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Clone de cavalo ameaçado gera esperanças à espécie, mas há um porém

Por  • Editado por Luciana Zaramela | 

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BS Thurner Hof/Domínio Público
BS Thurner Hof/Domínio Público

Esforços para recuperar as populações do cavalo-de-przewalski, uma espécie de equino selvagem, incluíram, recentemente, a clonagem bem-sucedida de um filhote, nascido em fevereiro deste ano e ainda sem nome. O animal é uma cópia genética do primeiro cavalo-de-przewalski clonado na história, Kurt, nascido em agosto de 2020 a partir de células congeladas há mais de 40 anos no Zoológico de San Diego, nos Estados Unidos.

Embora os cientistas responsáveis pelo procedimento afirmem que o segundo nascimento já seja evidência suficiente de que a clonagem pode ser uma boa aliada no salvamento de espécies ameaçadas, preocupações acerca dos perigos sofridos no habitat natural — especialmente os trazidos por nós, humanos — questionam o quão revolucionária a técnica pode ser para a sobrevivência de espécies como essa.

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A história do cavalo-de-przewalski

De nome curioso, o cavalo-de-przewalski (Equus ferus przewalskii) é um animal de coloração amarelada e cabeça grande, mais baixo e entroncado do que seus primos domesticados, extinto na natureza graças a perturbações no habitat e caça nos anos 1960. Para a sorte da espécie, o ser humano havia mantido diversos espécimes em zoológicos, sendo reintroduzidos na Mongólia, China e Cazaquistão nos anos 1990 para formar rebanhos novamente.

Atualmente, há cerca de 1.900 deles na Ásia Central, seu habitat natural, todos descendendo de 12 animais capturados da natureza entre 1910 e 1960. Sua diversidade genética é baixa, ou seja, as características herdadas são diminutas, o que pode diminuir a expectativa de vida, número de filhotes e, portanto, chances de sobrevivência. Quase metade do capital genético da espécie se foi, então mesmo com os números retornando, a variação genética não é recuperada, os colocando em perigo.

Kurt e o gêmeo mais novo

Para ajudar a melhorar a diversidade genética dos cavalos-de-przewalski, cientistas resolveram fazer justiça — ou genes, neste caso — com as próprias mãos. Clonagem de animais não é algo incomum, e muitos criadores clonam seu melhor gado, ovelhas ou porcos. A San Diego Zoo Wildlife Alliance se juntou à empresa especializada em clonagem ViaGen e a ONG Revive & Restore para aproveitar as células equinas guardadas pelo zoológico e gerar um filhote geneticamente diferente dos vivos, atualmente, na natureza.

A clonagem geralmente é feita a partir de uma amostra de tecido do animal, costumeiramente vinda da pele, de onde são isoladas células em laboratório. Para o cavalo-de-przewalski em questão, a amostra veio de um garanhão nos anos 1980, ficando criopreservada no zoológico de San Diego.

O núcleo de uma dessas células doadas foi transferido para um óvulo deixado oco vindo de uma mãe de aluguel, gerando um embrião que cresceu em um tubo de ensaio até ser colocado no útero da mãe, uma égua doméstica comum (assim como foi feito com Kurt).

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A clonagem costuma ter diversos problemas, gerando filhotes muito grandes, com órgãos defeituosos ou envelhecimento prematura, provavelmente por conta de erros aleatórios advindos do procedimento. A maioria dos primeiros clones morreu prematuramente, e até hoje as chances de sobrevivências são baixas desde o estágio de embrião — a ovelha Dolly, que revolucionou a clonagem em 1996, foi bem-sucedida apenas após 29 transferências embrionárias.

Para o clone de Kurt, foram necessários 7 embriões e 4 éguas passando por uma gravidez, com 3 delas tendo abortos espontâneos. Isso está dentro da taxa de sucesso esperada da ViaGen, mas o histórico ruim dos clones, no geral, fez a companhia esperar até o filhote sobreviver a infância para anunciar a clonagem bem-sucedida. Seu gêmeo mais velho, Kurt, vive com uma égua-de-przewalski no Safari Park do Zoológico de San Diego chamada Holly.

Mesmo que sigam saudáveis, os irmãos não deverão ser soltos na natureza — mas sim seus filhos e netos. Eles se tornarão reprodutores quando atingirem a maturidade sexual, entre 3 e 4 anos de idade, então terão o propósito de se reproduzir o máximo que puderem. Para isso, precisam viver tanto quanto seja possível em cativeiro. A equipe ainda pretende seguir clonando a espécie, gerando mais cavalos-de-przewalski da mesma linhagem de 1980.

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Clonagem e conservacionismo

Embora a clonagem seja uma abordagem interessante para a recuperação de espécies como os equinos da Ásia Central, nem todas podem ser clonadas. São necessárias amostras celulares dos animais, nem sempre fáceis de obter. Para animais já extintos, a falta de um genoma completo é uma barreira extra, razão pela qual esforços para recuperar espécies como o mamute-lanoso buscam editar o DNA de espécies próximas para criar híbridos, e não clonar com base em amostras antigas incompletas.

Além disso, é necessário ter uma espécie para ser “barriga de aluguel”, evitando tirar uma espécie ameaçada de seu habitat para passar pelo processo de gestação e correr o risco de perecer no processo — e nem toda espécie tem parentes domésticos similares o suficiente para gestar um filhote.

Cientistas ainda apontam que simplesmente clonar espécimes e mandá-los para a natureza não mudará a ameaça de extinção caso não sejam tomadas medidas para mitigar os perigos sofridos em seu ambiente, como espécies invasoras, perda de habitat e envenenamento por substância como agrotóxicos e produtos químicos. A clonagem é um último recurso para uma espécie com capital genético baixo, como os cavalos-de-przewalski, mas não deve ser encarada como um santo graal para animais ameaçados.

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Fonte: Wired