Como os 35% de etanol na gasolina afetam o seu carro?
Por Eugenio Augusto Brito • Editado por Jones Oliveira |
Está valendo a chamada Lei do Combustível do Futuro, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na presença de ministros e de representantes da indústria automotiva, do setor de transportes e do agronegócio. A lei prevê, entre outras medidas de caráter ambiental, o aumento da mistura de etanol à gasolina e de biodiesel ao diesel.
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Mas quais os impactos econômicos e mecânicos dessa medida? O que muda para donos de automóveis com motores flex, a gasolina ou a diesel?
O que muda na prática
A Lei do Combustível do Futuro cria 4 programas nacionais de fomento para desenvolvimento de energia limpa. São eles:
- Programa Nacional de Diesel Verde
- Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação
- Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano
- Marco Regulatório para a captura e estocagem de carbono
Além desses programas, a Lei define que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) pode avaliar a viabilidade técnica de aumentar a mistura atual de etanol e biodiesel ao combustível fóssil vendido em postos de todo Brasil.
Atualmente, a mistura de etanol na gasolina varia de 18% a 27,5%. Pelo texto da nova Lei, a partir de 2025, a nova mistura poderá ser de 22% a 27%, chegando ao máximo de 35%.
No caso do biodiesel adicionado ao diesel, temos o mínimo atual de 14%. Mas, a partir de 2025, será acrescentado um ponto percentual de mistura anualmente até atingir 20% em março de 2030. O limite máximo, no geral, poderá ser de 25% de combustível vegetal no diesel.
As regras da Lei do Combustível do Futuro foram criadas pelo texto original do Projeto de Lei nº 528/2020, que teve relatório apresentado pelo senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB/PB). Após trâmite no Congresso Nacional e acordo com o Governo, ao longo deste ano, o texto foi aprovado por unanimidade, sem ressalvas ou mudanças radicais por parte de deputados e senadores.
O que se ganha com a Lei Combustível do Futuro?
O entendimento de especialistas do setor é de que, com a nova Lei, esses limites de mistura sejam ampliados, de fato. Isso porque os ganhos ambientais e na cadeia de produção energética são grandes.
Governo e Ministério de Minas e Energia calculam que se evite a emissão de 705 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) até 2037. O CO2 é o principal gás responsável pelo chamado efeito estufa.
Além disso, esperam que o país receba investimentos do setor energético e de agronegócio na casa dos R$ 260 bilhões.
Investimentos como os anunciados pela Stellantis, que confirmou o lançamento de modelo híbrido flex já em novembro, no mesmo evento de assinatura da Lei.
Além da Stellantis, que representa marcas como Fiat, Jeep, RAM, Citroën e Peugeot entre outras, representantes da Mercedes-Benz, Toyota, Volvo, Renault e Volkswagen participaram do evento. Ou seja, há grande expectativa do setor.
Mas com mais etanol e biodiesel na mistura, que são combustíveis hidratados (ou seja, com água em sua composição), há mais riscos mecânicos envolvidos. E ainda uma questão econômica que pode ser desfavorável ao consumidor.
O que muda para quem tem carro flex
A primeira dúvida vem de donos de carros de passeio com motores flex ou a gasolina, que precisam abastecer rotineiramente com etanol puro ou com a mistura atual de gasolina comum ou aditivada E27 (que tem de 18% a 27,5% de etanol).
Segundo o engenheiro e jornalista especializado Boris Feldman, donos de automóveis com motores flex não precisam se preocupar com qualquer problema técnico. Isso porque motores flex se ajustam automaticamente para usar com mais eficiência qualquer percentual de etanol misturado à gasolina.
Para Feldman, que já produziu diversos textos e vídeos sobre o assunto, quem tem veículos com motor somente a gasolina (carros de passeio, veículos comerciais e motos) precisa ficar atento.
O que muda para quem tem carro a gasolina
Donos de carros novos com motor a gasolina ou mesmo de modelos anteriores ao programa do carro flex, que é de 2003, precisam ficar atentos com questões mecânicas.
O primeiro risco da maior mistura de etanol na gasolina vem da sobrecarga do sistema de partida a frio, que aciona o motor de arranque, bem como do sistema de injeção eletrônica.
Como o etanol tem menor poder calorífico que a gasolina, quanto mais combustível verde, maior será o esforço do sistema para dar a partida, bem como maior o tempo para que o sistema todo esquente, chegando à temperatura ideal de funcionamento.
Este problema pode ser mais sentido em cidades de clima frio, sobretudo na região Sul do país.
Atenção ao carburador
Carros mais antigos, com motores alimentados pelo sistema de carburador, há um risco ainda maior de desgaste de cabos, velas de ignição e do carburador em si.
Carros com motores especiais, como os esportivos e de luxo, geralmente de marcas premium, também podem ter problemas no sistema de ignição e injeção eletrônica. O recomendado, inclusive nos manuais do automóvel, é abastecer com gasolinas premium, que têm maior octanagem e menor mistura de etanol.
Maior gasto para abastecer
Mas tanto donos de veículos flex, quanto de automóveis a gasolina, podem sofrer no bolso com outro efeito colateral da maior mistura de etanol à gasolina no tanque: o custo para encher o tanque tende a aumentar.
Um dos argumentos favoráveis à maior mistura estaria no fato de ganhos ambientais. Pesquisa de outro Ministério, o de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), indica que da frota de 40 milhões de carros de passeio do país, 85% (cerca de 34 milhões de veículos) rodam com motor flex.
