Homo bodoensis: "novo" ancestral pode reescrever a história humana
Por Lillian Sibila Dala Costa • Editado por Luciana Zaramela |

A evolução dos humanos modernos, ao contrário do que a clássica imagem de um ancestral mais símio se tornando ereto e empunhando ferramentas faz parecer, não foi linear e simples, com as classificações e relações entre espécies sendo complexas e enevoadas. Por conta disso, revisões e propostas classificatórias são comuns, e a mais recente tem o objetivo de simplificar bastante as coisas — é o nascimento do Homo bodoensis, um ancestral direto dos humanos modernos, os Homo sapiens.
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Essa proposição surgiu pela primeira vez em 2021, na revista científica Evolutionary Anthropology Issues News and Reviews, e ainda precisa tomar tração na comunidade científica para pegar de vez. Ela tem como base uma reavaliação de fósseis encontradas na África e Eurásia entre 774 mil e 129 mil anos atrás, período em que nossa espécie surgiu, junto aos neandertais (Homo neanderthalensis), nossos parentes mais próximos.
Esses milhares de anos correspondem a meados do Pleistoceno, comumente chamado pela ciência de “meio enlameado”, já que muitas classificações de espécie são disputadas e postas em dúvida. A árvore genealógica evolucionária dos humanos não é nada simples como a de uma família moderna, mas sim cheia de interseções, nós e galhos sem saída, com lacunas no conhecimento, como ancestrais humanos desconhecidos.
Homo bodoensis acima de todos
Segundo os pesquisadores, muitos fósseis da eurasianos e africanos de meados do Pleistoceno (tempo conhecido como idade Chibaniana) foram classificados como Homo heidelbergensis, que muitos consideram o ancestral comum mais recente entre nós e os neandertais, ou Homo rhodesiensis, uma espécie muito parecida com os H. heidelbergensis. Para simplificar e corrigir alguns problemas históricos, a proposta dos cientistas é redefinir todas essas espécies humanas como Homo bodoensis.
Por que mudar toda essa terminologia? De acordo com a pesquisa, o título de H. heidelbergensis é redundante, já que se descobriu que muitos dos fósseis supostamente pertencentes à espécie eram, na verdade, neandertais mais antigos, e não parentes evolutivos. O nome também não considera outros fósseis de hominídeos do leste da Ásia encontrados no mesmo período.
Já o H. rhodesiensis é pouco descrito e, portanto, difícil de se definir, sendo pouco aceito pela comunidade paleoantropológica. Seu título também é controverso, já que faz referência a Cecil Rhodes, um imperialista britânico do século XIX que foi magnata da mineração e político, desempenhando um papel importante nos horrores coloniais perpetrados no sul da África. O bodoensis, por fim, seria uma referência ao local onde um dos fósseis da espécie foi encontrado, em Bodo D’ar, na Etiópia.
Na nova terminologia, o H. bodoensis substituiria os anteriores e seria usado para descrever a maioria dos humanos de meados do Pleistoceno na África, bem como alguns do sudeste da Europa. O restante dos fósseis eurasianos poderia ser reclassificado como neandertal, de acordo com os pesquisadores.
A mudança, é claro, não é consenso, ainda mais por propor um “tamanho único” para fósseis tão disputados, mas a equipe científica por trás da proposta acredita ser um passo necessário para facilitar o entendimento do “meio enlameado” e melhorar a comunicação sobre essa época da evolução humana.
A paleoantropóloga e autora do estudo, Mirjana Roksandic, falou à imprensa na época do artigo e afirmou que era impossível falar sobre a evolução do ser humano no período pela falta de terminologia que levasse em conta variações geográficas.
Nomear espécies novas não é fácil, continua a cientista, e a Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica coloca regras bem restritas às mudanças de nome. Mesmo assim, a equipe segue confiante que sua proposta vingará — e ela só ficará por aí se for usada por outros pesquisadores.
Fonte: Evolutionary Anthropology, Journal of World Prehistory