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Como acasos e descobertas guiaram os cientistas do CERN ao Bóson de Higgs

Por| 04 de Setembro de 2020 às 14h20

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Maximilien Brice
Maximilien Brice

A palavra “serendipity”, em inglês, é definida pelo dicionário Cambridge como “o fato de encontrar algo interessante ou valioso por acaso”. O termo foi criado pelo autor britânico Horace Walpole, que o inventou inspirado em um conto no qual as protagonistas “estavam sempre fazendo descobertas, por acidente e sagacidade”. A palavra equivalente em português, “serendipidade”, tem acompanhado o trabalho de diversos cientistas e pesquisadores, que conhecem bem essa sensação — principalmente aqueles que trabalham no laboratório Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), que recentemente deu mais um passo nos estudos sobre o bóson de Higgs.

Há alguns anos, o laboratório tomou as manchetes de jornais em todo o mundo devido à descoberta do bóson de Higgs — ou “Partícula de Deus”, se preferir —, que indicava a existência de uma partícula com papel essencial no universo como conhecemos. Entretanto, este sucesso esteve bem longe de ser algo simples; na verdade, veio de uma busca que vinha sendo feita há longos anos junto da soma de tentativas a achados inesperados.

Uma breve visita ao passado

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A Segunda Guerra Mundial foi encerrada em 1945 e, após o término do conflito, algo na ciência europeia havia mudado; assim, seguindo o exemplo de instituições internacionais, um grupo de cientistas decidiu criar um laboratório europeu de física atômica — entre eles, estavam Pierre Auger, Niels Bohr, Edoardo Amaldi e outros. Assim, o CERN foi fundado na década de 1950 em uma área neutra que abrange os territórios da Suíça e da França, com o objetivo de ser um laboratório destinado a estudos e pesquisas nucleares.

Em linhas gerais, podemos afirmar que o CERN tem atuação forte na física fundamental; esta é uma área bastante complexa nas ciências exatas, que busca os blocos fundamentais da matéria além das interações fundamentais que ocorrem entre estes blocos. Complicado, não é? Para entender melhor, pense nas unidades que formam tudo que existe no universo, ou seja, os átomos. Ao nos aprofundarmos mais, chegamos a essas partículas fundamentais, que chegam a constituir os próprios átomos.  

O laboratório conta com um conjunto de seis aceleradores no total e, entre eles, está o Grande Colisor de Hádrons — ou apenas a sigla “LHC”. Trata-se de um acelerador com 27 km de circunferência que conta com alguns outros experimentos em seu interior, como o ATLAS, CMS, ALICE e LHCb. Dentre eles, vale destacar o CMS.

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Na verdade, essa é a sigla para Solenoide Compacto de Múons, que são partículas elementares parecidas com os elétrons, mas muito mais massivas: “os múons eram o grande sinal da descoberta do Bóson de Higgs. Assim, o próprio experimento foi desenhado para ser eficiente para essa descoberta, além de outras coisas”, explica Eduardo Gregores, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisador do CERN. Claro que encontrar a dita partícula não foi nada fácil, afinal, os pesquisadores estavam na procura há quase 60 anos! Até chegarem nela, eles percorreram um longo caminho para descobrirem esta partícula que dava massa a todas as outras.

Onde está o Bóson de Higgs

No ano de 1964, o físico britânico Peter Higgs propôs que este bóson, a partícula responsável por dar sua massa às outras, existia. Já no final daquela década, Steven Weinberg, físico que recebeu o prêmio Nobel de 1979, utilizou o mecanismo criado por Higgs para desenvolver um modelo de interação das partículas elementares. “Apareceram vários resultados que ninguém nunca tinha visto naquela época, inclusive o bóson de Higgs”, explica o prof. Gregores.

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Então, durante os 60 anos decorridos daquela época até os dias hoje, os cientistas vinham realizando experimentos em grandes aceleradores para buscar a partícula. Tudo foi feito com base na teoria do mecanismo desenvolvido por Higgs; se estivesse correto, seria possível construir modelos. E deu certo, exceto por um pequeno problema: eles encontraram tudo que o modelo previa, menos o bóson de Higgs. “O acelerador LHC foi projetado para dar uma resposta final a isso. Se o LHC não descobrir, é porque não existe”, comenta.

De fato, eles encontraram a partícula; mas ela, brincalhona, desaparece em pouquíssimo tempo e resulta em outras — como os múons, que são um dos sinais mais claros da ocorrência do bóson de Higgs. “Na maioria das vezes, são produzidas várias outras coisas, não um bóson de Higgs. Isso acontece muito raramente mesmo”. Os estudos sobre a partícula estão longe de terminar: no início de agosto deste ano, foi anunciado um dos resultados mais importantes já obtidos pelo laboratório.

Trata-se da primeira medida da interação entre o bóson de Higgs e o múon. As chances de um bóson de Higgs "formar" múons são extremamentes baixas, de modo que o experimento CMS foi utilizado para rastrear essas partículas com altíssima precisão. "O fato de o CMS ter obtido essa medida complexa com 3 desvios padrão é mais uma demonstração do alcance do detector para explorar os detalhes do mecanismo de Higgs”, diz o professor Sérgio Novaes, líder do São Paulo Research and Analysis Center (SPRACE).

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E o futuro?

Mesmo com tantos avanços alcançados, é certo que nosso universo ainda guarda muitos mistérios para serem desvendados em pesquisas e experimentos futuros. Recentemente, a equipe do prof. Gregores vinha trabalhando em estudos relacionados às dimensões extras, uma pergunta que ainda segue em aberto. “Essas dimensões tentam juntar as forças gravitacionais com as demais interações”, explica ele. Assim, poderia até existir uma dimensão a mais, que seria testada no LHC, e a indicação dela seria a formação de buracos-negros minúsculos. Entretanto, ainda não houve indícios de partículas que indiquem a ocorrência de um mini buraco negro.

Agora, o objeto de pesquisa da equipe é a matéria escura. Considere que, hoje, o LHC pode reproduzir a escala de energia que existia nas primeiras frações de segundo após o Big Bang. E se a matéria escura tiver sido produzida nesta mesma época? “A matéria escura não pode ser detectada, mas vemos o restante que é produzido. Nisso, você vê que está faltando alguma coisa”, explica ele.

Hoje, o LHC está com as atividades suspensas temporariamente devido a manutenções e substituições de equipamentos, mas é esperado que volte a funcionar no ano que vem e, depois, siga até 2040. O que esperar até lá? Bem, não dá para saber exatamente, mas o professor ressalta que o que importa é que os cientistas utilizam todos os recursos tecnológicos ao extremo para os estudos. O professor Gregores finaliza: “em inglês tem essa palavra, a ‘serendipidade’. Essa é a palavra-chave do que a física e a ciência básica fazem. Você está procurando e eventualmente encontra no meio do caminho coisas que não esperava, mas só acha porque estava procurando”. Então, aguardemos.

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Fonte: BBC, CERN (1, 2), SPRACE, Live Science, Cambridge Dictionary