Latrinas de Jerusalém trazem evidência mais antiga de parasita da disenteria
Por Augusto Dala Costa • Editado por Luciana Zaramela |
A evidência mais antiga de um parasita estomacal causador da disenteria foi encontrada em uma latrina da era bíblica em Jerusalém. O antigo culpado é o protozoário Giardia duodenalis, que causa uma condição chamada giardíase ou diarreia do viajante, podendo evoluir para a disenteria — condição que causa diarreia sangrenta e severa e pode levar a cólicas estomacais e febre. As fezes humanas analisadas têm mais de 2.500 anos.
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Os vasos sanitários milenares estão em dois grandes sítios arqueológicos abrigando possíveis residências de elite, construídas com blocos de pedra dos séculos VII a.C. a VI a.C. Nos banheiros, os blocos apresentam uma superfície curvada para que o usuário se sente, além de um grande buraco central para a defecação e um menor possivelmente para a urina, tudo acima de uma fossa. Como estavam na localização original, foi possível identificar os microorganismos das fezes ancestrais.
Análises anteriores haviam mostrado a presença de ovos de diversos tipos de vermes, de nematódeos como Trichuris a platelmintos como tênias, todos parasitas intestinais. Isso sugere que as práticas sanitárias da Idade do Ferro eram precárias. Embora os ovos tenham uma robustez que facilita a detecção, é mais difícil detectar os cistos produzidos pelos protozoários, mais frágeis e de preservação complicada.
Identificando protozoários bíblicos
A investigação científica foi realizada por uma equipe conjunta de pesquisadores de universidades britânicas e israelenses, bem como Autoridade em Antiguidades de Israel. A técnica utilizada foi a ELISA — sigla em inglês para análise de imunoabsorção enzimática —, que consegue detectar antígenos, ou seja, substâncias que ativam a resposta imune em seres humanos, produzidos por diversos organismos.
Uma amostra foi retirada do fosso da Casa de Ahiel, no exterior das muralhas de Jerusalém, e três da fossa de Armon ha-Natziv, a 1,6 km ao sul da cidade. Os kits ELISA conseguiram detectar, nas amostras de fezes, o antígeno da proteína que forma a barreira do cisto de G. duodenalis. Esse parasita, em si, tem um formato de pera e contamina água ou alimentos a partir das fezes de humanos ou animais infectados.
O microorganismo afeta a camada protetora das paredes intestinais nos seres humanos, dando acesso aos nutrientes do órgão. Com antibióticos, a recuperação é relativamente fácil, mas caso a camada intestinal seja rompida, bactérias e outros organismos prejudiciais podem aproveitar a chance e invadir, podendo provocar doenças sérias.
A evidência do protozoário nas latrinas da Idade do Ferro é a mais antiga já detectada na história, sugerindo, de acordo com os cientistas, uma longa presença do patógeno nas populações do Sudoeste Asiático. Não é possível, no entanto, descobrir o número de pessoas infectadas com base nas amostras das latrinas comunais.
Ainda não sabemos há quanto tempo o G. duodenalis vem causando disenteria em seres humanos, mas relatos médicos da Mesopotâmia — uma das sociedades complexas mais antigas do mundo — já citam problemas com diarreia entre 3.000 e 4.000 anos atrás.
O sintoma é comum em locais apinhados de seres humanos e sem estruturas sanitárias modernas, o que leva a ciência a crer que surtos de disenteria teriam sido comuns no Sudoeste Asiático desde que os primeiros assentamentos permanentes e domesticação de plantas e animais se estabeleceram.
Análises mais profundas ainda serão necessárias para determinar a origem dos parasitas e quando se espalharam pela região, provavelmente com migrações, comércio e incursões militares.
Fonte: BAS Library, International Journal of Paleopathology, Parasitology