Quanto mais carros abastecendo com a nova mistura, que terá volume maior de combustível vegetal no tanque, menor poderá ser a emissão de poluentes e CO2 ligados à gasolina.
Na prática, porém, o uso do etanol é relativamente pequeno. Pesquisa da União da Bioenergia (UDOP) mostra que 70% dos motoristas de carros flex costumam abastecer com gasolina, não com etanol, uma vez que o custo final nem sempre compensa.
Por ter valor energético menor que o da gasolina, é preciso usar maior quantidade de etanol do que seria necessário com a gasolina, para rodar uma mesma quilometragem.
Daí o cálculo corrente de que só é vantajoso abastecer com etanol se o custo estiver, pelo menos, de 30 a 40% menor que o da gasolina.
Gasolina mais barata?
Mesmo uma futura gasolina E35, com teor de etanol de até 35%, tende a ser menos eficiente do que a atual E27, aumentando também o consumo desse combustível. E, por consequência, a conta no final do mês.
Segundo Feldman, reduzir mais o preço da gasolina deveria ser uma das medidas auxiliares, que deveriam estar contempladas na Lei do Combustível do Futuro. A medida serviria para equilibrar o maior gasto com abastecimentos. Além disso, seria necessário manter diferentes tipos de gasolina, com menor teor de mistura, disponíveis nos postos.
"No mínimo de respeito pelo cidadão, [o Governo] deveria, primeiro, manter um teor mais baixo de etanol para motores que não sejam flex. Segundo, reduzir o preço da gasolina para compensar o maior consumo do etanol e não prejudicar o bolso do motorista", afirmou.
Problema também para motor a diesel
Quem também divulgou opinião crítica ao projeto original, que agora virou nova Lei de combustíveis, foi a Confederação Nacional do Transporte (CNT), associação sindical da área de transporte e logística.
Com mistura de até 25% de biodiesel ao óleo de origem animal, previsto pela Lei, o custo tanto de abastecimento, quanto de uso de aditivos será maior, na visão da entidade.
Mesmo participando de discussões públicas e da cerimônia de assinatura da Lei do Combustível do Futuro, a CNT vem apontando que as medidas previstas desde a época do PL são insuficientes para se ter "os benefícios esperados do ponto de vista ambiental".
Isso porque os veículos também podem perdem velocidade e potência, além de emitirem mais poluentes (como o óxido nitroso, CO, além do CO2), em função do aumento do consumo.
A CNT cita ainda estudos feitos pela Universidade de Brasília (UnB) e pela empresa Sambaíba, do transporte público da cidade de São Paulo, conduzidos em 2023, para afirmar que setor de transporte de cargas e de passageiros vai enfrentar aumento de custos.
Por conta da maior proporção de água por conta de maior consumo de combustível, mais gastos com manutenção corretiva, maior oxidação e redução de vida útil de peças mecânicas, podem ocorrer.
Em comunicado divulgado sobre o teor do PL e, agora, da Lei, o diretor-executivo da CNT, Bruno Batista, afirmou que governo e CNPE deveriam aprimorar as especificações do biodiesel utilizado no Brasil, bem como estimular o desenvolvimento do chamado diesel verde (HVO).
“É preciso abrir espaço para a participação de todas as partes envolvidas na questão e para o desenvolvimento de outras tecnologias, como o diesel verde (HVO) - solução tecnológica que já existe e que tem custo-benefício e segurança melhores", concluiu Batista.
Difundido na Europa, o HVO tem benefício similar ao do biodiesel, mas com custo de produção mais elevado.
Setor de elétricos também faz críticas
Representantes da nova mobilidade também criticaram a nova Lei. Segundo Davi Bertoncello, CEO da Tupi Energia, a nova regra não considera o desenvolvimento de alternativas eletrificadas para redução da emissão de poluentes, bem como na atração de novos investimentos, seja para infraestrutura, seja para produção de modelos.
Para o executivo, que diz estar preocupado com a "associação das palavras 'combustível' e 'futuro'", depender apenas de motores térmicos (a combustão) também significa ser dependente de máquinas pouco eficientes. Fora a questão do custo maior.
"Cerca de 70% da energia dos combustíveis é desperdiçada em forma de calor quando, por exemplo, transformamos combustível em movimento mecânico em um automóvel", afirmou Bertoncello.
A Tupi atua no gerenciamento de softwares de frotas eletrificadas, bem como na administração de pontos de recarga próprios e de fabricantes como Renault e BYD.
Carro 100% a etanol seria solução
Ainda segundo Bertoncello, o país deveria explorar melhor o potencial de transição energética garantido por "94% de sua energia elétrica renovável, segundo o Sistema Interligado Nacional (SIN)", bem como pelas reservas de lítio e nióbio, minerais fundamentais para a produção de baterias e outros compostos para a motricidade elétrica.
Haveria espaço, até mesmo, para uma "maior sinergia entre veículos elétricos e biocombustíveis", na visão do executivo.
"Até o momento, não dispomos de um veículo 100% movido a etanol ou um híbrido que utilize exclusivamente biocombustíveis de origem agrícola nacional. Isso agrava o impacto das emissões, especialmente nos grandes centros urbanos do Brasil", afirmou.
Essa visão é compartilhada por Feldman, que aponta veículos 100% movidos a etanol como a melhor saída para o cenário energético e ambiental que o governo busca.
"O motor a etanol [seria a solução], mas exigiria para isso uma preocupação com o assunto pelo governo, parlamentares, usineiros e fábricas de automóveis. Lamentavelmente, não é o que se vê pelo menos por enquanto", resumiu o engenheiro e jornalista.