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COVID-19 | Qual o impacto da reabertura das escolas em 2020?

Por| 24 de Agosto de 2020 às 18h17

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Julia M Cameron/ Pexels
Julia M Cameron/ Pexels

A relação entre as crianças e a COVID-19 ainda é alvo de muito estudo e de muitas dúvidas, e acaba sendo um dos fatores mais delicados desta pandemia. No entanto, lado a lado com essa questão vem a reabertura das escolas, tema responsável por gerar uma verdadeira divergência de opiniões, tanto na área da educação quanto na área da medicina. De qualquer forma, a reabertura já é realidade: no último dia 10, Manaus abriu as portas de suas escolas, cinco meses depois da suspensão das aulas presenciais por conta da pandemia. Em São Paulo, já há uma data em pauta: sete de outubro. Com isso em mente, trazemos uma questão: qual é o impacto dessa reabertura?

Essa não é uma questão nem um pouco simples de se responder. Para isso, primeiro é necessário analisar como a COVID-19 atinge as crianças, algo que nem a medicina conseguiu deixar claro. Na última semana, pesquisadores do Massachusetts General Hospital (MGH), afiliado a Harvard, e do Mass General Hospital for Children (MGHfC) descobriram que as crianças desempenham um papel maior na difusão do coronavírus na comunidade do que se pensava anteriormente, uma vez que as infectadas mostraram ter um nível significativamente mais alto de vírus em suas vias aéreas do que adultos hospitalizados em UTIs para tratamento da doença.

O estudo norte-americano apontou que, embora as crianças mais novas tenham um número menor do receptor do vírus do que as crianças mais velhas e os adultos, isso não se correlaciona com uma carga viral reduzida, o que significa que são mais contagiosas.

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Um estudo de junho publicado na Nature Medicine descobriu que pessoas com menos de 20 anos têm metade da probabilidade de contrair a doença. O relatório indicou aumento de casos entre crianças, mas também descobriu que essa população representa apenas 9,1% de todos os casos de COVID-19 dos EUA. Embora o risco seja menor, ele não é inexistente: o estudo observou que entre 0,2 e 8,8% dos casos infantis de COVID-19 exigiram hospitalização, e a taxa mais alta de mortes pediátricas foi de 0,6%.

"O que sabemos é que, com certeza, crianças sofrem menos os efeitos do vírus. Elas adoecem com menor gravidade. Isso já está bem estabelecido. Não quer dizer que a COVID-19 não tenha impacto nessa população, mas certamente é um impacto menos importante. Isso foi uma surpresa e ainda não sabemos explicar bem o fenômeno. As doenças respiratórias costumam ser mais graves nos extremos de idade (crianças e idosos), mas na COVID-19 esse padrão se manteve apenas para os idosos", explica Dr. Artur Brito, infectologista da Unifesp e integrante do corpo clínico da Beneficência Portuguesa de São Paulo e do Hospital Santa Paula.

"A questão da transmissão por crianças ainda carece de mais dados, mas o que parece é que os de menor idade de fato transmitem menos. As crianças mais velhas e os adolescentes parecem transmitir da mesma forma que os adultos", acrescenta o especialista.

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A reabertura já está acontecendo

No início da pandemia, em meados de março, escolas pelo mundo inteiro começaram a fechar as portas. Cinco meses depois, alguns países começaram a reabertura escolar. Nos EUA, no último dia 11, seis dias depois da reabertura, 826 estudantes e 43 professores do norte da Geórgia foram encaminhados para quarentena de duas semanas após novos casos de COVID-19.

No Brasil, o Amazonas foi o primeiro estado a retomar as atividades presenciais. Em Manaus, 110 mil alunos da rede pública estadual retornaram às aulas. Primeiro voltaram às escolas alunos do Ensino Médio e do Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Os alunos do Ensino Fundamental devem voltar às escolas no próximo dia 24.

Depois dessa abertura, a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM) relatou 10 casos suspeitos de COVID-19, sendo oito em professores e dois em alunos. Em contrapartida, a Associação Sindical dos Professores de Manaus (Asprom) levantou uma denúncia: 50 professores haviam sido diagnosticados com a doença. Com isso, no último dia 18, um grupo de professores fez uma carreata pelas ruas da capital contra o retorno das aulas presenciais. Os profissionais da área da educação pedem que o Governo do Estado volte atrás e suspenda as aulas da rede pública, por conta da pandemia.

