicidade de diversos casais – algo que reforça irresponsavelmente a sensação de que a felicidade só existe quando se está com outra pessoa –, ela acaba por se envolver com um desconhecido misterioso e aparentemente inocente. Por mais que seja uma situação de calor contra frieza que enriquece a metáfora inicial, a previsibilidade dos fatos acaba por inviabilizar qualquer tentativa de seriedade que se segue.

A maldição do demônio Calux, então, toma um contorno reproduzido cinco vezes por uma sequência de filmes que começou em 2000 liderada por James Wong: Premonição (2000). Mas é tudo tão sem originalidade que as mortes mais impactantes são diluídas em meio a tentativas de assustar com a velha técnica dos jump scares (aqueles sustos que vêm apenas por causa do som repentinamente forte) e por diálogos que ou fazem rir ou fazem imaginar que há uma generalização bem bizarra quando se pensa em adolescentes ou jovens adultos na Blumhouse Productions.

O mais desconcertante é lembrar que a mesma Blumhouse produziu filmes marcantes, como Atividade Paranormal (2007), Sobrenatural (2010), o espetacular drama para TV The Normal Heart (2014) e os oscarizados Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014) e Corra! (2017). Há, na empresa, um potencial enorme para continuar movendo o cinema, especialmente o de gênero, como o é o filme em questão. Por outro lado, como quase toda empresa, há momentos em que a tentativa de lucrar com algo ruim fala mais alto. Assim, não é difícil encontrar filmes abaixo de qualquer média na lista de produções encabeçadas pela Blumhouse, o que não configura exatamente a baixa qualidade de Verdade ou Desafio em uma surpresa.

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O demônio cosplay do Coringa que faz rir

Há uma estranheza, além disso, que é capaz de desconcentrar qualquer espectador: as feições que os rostos dos personagens tomam quando são rapidamente possuídos pelo tal Calux são tão toscas que o riso pode vir com facilidade, especialmente após algumas das aparições. O que poderia ser uma referência ao Coringa da DC Entertainment ou mais uma metáfora de opostos (o calor e a frieza iniciais se metamorfoseando em riso e ameaça) não passa de um trabalho lamentável da pós-produção – incompreensível para um filme que custou US$ 3,5 milhões.

De qualquer forma, por mais que se esforce, Verdade ou Desafio não consegue ter um daqueles citados sabores desagradáveis de feijões como conseguiu o recente Exorcismos e Demônios(2017). O roteiro preguiçoso, com seu amontoado de clichês e seu didatismo exagerado (como se apostasse que o QI do público fosse tão baixo quanto os dos seus personagens), o trabalho displicente nos efeitos visuais e a utilização covarde de dilemas morais – que jamais são aprofundados – conseguem, ao menos, fazer rir.

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Verdade ou Desafio é um produto ruminado: facilmente esquecível e que nada traz para a atual boa safra de terror. Se for levado em consideração que o cinema nasceu como ciência, tornou-se entretenimento e só depois ganhou o status quo de arte, ele consegue se sair bem no segundo ponto, o do entretenimento. Pelas vias erradas, certamente, mas fazer rir, mesmo que involuntariamente, pode ter o seu charme.