Experimento dá errado e mostra que ainda não é hora de editar embriões humanos
Por Fidel Forato |
Com o que a ciência sabe hoje, é possível editar geneticamente embriões? Não. E foi, exatamente, essa dúvida que moveu uma equipe de cientistas do Reino Unido a usarem a técnica de edição de genes CRISPR para criar embriões humanos geneticamente modificados. Como esperado (ou não), os resultados da pesquisa não aponta para um futuro com bebês editados.
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Liderado pela bióloga Kathy Niakan, a equipe de cientistas do Instituto Francis Crick investigavam o papel de um gene específico nos estágios iniciais do desenvolvimento humano. Para isso, usaram o sistema CRISPR e deletaram esse gene específico em embriões, que foram doados para o estudo.
Após a edição, os pesquisadores analisaram esses embriões, comparando com os que não foram editados, e descobriram: cerca de metade dos embriões editados continha grandes edições não desejadas, ou seja, a edição tinha falhado para as mudanças propostas. Pior, a edição tinha causado efeitos indesejados e que não era possível estimar o que acarretariam na vida dessas pessoas, caso o experimento fosse continuado.
Entenda a edição genética
No experimento, a equipe do Reino Unido trabalhou com 25 embriões humanos, sendo que sete deles não foram editados, como faziam parte do grupo de controle, conforme descrito em preprint (artigo científico que ainda deve ser revisado por outros cientistas) publicado na plataforma bioRxiv no início deste mês. A ideia era editar e estudar o gene POU5F1, uma proteína envolvida na auto-renovação de células-tronco embrionárias.
No entanto, os resultados da pesquisa sugerem, de forma direta, que o CRISPR é mais semelhante a uma faca de açougueiro do que uma refinada tesoura molecular para cortar o código genético humano, pelo menos até o momento. "Os resultados não intencionais da edição do genoma estavam presentes em aproximadamente 22% das células embrionárias analisadas", afirma artigo.
Mesmo que os embriões tenham sido destruídos após o experimento, os resultados obtidos são um importante alerta para tentativas do uso da técnica para gestações com embriões geneticamente modificados. Os futuros danos genéticos causados poderiam levar a defeitos de nascimento e até mesmo a doenças crônicas.
É por esse motivo que nos Estados Unidos e em cerca de 20 outros países, estabelecer de uma gravidez com um embrião geneticamente modificado é proibido por lei. No entanto, grande parte das nações ainda nem chegaram a discutir a legalidade dessas situações.
Histórico de problemas
Na ciência, o consenso é que alterar o código genômico dos embriões humanos é algo, realmente, perigoso, já que não se há controle sobre os efeitos da adição ou remoção de genes acarretarão. Para isso, essas respostas precisariam primeiro ser muito bem compreendidas e analisadas, em um processo que levaria anos.
Mesmo com todos esses riscos envolvidos, notícias falam sobre bebês humanos criados em laboratório. É o caso do cientista chinês He Jiankui que afirmou ter usado o sistema CRISPR, em 2018, para editar os genes de duas bebês gêmeas. Segundo suas alegações, o pesquisador estudava como criar resistência ao vírus do HIV, o que causou indignação no mundo todo.
Fruto do experimento, as gêmeas, Lulu e Nana, nasceram, mas a localização delas permanece desconhecida. Ainda em 2019, um terceiro, editado por Jiankui, foi confirmado através de notícias estatais chinesas. Atualmente, o cientista está preso pelo governo do país.
Em julho de 2019, o biólogo russo Denis Rebrikov afirmou que pretendia utilizar o CRISPR para criar mais bebês editados por genes, só que para curar a surdez. Na época, pesquisador da Rússia explicou que já possuía embriões de cinco famílias, que se candidataram de forma voluntária, para testar a edição de genes. No entanto, suas pesquisas não seguiram adiante.
Futuro?
"Nosso trabalho ressalta a importância de mais pesquisas básicas para avaliar a segurança das técnicas de edição do genoma em embriões humanos, que informarão os debates sobre o potencial uso clínico dessa tecnologia", concluíram os pesquisadores do Instituto Francis Crick após analisarem os resultados da pesquisa.
Mesmo que alguns cientistas tenham esperança de que a edição de genes possa, um dia, ser usada para modificar geneticamente humanos, essa história ainda é ficção científica. Pelo menos, em termos de segurança e ética. Afinal, as atuais técnicas nem permitem uma discussão mais profunda (que ainda deve ser necessária) sobre o que poderá ser permitido quando o tema for edição genética.