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Enquanto isso, no Maranhão, as aulas presenciais nas instituições de ensino na rede privada iniciaram no dia 3 de agosto. No dia 2, uma delas chegou a adiar o retorno das aulas presenciais da 3ª série do Ensino Médio porque um professor testou positivo. A maioria das escolas optou por começar a volta pelos alunos do terceiro ano do ensino médio.

No dia 9, outro colégio comunicou aos pais que uma colaboradora da instituição testou positivo para COVID-19, e as aulas presenciais foram suspensas. De acordo com a Associação de Pais e Alunos de Instituições de Ensino do Estado do Maranhão (ASPA-MA), a volta às aulas aconteceu sem participação em sala e ainda não há segurança para a volta dos alunos à escola.

Já o Governo do Estado de São Paulo anunciou que as aulas presenciais poderão ser retomadas a partir do dia 7 de outubro. Para que haja retorno às aulas presenciais, o estado precisa estar na Fase 3 – Amarela do Plano São Paulo: 80% das regiões precisarão estar há 28 dias nessa fase e, o restante, há pelo menos 14 semanas nessa etapa. A reabertura afeta 13,3 milhões de alunos do estado, tanto da rede pública quanto da rede privada, e contempla todas as etapas de ensino — do infantil às universidades.

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A visão da medicina

Questionado sobre os planos de reabertura do governo de São Paulo, Dr. Artur afirma que trata-se de uma decisão difícil, que envolve muitas variáveis, mas o fato é que ainda temos um taxa elevada de novos casos. "Em outubro a situação deve estar melhor do que hoje, então avalio que o novo adiamento (de Setembro para Outubro) foi acertado. O ideal seria uma nova reavaliação em Setembro para definir com mais segurança. Além de um possível recrudescimento no número de novos casos, outro fatores, como a segurança dos profissionais da área de educação, devem ser levados em consideração. Crianças não estudam sozinhas", argumenta.

Caso as aulas retornem, as dúvidas que ficam são relacionadas às medidas imprescindíveis para manter a segurança dos alunos e professores. Com base nisso, Artur declara que não existe um modelo único, e que agências diferentes, ao redor do mundo, têm feito recomendações distintas, mas o que tem sido comum em todas é o distanciamento entre alunos mais velhos, salas com menos participantes, recreios separados em blocos de turmas e o revezamento entre aulas presenciais e virtuais, para que todos não compareçam todos os dias nas escolas.

O especialista ainda recomenda testar frequentemente os alunos, com isolamento imediato dos sintomáticos e seus contatos próximos e uso de máscaras, com exceção apenas dos muito pequenos.

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Já sobre as consequências da reabertura e as possibilidade de um aumento repentino e considerável de casos, Artur opina: "Deve haver surtos localizados relacionados a reabertura, como tem havido nos países que já estão experimentando esse processo. O problema é o quanto de vírus ainda circula na população e se esses surtos localizados, em um contexto de transmissão ainda elevada, podem se alastrar e causar surtos maiores. Isso também depende da firmeza que os governos terão em retroceder, em escolas específicas, da reabertura, quando necessário".

Enquanto isso, Dr. André Ribas, epidemiologista da Faculdade São Leopoldo Mandic, aponta que os países a retomar as atividades escolares precisam ter tido um controle rigoroso da transmissão, porque as crianças são mais suscetíveis de agir de maneira impulsiva e não ter o cuidado adequado com a transmissão. "Dessa forma, é muito importante que além de ter uma diminuição do número de casos, tenha-se ferramentas adequadas para controlá-los. Tem que ter exame disponível e uma vigilância bem atenta", argumenta o especialista.

O profissional aponta que a questão de reabrir agora em 2020 ou 2021 não é uma resposta simples de ser dada. "Ter uma vacina não vai garantir que a doença vai ser controlada imediatamente, e a gente precisa garantir que as crianças voltem às aulas, então a gente tem que ter estratégias cuidadosas de ir voltando com segurança pelo menos algumas atividades escolares e paulatinamente entendendo que é um processo durante o qual nós vamos aprender muito. E que existem medidas que podem minimizar o risco — e têm que ser adotadas", Dr. André ainda acrescenta.

