Sedativos usados em pena de morte podem ajudar pacientes de COVID-19 nas UTIs
Por Fidel Forato |
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Na busca por medicamentos que podem ser adaptados — já que geralmente são utilizados para uma doença diferente daquela que motivou o seu desenvolvimento — para o tratamento de casos do novo coronavírus (SARS-CoV-2), médicos norte-americanos estão usando drogas iguais ou similares às que o sistema prisional dos Estados Unidos utiliza na execução de criminosos condenados à pena de morte.
Diferente do que, automaticamente, poderíamos pensar, de que são remédios para acelerar a morte dos pacientes com casos graves da COVID-19, as drogas usadas pelos médicos são aquelas aplicadas antes da injeção letal, ou seja, são os sedativos que podem aliviar a dor de portadores do coronavírus em determinados procedimentos nas unidades de terapia intensiva (UTIs).
Afinal, mesmo que na maioria das pessoas o coronavírus só cause sintomas leves ou moderados, como febre e tosse, que desaparecem em duas a três semanas, em alguns pacientes, a infecção pode causar quadros graves e que exigem internação, além de trazer dores musculares e de cabeça que beiram o insuportável.
Entenda o uso
Também utilizados antes da execução, esses medicamentos sedativos facilitam a instalação dos suportes ventilatórios mecânicos (os respiradores mecânicos) e, por isso mesmo, podem ajudar a salvar vidas de pacientes com insuficiência respiratória aguda. Entre os medicamentos usados tanto nos centros de detenção quanto nos hospitais estão o midazolam, o brometo de vecurônio [uma das drogas presentes na anestesia geral] e o opioide fentanil.
Segundo Joel Zivot, médico e professor de anestesiologia da Universidade Emory, em Atlanta, colocar um paciente em um ventilador mecânico "sem drogas... seria tortura". No entanto, esses medicamentos estão em falta, porque a demanda aumentou 73% em março, nos Estados Unidos.
Por isso, no início deste mês, um grupo de autoridades e especialistas em saúde pública e médicos intensivistas escreveu uma carta aberta aos funcionários das instituições penitenciárias estaduais, onde a pena de morte é legal e injeções letais fazem parte do protocolo. O pedido é para que esses medicamentos sedativos fossem liberados para os hospitais que atuam no tratamento de pacientes com COVID-19.
“Seu estoque poderia salvar a vida de centenas de pessoas; embora isso possa ser uma pequena fração do total de mortes previstas, é uma diretiva ética central que a medicina valorize toda vida”, o grupo de especialistas escreve na carta. Só que o sigilo e o tabu em torno das execuções está dificultando os esforços desses profissionais em obter os medicamentos.
Disputa pelos sedativos
Mesmo com a solicitação vinda da comunidade médica norte-americana para pacientes com casos graves da COVID-19, a maioria dos estados que permitem a pena de morte não compartilhou nenhuma informação sobre seus estoques de sedativos. Apenas um estado no oeste do país, o Wyoming, respondeu diretamente à carta e indicou que não tem os medicamentos em questão.
Um dos motivos por trás dessa negativa pode estar no fato de que muitas farmacêuticas, hoje, estejam relutantes em fornecer medicamentos para execuções de criminosos. Além disso, essas empresas alertam, há muito tempo, que o uso desses medicamentos pelo sistema carcerário poderia resultar em uma situação de escassez para as clínicas e hospitais.
Recentemente, os estados norte-americanos tendem a divulgar informações sobre protocolos de execução e suprimentos de medicamentos somente após ações judiciais. Mesmo assim, registros públicos, que oferecem informações limitadas sobre os estoques de execução, indicam que Flórida, Nevada e Tennessee têm pelo menos remédios suficientes para o tratamento de 137 pacientes, segundo Hill.
"Não estou tentando comentar sobre a correção ou a injustiça da pena de morte", defende Zivot, que ainda esclarece que a ação se trata apenas de levar um pouco de conforto para os pacientes graves que sofrem de COVID-19.
No Brasil
Tais medicamentos também são comercializados no Brasil e utilizados em processos pré e pós-operatórios, ou prescritos com receita especial, que deve ficar retida em farmácia. É o caso do midazolam, benzodiazepínico muito comum em clínicas e hospitais. Usado para aliviar a dor, o fentanil também faz parte da farmácia brasileira, sendo um opioide de ação rápida usado em injeções de anestésicos e que tem um potencial de letalidade por overdose bem considerável. Já o brometo de vecurônio é utilizado apenas em ambiente hospitalar, como adjuvante de anestesia geral. Todas essas drogas são reguladas pela Anvisa e necessitam de controle especial.