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Crítica O Homem Mais Odiado da Internet | Um bully e as pessoas que o derrubaram

Por| Editado por Jones Oliveira | 01 de Agosto de 2022 às 21h20

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Divulgação/Netflix
Divulgação/Netflix

Chamar Hunter Moore de O Homem Mais Odiado da Internet é pouco para definir a personalidade exercrável que mudou a internet para pior no início dos anos 2010. A história do site Is Anyone Up?, por dois anos uma central virtual de pornô de vingança antes mesmo desse termo existir, é também uma trama sobre a ascensão dos smartphones e das personalidades digitais, novamente, com o que há de mais escabroso sendo disponibilizado na internet.

A minissérie documental da Netflix, com três episódios, é também um relato sobre um momento que parece tão próximo de nós, não apenas em termos de distância temporal, mas também em temática. Em uma rede atual na qual as políticas de moderação estão longe das adequadas e que o discurso de ódio impera, a sensação que fica é que a onda de pornografia e humilhação exibida nos capítulos não apenas manteve o seu tema como, também, ganhou novos assuntos.

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Prova disso é que, apesar de o cerne do bullying de Moore e sua autoproclamada família acontecer em seu próprio site, a ascensão das redes sociais se provaram uma gasolina das mais aditivadas para esse motor. Algo que só tornou as coisas mais difíceis de serem contidas e, principalmente, bem mais perigosas quando as barreiras do virtual são transpostas para o real.

Atenção: esta crítica e o documentário de que ela trata podem conter gatilhos relacionados a suicídio, estupro, bullying, assédio sexual e violência. Caso você esteja precisando de ajuda, entre em contato com o CVV pelo telefone 188 ou busque centros de apoio em sua cidade.

“Arruinador profissional de vidas”

O Homem Mais Odiado da Internet nos convida a ver de perto os efeitos que o Is Anyone Up? teve sobre as centenas de pessoas, principalmente mulheres, que foram retratadas nas páginas que permaneceram no ar durante cerca de dois anos. O site que surgiu como um testamento sobre a subcultura “scene”, próxima do emo mas com alguns toques mais extremos do punk, logo se transformou em um palco público para humilhação e destruição completa das vidas não apenas dos retratados, mas também de suas famílias, cônjuges e todo mundo que está em volta.

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Ao mesmo tempo em que é cuidadosa no tratamento das vítimas e de suas histórias, a minissérie documental também não poupa palavras para mostrar as intenções de Moore. Comentários jocosos sobre traumas causados pela publicação de imagens íntimas sem consentimento, a expectativa de atentados contra a própria vida por parte das retratadas e incentivo a violência física e perseguição estavam entre os elementos constantes publicados a todos no Is Anyone Up?

Tais elementos, porém, são colocados em rota de colisão com os relatos daqueles que se posicionaram contra essa onda, da qual até mesmo a grande mídia parecia se beneficiar. Entre programas vespertinos da TV americana que pareciam buscar audiência na indignação, sem fazer nada a respeito, a minissérie é, no final das contas, sobre aqueles que se colocaram a si mesmos diante do fogo para parar alguém que se honrava de ser taxado como destruidor de vidas e reputações.

Os relatos mostram, também, um ambiente jurídico e social em que, se não fossem tais ações, absolutamente tudo o que foi feito por ele sairia impune, na maior das revoltas proporcionadas pelo documentário. Como dito, estamos falando de um tempo próximo de nós, mas também de uma época em que as leis americanas não falavam sobre pornografia de vingança — é assim até hoje, inclusive, sem legislações federais para defender as vítimas, ainda que normas estaduais façam isso.

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É também um momento de ascensão das redes sociais, em que se acreditava que a responsabilidade pelo conteúdo postado não era dos sites, mas sim, de quem publicava. Como exibia a mensagem de agradecimento do Is Anyone Up?, a maldade era feita por aqueles que subiam imagens e publicavam informações pessoais no site e não pelo próprio Moore, que fazia dinheiro e ganhava fama a partir disso. Uma ausência de responsabilização e empatia que, inclusive, acompanha a figura até o final da minissérie.

São sagas como a de Charlotte Laws, mãe de uma das vítimas de pornô de vingança no site de Moore, ou de James McGibney, que viu sua própria família ser ameaçada após, nas palavras dele mesmo, vencer Moore intelectualmente, que modificaram o cenário e viraram o jogo em prol dos mocinhos. Ao mesmo tempo, e principalmente quando se compara a situação vista na tela com a realidade brasileira, são demonstrações de que muito pouco mudou de verdade.

O primeiro elo de uma corrente que fica de fora

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O cuidado com a história a ser narrada, vista sempre pelo lado certo e com amplo espaço para as vítimas, soa como um dos principais pontos de O Homem Mais Odiado da Internet. O próprio Moore desistiu de participar da minissérie documental e dar sua versão, contribuindo ainda mais para o retrato de alguém execrável e sem remorso que os três episódios conseguem montar sem muito esforço, apenas pela reprodução de postagens nas redes sociais e imagens de arquivo.