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A visão da educação

Mas não cabe apenas à medicina essa questão. Na realidade, quem está diretamente envolvido nessa situação é o aluno, o profissional da área da educação e o familiar desses dois grupos. Foi levando isso em consideração que conversamos com um professor da rede pública de São Paulo que preferiu não ser identificado. Inicialmente, ele conta que não houve um planejamento em fevereiro ou início de março, quando já havia informações do que ocorria pelo mundo.

"Há grupos mais preocupados com interesses econômicos e financeiros que querem a volta às aulas a qualquer custo. Outros, pressionados pela questão da sobrevivência, diante da redução de salários ou desemprego, também acabam, pela falta de apoio social e financeiro do poder público, aderindo à bandeira da volta às aulas na pandemia", conta o profissional.

Com a pandemia, o jeito que as escolas encontraram de manter as atividades foi com o ensino à distância. No entanto, muitas pessoas têm utilizado as redes sociais para reclamar desse método, por motivos que vão desde a dificuldade no apendizado à exclusão digital. Vale notar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional determina que a educação básica (da educação infantil ao ensino médio) precisa ser presencial.

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"Neste momento, parece ser possível apenas um apoio remoto emergencial solidário pedagógico, no sentido de manter vínculos e fortalecer o desenvolvimento que se vinha tendo na escola. Entretanto, até isso só seria possível se todas as famílias e estudantes brasileiros tivessem todas as condições básicas necessárias de moradia adequada, com espaço adequado para estudos, equipamentos, acesso à internet... mas a realidade é muito diferente para a maioria da população brasileira", opina o professor.

O profissional da educação ressalta uma responsabilidade futura: fazer um profundo estudo, pesquisa e planejamento de uma educação verdadeira e presencial nos próximos anos que recupere todas as aprendizagens que não foram possíveis de acontecer durante a pandemia. "É essencial aumentar bastante as verbas para educação pública, reduzir o número de estudantes por escolas e salas de aula, aumentar número de escolas e profissionais com valorização e formação adequados e dar proteção e condição social adequada a todas as famílias e estudantes. Precisamos de governos que façam isso, o que vai permitir que se recuperem todas as aprendizagens prejudicadas este ano, nos próximos anos".

Em suma, na opinião do professor, não se deve voltar às aulas em 2020, não há segurança. "Para concluir isso, basta vermos o protocolo de segurança da Fiocruz sobre a questão e verificar que as escolas públicas (e mesmo a maioria das particulares) não terão a infraestrutura protetiva necessária neste ano. Então, não podemos colocar em risco crianças, adolescentes, jovens, adultos, familiares e toda a sociedade", argumenta.

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Rozana Barroso, presidente da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), compartilha de um ponto de vista semelhante ao do professor. Para ela, o retorno das aulas presenciais precisa de muito diálogo entre o Ministério da Educação, os profissionais da educação e os profissionais da saúde. "Nós precisamos de medidas que preparem as escolas, que tenham todo tipo de cuidado de prevenção que preservem a vida dos estudantes e de seus familiares", afirma.

A presidente da UBES também levanta um alerta para a exclusão digital em torno das aulas remotas. "É uma discussão que nós fazemos desde o início da pandemia, porque eu não tenho como falar de aulas via celular ou computador sem falar da dura realidade que é a exclusão digital do nosso país. Hoje, muitos secundaristas são impedidos de plena cidadania, entendendo a internet aqui como direito humano do século XXI". Ela ressalta que muitos estudantes não conseguiram se inscrever no ENEM, por exemplo, justamente por conta dessa exclusão.

Mas fora a exclusão digital, alguns alunos do ensino médio da rede pública brasileira têm decidido reprovar de ano em 2020 para "aprender de fato" em 2021. Para eles, a distância tem dificultado o aprendizado de maneira que que seja tentador refazer todo o ano em 2021, mesmo sem ter uma noção concreta de como estarão as coisas. Ainda em agosto, a BBC News Brasil entrevistou 14 jovens da rede pública que decidiram reprovar ou estão considerando a possibilidade, sob o argumento de que não têm conseguido aprender por meio da aprendizagem remota.

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"A evasão escolar é uma coisa que nos preocupa muito. É uma coisa que a nossa luta pela educação tenta combater a todo o custo, porque a educação tem o seu papel. Não existe debater um país que supere a pandemia do coronavírus sem falar da educação valorizada. Em especial a pública", conclui a presidente da UBES.

Fonte: Com informações de The Harvard Gazette, Scientific American, Agência Brasil, G1 (1, 2, 3)