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COVID-19 pode reativar um vírus ancestral que acompanha humanos há milênios

Por| Editado por Luciana Zaramela | 25 de Maio de 2021 às 21h40

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IciakPhotos/Envato Elements
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Passado um ano da pandemia do coronavírus SARS-CoV-2, pesquisadores e cientistas ainda investigam alguns aspectos da doença, como o porquê do agravamento de casos da infecção. Agora, uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) identificou que um vírus ancestral, o retrovírus endógeno humano K (HERV-K), está relacionado com internações e óbitos da COVID-19.

Este vírus primitivo infectou o genoma humano quando humanos e chimpanzés ainda estavam se dissociando na escala evolutiva, mas, desde então, elementos genéticos do HERV-K estão presentes no cromossomo da espécie humana. Para entender: após ser infectado por um agente infeccioso, parte do genoma invasor é absorvido pelo genoma humano para evitar infecções futuras e essas informações são repassadas de forma hereditária. 

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No entanto, esses genes ancestrais permanecem silenciosos durante a vida, uma das exceções é a COVID-19. Segundo o preprint — artigo sem revisão por outros pares —, o coronavírus pode reativar esses genes esquecidos do retrovírus. Por exemplo, metade dos pacientes internados com a infecção pelo coronavírus também apresentam altos níveis do HERV-K. 

Estudo com casos graves da COVID-19 e o vírus primitivo

Durante a descoberta do retrovírus, os pesquisadores investigavam o porquê de alguns pacientes adoecerem gravemente em decorrência da COVID-19 — precisando de ventilação mecânica na UTI — e outras pessoas desenvolverem quadros assintomáticos. Entre os meses de março e dezembro de 2020, o estudo investigou 25 pacientes internados no Instituto D’Or (ID’Or) e no Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemayer (IECPN). A média de idade desses voluntários era de 57 anos.

Inicialmente, a progressão de casos brandos da COVID-19 para graves era associada à hipóxia, inflamação descontrolada (como a tempestade de citocinas) e coagulopatia. No entanto, os mecanismos que intensificavam a mortalidade em casos muito graves não eram completamente conhecidos.

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Dessa forma, o estudo acompanhou a presença e a concentração de algum viroma — os vírus presentes na amostra — do aspirado traqueal de indivíduos em ventilação mecânica. Em outras palavras, os pesquisadores encontraram altos níveis do HERV-K na traqueia de pacientes intubados em decorrência do coronavírus. Por outro lado, pacientes com grau menos intenso da infecção ou não infectados demonstram um nível muito menor.

“Verificamos o viroma de uma população com uma altíssima gravidade, em que a taxa de mortalidade chega a 80% para ver se algum outro vírus estava coinfectando esse paciente que está debilitado, imunossuprimido", explica o coordenador do estudo Thiago Moreno, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), para a Agência Fiocruz.

“A nossa surpresa foi encontrar esses altos níveis de retrovírus endógeno K. É o tipo de pesquisa que parte de uma abordagem completa não enviesada. Isso dá muita força, muita credibilidade ao achado”, completa o pesquisador Moreno sobre a descoberta.

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Análises em laboratório do HERV-K

Em paralelo, o estudo da Fiocruz infectou uma célula humana saudável, em laboratório, com o coronavírus SARS-CoV-2. Na amostra, foi possível identificar um aumento nos níveis deste vírus ancestral. Dessa forma, "estabelecemos, de fato, que o SARS-CoV-2 é o gatilho para o aumento desses retrovírus endógenos, para despertar os genes silenciosos”, destaca Moreno.  

Além disso, conforme os níveis do HERV-K aumentavam no trato respiratório do paciente internado, os números de monócitos inflamados ativados também cresceram. “Esses níveis de HERV-K se correlacionaram com o que se chamou de mortalidade precoce, como menos de 28 dias de internação”, comenta o coordenador do estudo.  

O que explica a reativação do vírus após milhares de anos?

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É importante destacar que essa ainda é a primeira evidência da presença do retrovírus no trato respiratório e no plasma de pacientes graves da COVID-19. Outras doenças, como o câncer e a esclerose múltipla, também são responsáveis por intensificar a presença do HERV-K nos pacientes. No caso do coronavírus, a presença dele poderia ser adotada como um biomarcador para a gravidade dos casos da infecção.

No entanto, não foi possível concluir por que a concentração desse vírus aumenta apenas em algumas pessoas. “Esse despertar de genes silenciosos é o que pode fazer a diferença das evoluções. Talvez, o sinal para o silenciamento de determinados retrovírus endógenos seja mais forte em algumas pessoas do que em outras. Parece estar associada à gravidade essa capacidade do novo coronavírus de mudar o perfil epigenético da célula do hospedeiro, ativando inclusive vírus ancestrais, alguns deles que deveriam estar adormecidos no nosso genoma”, completa Moreno.  

Para acessar o artigo completo, publicado na plataforma Research Square, clique aqui.

Fonte: Agência Fiocruz