É até bom que ele não tenha espaço para tentar criar um mea culpa ou justificar atos que, como ele próprio deixou claro inúmeras vezes, não tem justifica alguma a não ser o ganho financeiro e as risadas cínicas em cima da desgraça alheia. Em um produto jornalístico, a participação do outro lado chega a fazer falta, mas não é como se Moore não tivesse seu espaço, ainda que falando diretamente de um passado onde acreditava ser o dono do mundo.

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Entretanto, chega a ser um tanto incômodo notar que um elemento fundamental dessa roda de maldade é deixado de lado. Ainda que a ruína do Is Anyone Up? estivesse no fato de parte importante do material do site ser fruto de invasões a e-mails e contas pessoais nas redes sociais, outra porção significativa era hospedada lá por ex-namorados vingativos e inimigos nem sempre declarados, mas cujo desejo de destruição acabava amplificado pela figura do próprio Moore.

Esse aspecto é deixado de lado durante praticamente toda a duração da minissérie, com exceção de um curto trecho quase no final do segundo capítulo, rechaçado com um tratamento cínico dado pelo próprio Homem Mais Odiado da Internet. Considerando que, até hoje, o pornô de vingança é um problema constante e, também, um motor constante de ódio e vexame social, era de se esperar um tratamento mais profundo sobre essa questão.

O mesmo também vale para o foco dado na invasão de contas que levou à investigação do FBI e ao fim da fama de Moore. Assim como em O Golpista do Tinder, da mesma produtora, a ideia é que os ataques seja demonstrados de forma clara e simples, mas com pouca o quase nenhuma intenção de educar o espectador ou demonstrar como as vítimas e quem assiste podem evitar golpes assim.

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Novamente, um possível caráter educativo em relação a golpes de engenharia social que acontecem até os dias de hoje é deixado de lado, em prol da ação em si e, também dos comentários jocosos do próprio Moore sobre o uso de smartphones com câmera e o envio de fotos íntimas. Ainda que todo o tema seja o confronto, a culpabilização das vítimas não recebe tanta oposição quanto deveria, assim como a orientação sobre cibersegurança, que poderia encontrar neste produto massificado mais um bom espaço.

Os elementos faltantes ou fora do lugar, já mencionados, chamam ainda mais atenção quando notamos que uma personagem, em específico, soa perdida e deslocada em meio à história. Seu posicionamento ao lado de Moore durante todos os eventos não é deixado claro, a ponto de o espectador chegar até mesmo a esquecer de sua influência até que ela volta a aparecer em uma tentativa de redimir a si mesma, sem que suas contribuições para a trama de maldade, a isenção que cita como seu maior arrependimento ou até mesmo o caráter de sua participação não sejam bem explicados.

Neste momento, a impressão que fica é de um descompasso entre a trama contada e o formato escolhido. A produtora tenta repetir a objetividade e a trama em crescente de documentários como O Golpista do Tinder e Don't F**k with Cats: Uma Caçada Online, aproveitando uma maior duração para se debruçar sobre uma história multifacetada. Sem o tempo mais limitado do primeiro e a história que vai se transformando do segundo título, porém, alguns elementos parecem fora de esquadro.

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Vale a pena assistir O Homem Mais Odiado do Mundo?

A minissérie documental da Netflix é um retrato de um tempo que soa distante, mas é desconfortavelmente próximo de nós. O Is Anyone Up? acabou, assim como a fama de Hunter Moore, mas os reflexos de uma cultura de bullying e difamação pública seguem mais vivos do que nunca. A gênese do uso de smartphones e das webcelebridades vista nos capítulos está solidificada, assim como os comportamentos de 10 anos atrás.

Ainda que tenha alguns elementos fora do compasso, O Homem Mais Odiado da Internet é, acima de tudo, a história daqueles que tentaram mudar as coisas, colocando a si próprios na linha de frente. Laws, McGibney e o grupo hacktivista Anonymous são marcos na luta contra o bullying e responsáveis pelo começo de um movimento que ainda está em seus estágios iniciais, 10 anos depois.

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A conclusão mais aterradora da obra, no final, acaba sendo a visão do quão pouco evoluímos nesse meio tempo. As figuras citadas mostram que ainda há espaço para luta e responsabilização dos vilões da internet, mas os eventos do documentário também mostram que, muitas vezes, essa retribuição pode passar muito longe do impacto causado pelas ações que a motivaram.

O Homem Mais Odiado da Internet foi lançado na Netflix em 27 de julho. A minissérie de três episódios tem produção de Alex Marengo (Bandidos na TV) e Adam Hawkins (Três Estranhos Idênticos), com direção de Rob Miller (The Trial of Ratko Mladic).