Não se enganem: vocês não trocarão o WhatsApp pelo Telegram ou Signal tão cedo
Por Rui Maciel |
Em janeiro deste ano, o WhatsApp anunciou novas regras de uso e da política de privacidade de seu aplicativo. Segundo seus administradores, as mudanças seriam simples ajustes em seus termos, mas a coisa não era bem assim: isso porque o novo regramento culmina em um maior compartilhamento de dados entre o mensageiro e o Facebook, seu controlador.
No entanto, essas mudanças mal explicadas não foram bem digeridas entre os usuários do app, que resolveram olhar com mais carinho para os rivais. Segundo números do jornal inglês The Guardian, nas três primeiras semanas de janeiro, o Telegram ganhou 25 milhões de usuários globalmente. E o ascendente Signal, outros 7,5 milhões. Enquanto isso, o WhatsApp despencava no ranking de aplicativos mais baixados.
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O êxodo assustou o Facebook. A empresa foi forçada a atrasar a implementação das novas regras do WhatsApp para maio deste ano - antes, elas estavam programadas para entrar em vigor no dia 08 de fevereiro. E, além disso, a companhia de Mark Zuckerberg se viu obrigada a colocar no ar uma campanha que explica melhor aos usuários as alterações que estão sendo feitas.
E, ao que tudo indica, a estratégia do Facebook surtiu efeito. E, de quebra, serviu para constatarmos algo: vocês não vão trocar o WhatsApp pelo Telegram, Signal (ou outros mensageiros) tão cedo.
WhatsApp segue firme e forte
Para chegarmos a essa afirmação, o Canaltech entrou em contato com a App Annie, plataforma que faz a análise de performance de aplicativos no mercado mobile. Nós pedimos à empresa dados de perfomance do WhatsApp, Telegram e Signal entre os meses de janeiro (quando foram anunciadas mudanças nas regras) e abril (pouco antes das novas regras entrarem em vigor) deste ano. E o que se viu logo abaixo mostra que o mensageiro, apesar das derrapadas, segue firme e forte (para Android e iOS).
No ranking do App Annie, mas precisamente na categoria de aplicativos que não são games (Non-gaming Apps), o WhatsApp foi o quinto app mais baixado no mundo em janeiro, quando a polêmica sobre as novas regras começou. No entanto, o mensageiro se recuperou nos meses seguintes, ficando em quarto lugar no número de downloads.
Já o Telegram foi o que melhor aproveitou a polêmica do rival e chegou a ser o app mais baixado do mundo em janeiro (entre aqueles que não são games, sempre bom lembrar). No entanto, a partir de fevereiro, o mensageiro criado pelo russo Pavel Durov sofreu uma queda, indo de 5º (em fevereiro) a 8º (em abril), o que indica que boa parte dos revoltados com o Zap pode ter "perdoado" o aplicativo.
Mas a queda mais brusca aconteceu com o Signal, que tem como principal chamariz seus recursos de privacidade. O mensageiro chegou a surfar no auge da crise do WhatsApp em janeiro, sendo o sexto app mais baixado do mundo. No entanto, logo caiu no esquecimento, ficando com na 53º posição em fevereiro, 158º em março e na assustadora 225º posição em abril.
Apps "não-games" mais baixados | Jan 2021 | Feb 2021 | Mar 2021 | April 2021 |
WhatsApp Messenger | #5 | #4 | #4 | #4 |
Telegram | #1 | #5 | #6 | #8 |
Signal | #6 | #53 | #158 | #225 |
O App Annie também forneceu a relação dos apps sociais (Social Apps) mais baixados entre janeiro e abril deste ano e a performance dos três mensageiros foi semelhante à categoria anterior: o WhatsApp perdeu uma posição, mas logo se recuperou; o Telegram teve seu auge em janeiro, mas logo perdeu colocações no ranking. E o Signal mostrou, mais uma vez, que era fogo de palha:
Apps sociais | Jan 2021 | Feb 2021 | Mar 2021 | April 2021 |
WhatsApp Messenger | #5 | #4 | #4 | #4 |
Telegram | #1 | #5 | #5 | #7 |
Signal | #6 | #21 | #34 | #43 |
Por fim, o App Annie também divulgou o ranking de usuários ativos mensais (MAU, na sigla em inglês) dos três mensageiros. Esse indicador se refere ao número de usuários únicos que interagiram com os aplicativos em um mês e é nele que o WhatsApp mostrou a sua força: ele permaneceu na segunda colocação nos quatro meses avaliados, mesmo quando a polêmica das novas regras estava em fervura máxima. E mesmo após ter sido o mensageiro mais baixado em janeiro, o Telegram se manteve na quinta colocação entre os usuários ativos durante os quatro meses.
E o Signal? Bom, o Signal mais uma vez despencou, ainda que não tão bruscamente: ele foi o 14º app com mais usuários ativos em janeiro, mas foi caindo de produção mês após mês, ficando na 21º colocação em abril.
