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Crítica The Witcher: A Origem | Uma história que não precisava ser contada

Por| Editado por Jones Oliveira | 26 de Dezembro de 2022 às 21h30

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Logo em uma das primeiras cenas de The Witcher: A Origem, o bardo Jaskier (Joey Batey) questiona se a história que a elfa misteriosa quer lhe contar é mais uma história clichê sobre um grupo improvável se levantando contra um império. E, apesar da negativa da personagem, o prequel de The Witcher que acaba de chegar à Netflix é realmente um grande apanhado de lugares-comum que adiciona pouco à franquia.

A premissa em si é mesmo interessante: mostrar como o mundo da série se tornou essa coisa repleta de diferentes raças e monstros e, de quebra, ainda revelar como o primeiro bruxo foi criado. O problema é que essa viagem no tempo de 1200 anos mais parece uma campanha ruim de RPG e mostra que, no fim das contas, esses mistérios do passado eram muito melhores em lendas e canções do que no formato de minissérie.

Com um roteiro que aglutina todos os clichês possíveis, a promessa de expandir o universo de The Witcher se revela uma viagem bastante previsível e pobre que não empolga e ainda expõe as fragilidades da adaptação da Netflix.

Uma campanha pobre de RPG

Para ser bem honesto, o mundo de The Witcher nunca foi a coisa mais original do mundo. O grande mérito da saga — seja nos livros, nos jogos e até mesmo na série — é como ela consegue costurar todo esse imaginário fantástico medieval com lendas e contos clássicos e dar a essa salada um tom ácido que torna tudo muito interessante.

O episódio da Bela e a Fera na segunda temporada ou a missão do Barão Sangrento no game são belos exemplos de como o charme da franquia é partir do óbvio para surpreender o público — uma característica da qual A Origem abre mão completamente.

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Tudo na história desses sete guerreiros que se unem para derrubar um império é o mais clichê possível a ponto de você saber muito bem o que vai acontecer, como cada personagem vai se comportar e cada tentativa de virada de roteiro. Tudo é previsível pois não há o menor esforço para que essa trama seja minimamente criativa.

Heróis de clãs rivais que se odeiam, mas precisam forjar uma aliança improvável. Mais clichê, impossível (Imagem: Divulgação/Netflix)
Heróis de clãs rivais que se odeiam, mas precisam forjar uma aliança improvável. Mais clichê, impossível (Imagem: Divulgação/Netflix)

É como aquela partida de RPG preguiçosa que você joga com um mestre inexperiente. Heróis renegados? Tem. Parcerias improváveis? Tem. Um romance inesperado? Óbvio. Profecias repentinas? Mas é claro. Visões no meio de uma floresta? Pode ter certeza que sim.

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Tudo é tão genérico em The Witcher: A Origem que é difícil se apegar a qualquer um dos personagens. A dupla de protagonistas Éile (Sophia Brown) e Fjall (Laurence O’Fourain) até tentam entregar um pouco de personalidade, mas a história dessa dupla é tão batida que se torna difícil comprar os dilemas de cada um deles. Até mesmo Michelle Yeoh é subutilizada por aqui, sendo limitada a ser a elfa oriental que luta kung-fu e vende filosofia barata.

E isso tudo é muito triste, pois era a chance da Netflix emplacar novos protagonistas para a franquia e não depender tanto de Geralt, ainda mais agora que o herói da série principal vai mudar de intérprete. Porém, a tentativa de apresentar novos rostos tropeça em um roteiro bastante pueril. Se me falassem que todos os episódios foram escritos por uma inteligência artificial, eu acreditaria.

Totalmente no modo "pagando boleto", Michelle Yeoh vive a estereotipada personagem oriental enigmáticas mestre das artes marciais (Imagem: Divulgação/Netflix)
Totalmente no modo "pagando boleto", Michelle Yeoh vive a estereotipada personagem oriental enigmáticas mestre das artes marciais (Imagem: Divulgação/Netflix)

A coisa é tão amadora que há aqueles personagens do núcleo central que mal têm uma personalidade. “Heróis” como Zacaré (Lizzie Annis) e Irmão Morte (Huw Novelli) são apenas traços de personalidade que não são aproveitados e que, no fim das contas, existem apenas para fazer volume neste grupo.

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Mais grave ainda é o quanto o roteiro simplesmente joga algumas coisas. Um dos membros dessa infame comitiva, Syndrill (Zach Wyatt), começa a série preso na sede do império e, sem mais nem menos, aparece do outro lado do mundo como se nada tivesse acontecido. Como? Ele diz que fugiu e tudo fica por isso mesmo.

