Vacinas contra covid-19 não têm relação com a Aids; entenda
Por Fidel Forato | Editado por Luciana Zaramela | 25 de Outubro de 2021 às 10h50
Até o momento, não existe nenhuma evidência científica que confirme que qualquer vacina adotada contra a covid-19 possa ser responsável por casos de Aids — doença causada pelo HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana). Além disso, é consenso de que o imunizante contra o coronavírus SARS-CoV-2 não pode favorecer casos de infecção pelo vírus que é transmitido, principalmente, em relações sexuais desprotegidas.
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"Não se conhece nenhuma relação entre qualquer vacina contra a covid-19 e o desenvolvimento de síndrome da imunodeficiência adquirida [Aids]", afirma a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), em nota. Além disso, "repudiamos toda e qualquer notícia falsa que circule e faça menção a esta associação inexistente".
Em conversa com o Canaltech, a infectologista Patrícia Rady Müller, da Casa da Pesquisa — vinculada ao Centro de Referência e Treinamento (CRT) de São Paulo DST/AIDS —, pontuou que a informação é falsa e que não existem estudos científicos e nem relatórios apontando para a questão.
Aliás, a SBI lembra que pessoas que vivem com o HIV devem ser vacinadas contra a covid-19. Além disso, "destacamos inclusive a liberação da dose de reforço (terceira dose) para todos que receberam a segunda dose há mais de 28 dias". Isso porque este grupo de indivíduos também carrega uma doença imunossupressora.
De onde surgiu o boato da Aids e a vacina contra a covid?
Se não existem estudos que confirmem a relação entre as vacinas contra a covid-19 e casos de Aids, o boato deve ter surgido, muito provavelmente, da incompreensão de alguma publicação científica. Nessa falsa assimilação, a história toda pode ter surgido de um comunicado, divulgado na revista científica The Lancet, em outubro de 2020.
No texto, quatro pesquisadores alertam sobre a necessidade de testes extras de segurança nas vacinas contra a covid-19 que usam um vetor viral específico, no caso o adenovírus de número 5 (Ad5). Entre eles, está Lawrence Corey, do Centro de Pesquisas do Câncer Fred Hutchinson, nos Estados Unidos.
Inclusive, a dúvida já foi levantada pelo órgão regulador de produtos de saúde da África do Sul (SAHPRA). "O uso da vacina Sputnik V na África do Sul, um cenário de alta prevalência e incidência de HIV, pode aumentar o risco de homens vacinados adquirirem o HIV", afirmaram os agentes sul-africanos de saúde.
E agora? Qual foi o alerta dos pesquisadores?
No comunicado da revista The Lancet, os pesquisadores lembram que o estudo de uma potencial vacina contra o HIV foi descontinuado, após se observar que pessoas que foram imunizadas apresentaram maior risco de infecção pelo vírus da Aids. Em outras palavras, o experimento demostrou que a fórmula causava a reação oposta do que era esperado.
Para imunizar, esta vacina experimental — que nunca foi aprovada pelas agências regulatórias — usava um adenovírus tipo 5 e incluiu nele, através de edição genética, fragmentos do HIV. Nesse caso, o Ad5 era uma espécie de Cavalo de Troia (meio de transporte) que levava o material genético do vírus da Aids para dentro das células.
"O lançamento de uma vacina eficaz contra o coronavírus SARS-CoV-2 em todo o mundo pode ser dado a populações em risco de infecção pelo HIV, o que pode aumentar potencialmente o risco de aquisição do HIV-1. Esta importante consideração de segurança deve ser completamente avaliada antes do desenvolvimento de vacinas Ad5 para SARS-CoV-2, e os documentos de consentimento informado sobre esses riscos potenciais devem refletir a literatura considerável sobre aquisição de HIV-1 com vetores Ad5", destacaram os pesquisadores, no texto.
No entanto, Müller faz apontamentos importantes. "De acordo com publicação, a presença do adenovírus 5 pode ter facilitado a aquisição do HIV em pessoas muito vulneráveis em um estudo de vacina contra HIV, que usou esse adenovírus como vetor. Essa vacina contemplava o adenovírus 5 como transportador de partículas do vírus do HIV", explica.
No entanto, "esse fato ocorreu em homens que realizavam sexo anal com pessoas com HIV ou que não sabiam se tinham HIV", explica a médica sobre a situação dos grupos bastante específicos envolvidos no estudo. Além disso, eles não adotavam o uso de preservativo, conforme mencionado no texto.
Vacinas contra covid-19 e os adenovírus
No Brasil, a agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou apenas duas vacinas contra a covid-19 que usam um vetor viral. Por exemplo, a fórmula da Janssen (Johnson & Johnson) adota o adenovírus 26 (Ad26) — em humanos, costuma causar um resfriado comum — para imunizar contra o coronavírus SARS-CoV-2. Enquanto isso, a Covishield — fórmula desenvolvida pela farmacêutica AstraZeneca e pela Universidade de Oxford — usa um vírus capaz de causar resfriado em chimpanzés, o adenovírus ChAdOx1.
Diferente dessas duas vacinas aprovadas pela Anvisa, está a Sputnik V, do Instituto Gamaleya, que adota não só o Ad26, mas também o Ad5. Além desta fórmula, está a Convidecia, da farmacêutica CanSino, que também utiliza o Ad5. No entanto, os imunizantes foram desenvolvidos contra a covid-19 e, por isso, não devem carregar nenhum elemento que favoreça infecções pelo HIV, como os imunizantes que um dia foram testados contra a Aids.
"Em relação à vacina contra a covid-19 que tem o adenovírus 5 (Sputinik V) na sua composição, não há até a presente data dados científicos que respaldem a afirmação de que os usuários teriam mais facilidade de se infectarem pelo vírus do HIV. Essa vacina tem o adenovírus na sua composição, mas não tem partículas do vírus do HIV", reforça a infectologista Müller. "Essa vacina [contra a covid-19] tem uma plataforma muito diferente da vacina contra HIV que tinha esse adenovírus na composição", completa
Posicionamento do Instituto Gamaleya
Após a série de questionamentos de países do continente africano — como a África do Sul e a Namíbia — sobre a suposta relação, o Instituto Gamaleya também explica que a associação é infundada, de acordo com a agência de notícias Reuters. “Essas especulações imprecisas, que foram refutadas, referem-se a testes clínicos mal-sucedidos de outra vacina contra o HIV [feitos] por outro fabricante que simplesmente não parecia eficaz o suficiente”, argumenta.
Em comum, a vacina Sputnik V e a vacina contra o HIV descontinuada usam apenas um mesmo vetor de transporte, o Ad5. No entanto, esse adenovírus é modificado para carregar a informação genética do agente infeccioso contra o qual se deseja imunizar. Por exemplo, o Instituto Gamaleya adotou proteínas do coronavírus, o que inibe possíveis relações com o HIV.
Nesse ponto, o Instituto lembra que os adenovírus, incluindo o Ad5, é uma das causas mais frequentes da gripe comum. Por outro lado, "não há evidências de aumento do risco de infecção pelo HIV entre a população humana após (o) resfriado comum", argumenta. Com isso, justificam o argumento de que o adenovírus é apenas o meio de transporte.
Além disso, o Instituto Gamaleya afirma que realizou uma meta-análise — onde seis estudos clínicos foram incluídos e que somava mais de sete mil participantes — e não identificou um aumento estatisticamente significativo da infecção pelo HIV entre os imunizados.
Para acessar o comunicado dos pesquisadores sobre os supostos riscos do Ad5 na vacina contra o HIV, clique aqui.
Fonte: Com informações: Reuters