Usuários ativos mensais | Jan 2021 | Feb 2021 | Mar 2021 | April 2021 |
WhatsApp Messenger | #2 | #2 | #2 | #2 |
Telegram | #5 | #5 | #5 | #5 |
Signal | #14 | #15 | #19 | #21 |
E por que o WhatsApp não perderá o reinado tão cedo?
Vários pontos contam a favor do WhatsApp e que justificam os números citados acima na hora de prever por que ele não deve perder o reinado tão cedo entre os mensageiros. Vamos a alguns deles:
Simplicidade
É consenso que o WhatsApp é absurdamente fácil de manusear, com quase todos os seus recursos sendo acessados a um ou dois cliques de distância. Mesmo quem não tem muita familiaridade com Tecnologia - ou seja, boa parte da população - consegue dominar suas funções em pouco tempo.
Em outras palavras, a sua mãe pode não saber acessar o Netflix, o seu avô nunca abriu o Spotify e aquele seu tio rabugento é avesso a qualquer tipo de tecnologia. Mas uma coisa eles têm em comum: todos sabem usar o WhatsApp.
E é essa simplicidade que nos leva ao ponto dois...
Timing
É fato que o Telegram tem mais recursos e o WeChat seja o conceito de super app que o WhatsApp, talvez, nunca vá alcançar. Mas o "Zap" pode dedicar parte do seu sucesso a um fator que podemos considerar metzo competência, metzo sorte: timing.
Afinal, o aplicativo foi lançado bem na época do boom dos smartphones (2009), puxado primeiro pelo iPhone e, logo, depois, pelo Android. Junte isso ao fato dele ser o primeiro messenger mobile realmente fácil de manusear e temos uma receita certeira de sucesso, que permitiu ao WhatsApp ter mais de dois bilhões de usuários ativos mundo afora.
E é essa gigantesca base que nos leva ao ponto três...
A zona de conforto do usuário
Talvez esse seja o principal fator que fará com que o reinado do WhatsApp seja duradouro. Quando você pergunta por que a esmagadora maioria das pessoas não troca o "Zap" pelo Telegram, Signal ou qualquer outro messenger, elas respondem quase sempre a mesma coisa: "É porque todo mundo está lá".
Você pode até explicar, por exemplo, que o Telegram tem mais recursos ou que ele é mais seguro. Mas, na cabeça de boa parte dos usuários, mudar de um messenger para outro tem outras implicações. Isso significa gastar tempo aprendendo a manuseá-lo, correr o risco de perder o backup de suas conversas e arquivos multimídia, descobrir novos recursos, realocar todos os seus contatos, convencer outras pessoas a trocar de mensageiro, entre outras chateações.
Isso pode parecer simples para quem é mais familiarizado e gosta de testar novas tecnologias - o que não é pouca gente, claro. Mas para o usuário médio - ou seja, a esmagadora maioria das pessoas - abandonar o WhatsApp significa gastar um tempo que eles não querem. Para que abandonar um messenger que já funciona muito bem no dia a dia e entrega (quase) tudo o que eles precisam? Ou seja, não vale a pena.
Portanto, quando aquele seu amigo ou colega de trabalho disser que ele é "Telegram Futebol Clube" e que todos os amigos dele estão lá, não se engane: esse grupo é parte de um nicho que não representa uma massa crítica grande o suficiente para ameaçar o WhatsApp. Pelo menos por enquanto.
E o WhatsApp pode ter um êxodo de usuários com as novas regras em vigor?
É difícil prever. Se por um lado o Facebook se comunicou muito mal com o público na hora de obrigá-lo a adotar as novas políticas de uso do WhatsApp, por outro, a maioria das pessoas tende a perdoar os pecados da empresa de Mark Zuckerberg com certa facilidade. E isso inclui as questões de privacidade.
Na verdade, vamos ser sinceros: pouca gente se importa, de verdade, com a sua privacidade online. Um bom exemplo disso está no próprio Facebook. A empresa de Mark Zuckerberg foi apedrejada pelo mundo (e por governos) por causa do escândalo da Cambridge Analytica em 2018 - e de uma forma que poucas companhias sobreviveriam. Mas, alguns meses depois, no próprio Facebook, lá estavam esses mesmos usuários que criticaram a rede social baixando aplicativos brincalhões que os deixavam mais velhos ou mais novos...e que coletam uma infinidade de dados sem o menor conhecimento de quem os utiliza. De novo.
Além disso, o fato é que, para a maioria dos usuários, os benefícios que o WhatsApp, o Instagram e o próprio Facebook trazem compensam eventuais riscos à privacidade. Até porque, nesse assunto, muitos seguem a linha "se eu não devo, eu não temo". Enfim, uma questão de escolha.
Por fim, agora que as novas regras de privacidade do "Zap" entraram em vigor no último dia 15 de maio - e que trará uma série de limitações no mensageiro para quem não aderir a elas - vamos ver como o público vai reagir: ele pode abandonar o app e migrar em massa para alternativas como o Telegram. Ou todos podem ficar quentinhos na sua zona de conforto.
Eu aposto na segunda opção...e você?
Com informações do The Guardian