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Bomba atômica pode queimar a atmosfera? O que Oppenheimer descobriu

Por| Editado por Luciana Zaramela | 02 de Fevereiro de 2024 às 09h27

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Departamento de Energia dos Estados Unidos
Departamento de Energia dos Estados Unidos

Será que bombas atômicas podem incendiar a atmosfera terrestre, transformando nosso planeta em uma enorme bola de fogo? Essa teria sido uma preocupação real dos físicos envolvidos no Projeto Manhattan, incluindo Robert Oppenheimer. Hoje, sabemos a resposta para essa pergunta, mas um artigo recente mostrou a importância desse debate para a astrofísica.

A preocupação de Oppenheimer sobre uma possível explosão atmosférica é um dos trechos dramáticos do filme homônio, dirigido por Christopher Nolan. Na obra, o "pai da bomba nuclear" busca saber se a explosão atômica transformaria a Terra em uma fornalha ardente.

Na vida real, os cientistas não estavam tão preocupados, segundo relatos. O próprio Oppenheimer não achava que a ameaça era real, mas ainda assim conversou com outros especialistas para garantir que seu trabalho, o desenvolvimento de uma bomba atômica, não causasse um apocalipse global.

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Mesmo que os físicos soubessem que o risco era praticamente nulo, o debate aconteceu e perdurou por anos após o primeiro teste. Esse debate foi importante não para o desenvolvimento da bomba em si, mas para a física nuclear que, mais tarde, faria importantes descobertas na astrofísica.

Um dos cientistas a propagar a ideia de um incêncio atmosférico foi Edward Teller, que publicou um trabalho com George Gamow sobre reações nucleares em estrelas. A preocupação foi levantada por ele em uma reunião interna, realizada em 1942 para recrutar cientistas da Universidade da Califórnia, em Berkeley.

Richard Rhodes, autor do livro vencedor do Prêmio Pulitzer The Making of the Atomic Bomb, disse que o assunto não preocupava de fato os cientistas. Segundo ele, a pergunta antes do teste da primeira bomba nuclear não era "Isto vai explodir o mundo?", mas sim "será que vai funcionar?'”

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Não havia muito medo de sermos incinerados por uma bola de fogo ao redor do globo. O tema ganhou repercussão porque era, de fato, relevante para a época, quando as descobertas sobre a física nuclear ainda eram muito recentes e incompletas.

Os astrofísicos já haviam desenvolvido modelos e estimativas sobre as reações nucleares no interior das estrelas, então já sabiam que ambientes quentes o suficiente poderiam fundir átomos de elementos como o hidrogênio.

Então, talvez a elevada temperatura de uma explosão nuclear pudesse fundir átomos de hidrogênio na atmosfera, causando uma reação em cadeia. Bem, esse era o alvo da investigação, que resultou na publicação de artigos científicos importantes.

Fusão nuclear na atmosfera

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O motivo da discussão é que a atmosfera contém elementos leves, como o nitrogênio, que podem sofrer uma reação em cadeia de fusão nuclear — ao menos na teoria da época, que ainda não era tão completa quanto é hoje.

Teller e seus colegas consideraram que o elemento N-14, um isótopo de nitrogênio abundante na atmosfera, poderia ser quebrado com certa facilidade, dependendo das temperaturas às quais fosse submetido. A fusão de dois átomos deste isótopo levaria então ao rearranjo de seus núcleos pela força nuclear.

Essa reação resultaria na produção de um fragmento leve e pesado, sendo um rearranjo de He-4 e Mg-24 (isótopos de hélio e magnésio, respectivamente), liberando até 17,7 MeV de energia. Em seguida, a energia seria transferida para as partículas alfa emitidas pela reação.

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A discussão é bastante teórica e contou com muitos cálculos necessários para chegar a uma resposta conclusiva, já que esse tipo de reação ainda não havia sido testada. O objetivo também era convencer outros físicos que não estivessem tão familiarizados com os bastidores teóricos do Projeto Manhattan.

Finalmente, Teller e sua equipe escreveram um relatório concluindo que, caso a reação fosse iniciada, haveria uma perda de energia, impossibilitando a criação da "fornalha atmosférica". 

Eles ainda descobriram que a taxa de perda de energia seria sempre maior do que a taxa de libertação de energia pela fusão nuclear dos isótopos. Portanto, a ignição (quando a reação de fusão nuclear se torna autossustentável) da atmosfera não poderia ocorrer.

