Bóson de Higgs | O que é, descobertas e novas medições
Por Daniele Cavalcante • Editado por Rafael Rigues | •
O anúncio histórico da descoberta do campo de Higgs completa 10 anos em julho deste ano. A teoria foi proposta na década de 1970, porém os físicos só conseguiram encontrar o bóson relacionado a este campo em 2012, no acelerador de partículas Large Hadron Collider (LHC). Mas o que é o bóson de Higgs? E por que ele é tão importante?
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No Modelo Padrão de partículas, os físicos conseguiram desenvolver a melhor teoria que temos para explicar a matéria do universo — e também a mais bem-sucedida em termos de comprovações observacionais. Ele ainda não está completo, mas a descoberta feita no LHC foi um grande passo.
O que é bóson de Higgs?
Como todos os campos fundamentais (como o campo eletromagnético), o campo de Higgs tem uma partícula associada, o bóson de Higgs. Ele é a manifestação visível do campo de Higgs, como uma onda na superfície do mar.
Até a década de 1970, os físicos tinham um problema: ninguém sabia explicar a massa das partículas fundamentais. Pior ainda, todas as partículas da força eletromagnética e força fraca (duas forças fundamentais altamente ligadas entre si, às vezes chamada de força eletrofraca) emergem sem massa, mas apenas os fótons (partículas de luz) permanecem com massa zero.
Isso era um enigma, porque as partículas portadoras de força fraca (os bósons W e Z) têm massa quase 100 vezes a de um próton. Como isso poderia acontecer, se elas emergem sem massa alguma? Bem, os teóricos Robert Brout, François Englert e Peter Higgs fizeram uma proposta para resolver esse problema.
Hoje conhecido como mecanismo de Brout-Englert-Higgs, o trabalho dos teóricos previu a existência de um campo invisível, mas onipresente, chamado “campo de Higgs”, que permeia o universo. Apesar da complexa elegância das equações matemáticas, a ideia era simples: o campo de Higgs proporciona massa às partículas.
Uma analogia para explicar isso é imaginar este campo como uma piscina, e as partículas como um nadador. A água oferece resistência, então o atleta precisa aplicar energia para se locomover. Se considerarmos que energia é apenas uma manifestação da massa (segundo a fórmula de Albert Einstein E=mc²), compreendemos o papel do campo de Higgs na atribuição de massa para as partículas.
Na prática, quanto mais uma partícula interage com o campo de Higgs, mais ela adquire massa. Em outras palavras, mais pesada ela se torna. Isso, claro, não é aleatório — cada tipo de partícula do universo interage com uma determinada “intensidade”, ganhando massa específica.
Por exemplo, os elétrons sempre terão massa de 0.51 MeV/c² (unidade de medida que relaciona massa com energia da partícula), o que é 1.836 vezes menor que a dos prótons e nêutrons. Prótons, por sua vez, são formados por quarks up e down. Os primeiros têm massa de 2.16 MeV/c² e os últimos têm massa de 4.67 MeV/c².
Essa descoberta foi fundamental para a física quântica, mais especificamente para a física dos campos. Com ela, os cientistas puderam determinar que, logo após o Big Bang, o campo de Higgs era zero, mas cresceu espontaneamente à medida que o universo esfriava e a temperatura caía abaixo de um valor crítico.
Partículas como os fótons não interagem com o campo de Higgs, por isso ficam sem massa. Os neutrinos, por exemplo, têm massa algumas centenas de vezes menores que a massa do elétron, que já é considerada desprezível.
A descoberta do bóson de Higgs
Observar o bóson de Higgs era fundamental para validar o mecanismo de Brout-Englert-Higgs, já que a partícula é a manifestação “visível” do campo de Higgs. Entre aspas, porque, para “ver” o bóson, é preciso analisar dados de interações entre partículas que decaem em uma fração de segundos.
Após esse tempo quase imperceptível, o bóson de Higgs se desfaz em outras partículas, um processo chamado decaimento. Para tentar observar esse decaimento, físicos do LHC aceleram feixes de 500 trilhões de prótons até 99,99999% da velocidade da luz (uma energia de 4 teraeletron-volts, ou TeV).
Com isso, o LHC esmaga dois desses feixes, um ao encontro do outro, para criar uma cascata de novas partículas — mais uma vez seguindo a equação E=mc², já que a energia dos feixes em altíssima velocidade será comprimida para se transformar em massa. Essa massa se manifestará na forma de partículas bem específicas.
Em 4 de julho de 2012, os experimentos ATLAS e CMS no Large Hadron Collider do CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear) anunciaram que cada um deles observou uma partícula com massa em torno de 125 GeV, medida consistente com o bóson de Higgs. Isso é cerca de 100 vezes mais pesado do que um próton.
Durante o ano, os cientistas confirmaram que a partícula observada era mesmo o bóson de Higgs, mas os experimentos continuaram para detectar o decaimento do bóson em outras partículas. Por exemplo, o Modelo Padrão prevê que o bóson de Higgs decai em um par de quarks bottom em cerca de 60% das vezes, mas isso só foi comprovado com maior grau de certeza em 2018.
Já o decaimento em dois múons é um dos mais raros que se pode detectar, e isso provaria o acoplamento com o campo de Higgs pela primeira vez. Atualmente, é isso o que os cientistas do CERN estão tentando obter. Já há evidências convincentes de que este decaimento está ocorrendo, com um "excesso" de múons voando nas colisões de feixes do acelerador de partículas.
O problema é que há várias maneiras de produzir múons "acidentalmente" em excesso, por isso é difícil ter certeza de que essas observações são resultado direto do decaimento do bóson de Higgs. Já estão em uso inteligências artificiais para tentar separar o "ruído de fundo" dos múons que os físicos estão procurando.
Em 8 de outubro de 2013, o Prêmio Nobel de Física foi concedido a François Englert e Peter Higgs “pela descoberta teórica de um mecanismo que contribui para nossa compreensão da origem da massa de partículas subatômicas”. Graças aos teóricos e aos cientistas do CERN, e muitas outras contribuições ao longo de 40 anos, sabemos um pouco mais sobre a origem da matéria no universo.
Fonte: CERN, Physics World