DNA antigo mostra que última migração humana à Europa ocorreu 500 anos mais cedo
Por Augusto Dala Costa • Editado por Luciana Zaramela |
Análises de DNA ancestral mostraram que a última grande migração humana para a Europa aconteceu bem antes do que se acreditava. O espalhamento de cultura e tecnologias aconteceu com o encontro entre pastores nômades das estepes eurasianas com agricultores da Idade do Cobre, há cerca de 5.000 anos. Esse evento é parte importante da história humana e europeia, já que ajudou a disseminar populações e costumes pelo continente.
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Trabalho de detetive em DNA antigo
É através de registros arqueológicos — inclusive os que contêm traços de DNA — que a ciência percebe grandes mudanças na cultura e tecnologia dos seres humanos. Elas podem acontecer quando ideias são espalhadas por meio do comércio, por exemplo, ou pela migração de populações. Sem registros escritos, é difícil ter clareza acerca desses acontecimentos, mas já sabemos que duas grandes migrações ocorreram na Europa nos últimos 10.000 anos.
A primeira migração consistiu na expansão dos primeiros grupos agricultores da Anatólia (atual Turquia) há cerca de 9.000 anos. Ela está associada ao surgimento de práticas como a pecuária e o sedentarismo, além da generalização da cerâmica e de ferramentas de pedra polida.
Já a segunda foi a expansão de pastores vindos das Estepes Pônticas Eurasianas (ou seja, que ficavam ao longo do Mar Negro) há cerca de 5.000 anos. Isso espalhou o pastoralismo e técnicas leiteiras, ancestralidades diferenciadas e, possivelmente, algumas das línguas indo-europeias que dariam origem aos idiomas europeus no futuro.
Na pesquisa mais recente, publicada no periódico científico Nature, cientistas analisaram o genoma de 135 indivíduos do sudeste da Europa e noroeste do Mar Negro, que viveram entre 4.000 e 7.000 anos atrás. Isso revelou um pouco mais sobre a interação entre os agricultores e pastores das estepes, mostrando mudanças genéticas significativas.
O aspecto mais interessante foi a presença de ancestralidade das estepes na zona de contato com o noroeste do Mar Negro há cerca de 5.500 anos, ou seja, 5 séculos antes do que se esperava.
A Idade do Cobre na Europa
O sudeste europeu teve um grande papel na disseminação da agricultura pelo continente desde que os primeiros agricultores migraram da Anatólia, entre 9.000 e 8.000 anos atrás. Cerca de 1.000 anos depois, a facilidade do acesso ao cobre, ouro e sal levou ao surgimento de diversos assentamentos onde hoje ficam a Bulgária e a Romênia.
Assentamentos no Mar Negro e em grandes rios, como o Danúbio, prosperaram através do contato e comércio com áreas próximas, o que pode ser observado pelas similaridades na cultura material e registros arqueológicos na região. Essas evidências também indicam que o local teve um período de estabilidade social e política por aproximadamente 500 anos, entre 6.200 e 6.700 anos atrás.
Cerca de 95% dos genomas estudados pelos cientistas vinha desse período e região, e, segundo os cientistas, a similaridade e estabilidade cultural foi refletida pela ausência de grandes diferenças genéticas. Depois dessa época estável, muitos assentamentos da Idade do Cobre foram subitamente abandonados, há cerca de 6.000 anos.
Nos mil anos seguintes, ficaram tão poucos humanos no sudeste europeu que o período ficou conhecido como “o milênio sombrio”. Embora não saibamos exatamente porque isso aconteceu, é provável que seja por cona da escassez de recursos gerada por clima pouco favorável.
Nesse meio tempo, grandes assentamentos surgiram onde hoje ficam Moldova e Ucrânia, com milhares de casas, no limite oeste da zona de estepes florestais. Esses locais estavam associados à cultura Cucuteni-Tripillia.
Foi ali que, numa época chamada Eneolítico (5.200 a 6.500 anos atrás), a região ao redor da atual Odessa virou um “crisol de culturas”, um local onde humanos interagiram e amalgamaram tecnologia e cultura, como podemos ver nos registros arqueológicos. Influências de grupos locais e de culturas Maykop, do Cáucaso Norte, surgiram nesse período.
Uma surpresa genética
Análises do genoma de 18 humanos antigos da região de Odessa, do Eneolítico, mostraram evidências de várias influências culturais já vistas pelos arqueólogos. Além de ancestralidade da Idade do Cobre, foram notadas contribuições genéticas da região das estepes florestais e do Cáucaso Norte, algo que só deveria ter surgido quando um grupo futuro, os Yamnaya, chegaram à região.
Os Yamnaya só chegariam 500 anos depois, o que foi a grande surpresa da pesquisa. Além de trocas culturais, agora está claro que interações biológicas também ocorreram, misturando a genética de povos bastante diferentes na zona de contato de Odessa entre 5.400 e 6.500 anos atrás. O “crisol de culturas” do Eneolítico resultou em inovações como rodas, carroças e melhorias na tecnologia de metais, aspectos que se espalharam pelo oeste Europeu e Ásia Central rapidamente.
Evidências ainda mostraram que havia DNA de pastoralistas das estepes em populações que também tinham indivíduos com genética da Idade do Cobre, o que quer dizer que houve uma coexistência de genomas bastante diferentes na mesma época — no período da última grande migração para a Europa, que consolidou o capital genético dos europeus modernos.
Fonte: Nature