Para avaliar melhor o fator de resfriamento atmosférico, Oppenheimer pegou um trem para consultar Arthur Compton, ganhador do Prêmio Nobel e especialista em física da radiação. O encontro ocorreu em 1942, na casa de férias de Compton, e trouxe ainda mais tranquilidade a Oppenheimer: a bomba nuclear que estava ajudando a desenvolver não incendiaria o planeta.

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Legado para a astrofísica

Os principais envolvidos no Projeto Manhattan eram físicos que trabalhavam com as teorias da astrofísica nuclear desde o final da década de 1920, então parece óbvio que os estudos realizados durante o desenvolvimento da bomba nuclear seriam úteis para a astronomia — em especial sobre o que acontece dentro das estrelas.

Nessa época, a energia nuclear liberada pelos processos de fusão dos elementos já era a principal candidata como fonte de energia estelar, e hoje sabemos que aquelas teorias estavam corretas. Isso levou também a estudos sobre as formação, vidas e morte das estrelas, além de cálculos das taxas de reação estelar.

Em 1942, o Projeto Manhattan ainda se encontrava em suas fases iniciais, mas já inspirava cientistas como George Gamow. As ideias de fissão nuclear no desenvolvimento da bomba levou o físico à proposta de que esses processos poderiam ser fundamentais na origem dos elementos pesados no universo.

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Se antes da guerra Gamow já defendia a ideia do universo nascendo em rápida expansão — o Big Bang —, o desenvolvimento da bomba o fez imaginar um local singular, um ponto, sendo responsável pela origem de todos os elementos existentes. 

Vários cientistas envolvidos no Projeto Manhattan se dedicaram a ciências como a eletrodinâmica quântica, importante para explicar as cadeias de reação nuclear no interior das estrelas. Entre 1954 e 1957, alguns desses pesquisadores se inspiraram no projeto Manhattan para prever que explosões de estrelas em supernovas dão origem aos elementos pesados.

Impacto real na atmosfera

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Embora a atmosfera terrestre não tenha se tornado uma fornalha ardente com as diversas explosões de bombas nucleares, houve um impacto que pode ser observado até hoje. Na verdade, as marcas das reações nucleares na atmosfera estão impressas nas árvores.

A preocupação de Oppenheimer e demais físicos do Projeto Manhattan era referente ao isótopo N-14, devido à sua abundância na atmosfera. Contudo, eles não consideraram outra reação deste elemento com o carbono que resultou em uma grande produção do isótopo C-14, conhecido como radiocarbono.

O radiocarbono ocorre naturalmente na natureza, por isso é usado nas técnicas de datação por carbono para determinar a idade de objetos antigos de nosso planeta. No entanto, houve um pico de produção desse isótopo na atmosfera, proveniente das explosões nucleares.

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Esse pico diminui rapidamente porque, embora o isótopo seja de longa duração, é facilmente absorvido pelas plantas. Por isso, o radiocarbono produzido na era das explosões de bombas nucleares vai ser parte de todos os elementos biológicos por milhares de anos.

Cientistas podem encontrar as “impressões digitais” das explosões nos anéis dos troncos de árvores, como os pinheiros. Como concluiu a equipe autora do artigo, “este radiocarbono permanece nos nossos corpos, servindo como um lembrete duradouro da arrogância humana que levou ao desenvolvimento de armas nucleares contra as quais Oppenheimer queria alertar.”

O artigo de Teller e seus colegas foi classificado como sigiloso pelo governo até 1973, mas este e outros trabalhos publicados nos anos seguintes chamaram a atenção da mídia e dos próprios envolvidos no Projeto Manhattan. Em um deles, o físico Enrico Fermi teria feito apostas com colegas do projeto sobre se a bomba iria incentiar a atmosfera.

Pode ser que a atitude de Fermi tenha sido apenas uma piada, mas a publicação desses relatos parece ter confundido o público e o tema voltou aos holofotes com o filme Oppenheimer. Rhodes comentou, dizendo esperar que a obra não leve as pessoas a duvidar dos cientistas do Projeto Manhattan. “Eles sabiam o que estavam fazendo”, disse ele. “Eles não estavam tateando no escuro.”

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Fonte: Wiley, The Washington Post