É o tipo de coisa que apenas mostra o quanto The Witcher: A Origem é apenas bobo. E isso fica mais evidente quando ele tenta incorporar alguma seriedade ao colocar uma trama de intrigas palacianas à la Game of Thrones, mas só é infantil. São poucas as coisas que realmente funcionam e mostram que, na verdade, revelar esses mistérios do passado pode não ter sido uma boa ideia.

Bolsos vazios

Só que não é só no roteiro que The Witcher: A Origem deixa a desejar. A parte técnica também é uma de suas fragilidades mais evidentes. E nem falo apenas do baixo orçamento, que gera alguns efeitos um tanto quanto vergonhosos, como o céu de Nintendo 64 que aparece em alguns momentos. A minissérie é limitada até em sua direção.

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Paisagens naturais da série são muito boas e contrastam com o error que são os efeitos digitais (Imagem: Divulgação/Netflix)
Paisagens naturais da série são muito boas e contrastam com o error que são os efeitos digitais (Imagem: Divulgação/Netflix)

A produção parece ter dificuldade de montar essa história que quer contar e esbarra em algumas questões básicas que ficam evidentes já ao primeiro olhar. Na montagem, a passagem de tempo de certos eventos é truncada e até mesmo o modo como fatos isolados se espalham por todo o império como se fossem fatos conhecidos é confuso.

Na direção, A Origem parece não ter certeza do que quer mostrar. Em um dos episódios, a imperatriz Merwyn (Mirren Mack) deixa o palácio para ver a miséria do seu povo nas ruas. E o que a câmera faz? Não mostra nada disso, preferindo fechar a imagem no rosto dela e não dizendo nada com isso.

Parte disso pode ser explicado por uma economia no orçamento. Afinal, para criar essa imagem de multidão miserável, é preciso contratar figurantes para darem forma a essa imagem — e fica claro o quanto a Netflix segurou os bolsos por aqui. Tanto que não há escala em nenhum dos eventos “grandiosos” que são narrados. Do exército de 20 pessoas para derrubar um império à rebelião com 30 pessoas nas ruas, tudo aqui é diminuto e sem impacto.

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Série sofre com uma direção muito fraca que não consegue nem mesmo dar volume às multidões (Imagem: Divulgação/Netflix)
Série sofre com uma direção muito fraca que não consegue nem mesmo dar volume às multidões (Imagem: Divulgação/Netflix)

O ponto é que a série não precisava encher os sets de filmagem com centenas de pessoas para isso, apenas ter uma direção competente que desse a impressão de multidão que esses momentos precisavam. Contudo, o pessoal por trás das câmeras parece não ser muito familiarizado com esses truques cinematográficos e acaba preso a esses vazios que apenas deixam a ação muito mais pobre.

O que se salva?

Apesar de pouca coisa se sustentar em The Witcher: A Origem, há alguns pontos que se revelam interessantes em meio a esse cenário de terra arrasada que a minissérie deixa. E boa parte dela está em torno da própria premissa básica, ou seja, as ligações que a história faz com o seriado principal.

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Mesmo que a resolução final não seja lá essas coisas, o enredo fica um pouco mais atraente à medida que a Conjunção das Esferas e a criação dos bruxos passam a se desenhar na trama.

Algumas das soluções encontradas para isso são bobas? Sim, mas basta o vislumbre dessa conexão da história com o que a gente conhece de The Witcher para nos fazer continuar ao longo desses quatro episódios. Como dito, é a promessa de enriquecer e expandir esse mundo que chama a atenção por aqui.

A Origem se sustenta apenas quando faz ligações com The Witcher — e, nesse caso, o mérito é muito mais da série principal do que do prequel (Imagem: Divulgação/Netflix)
A Origem se sustenta apenas quando faz ligações com The Witcher — e, nesse caso, o mérito é muito mais da série principal do que do prequel (Imagem: Divulgação/Netflix)

Ao mesmo tempo, todos os tropeços de A Origem pode também ser uma ferida para a franquia como um todo — ainda mais em um momento tão delicado de bastidores. A minissérie chega cheia de problemas pouco tempo depois de os fãs de fantasia mergulharem em mundos muitos mais ricos e em roteiros muito melhor trabalhados.

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Sob a sombra de A Casa do Dragão e até de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, o amontoado de clichês e a trama previsível e óbvia faz de The Witcher: A Origem uma obra simplória e boba — uma impressão que pode contaminar até mesmo a série principal. As comparações entre os universos são inevitáveis, assim como a sua execução.

Com a terceira temporada de The Witcher batendo à porta, é difícil não ficar preocupado com o futuro diante do que esse prequel apresentou. Pode ser apenas um ponto fora da curva, algo a ser esquecido. Porém, também pode ser um presságio do quanto a aposta da Netflix se perdeu.

The Witcher: A Origem está disponível na Netflix.