Como são feitos os transplantes de útero para gravidez?
Por Fidel Forato | Editado por Luciana Zaramela | 20 de Setembro de 2022 às 17h30
O transplante de útero é significantemente diferente da maioria dos transplantes, já que é considerado uma intervenção temporária. Aqui, o objetivo não é salvar a vida do paciente, mas gerar outras vidas. Sim, esse tipo de transplante é feito exclusivamente para que uma mulher possa engravidar, de forma natural. Após alcançar o objetivo, o órgão deve ser removido.
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Mesmo que ainda seja pouco popular no mundo, o transplante de útero para a gravidez pode ser adotado por mulheres que tenham alguma disfunção no órgão e no sistema reprodutor. Este costuma ser o caso de pacientes com a Síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser (Smrkh), que é uma condição congênita rara. Além disso, pacientes que passaram por uma histerectomia — remoção cirúrgica do útero, feita por razões médicas — também podem optar pela alternativa.
Como funciona o transplante de útero para gravidez?
Vale explicar que o transplante de útero é um conjunto de procedimentos médicos em que um útero doado é removido cirurgicamente de um doador — que está vivo ou que já faleceu — e, em seguida, é transplantado para uma receptora elegível.
"Hormônios são usados para estimular a menstruação na receptora e, uma vez que o útero esteja funcionando normalmente, um embrião criado por fertilização in vitro é transferido para o útero da mulher", explica a pesquisadora Minna Lotz, da Universidade Macquarie, na Austrália, em artigo para o site The Conversation.
Após o transplante bem-sucedido, o bebê irá nascer obrigatoriamente por uma cesariana. Isso porque uma gravidez de transplante de útero é considerada de alto risco. Outro fator é que nem sempre a mãe consegue sentir as contrações, impossibilitando partos naturais.
Em paralelo aos hormônios, a mulher receptora do útero recebe alguns tipos de medicações imunossupressoras, buscando evitar a rejeição do órgão do doador. "Esses medicamentos são administrados em níveis considerados seguros para o feto em desenvolvimento", detalha Lotz. Passados cinco anos do transplante ou do nascimento de duas crianças, o útero é, então, removido cirurgicamente.
Quando começaram os transplantes de útero?
"O transplante de útero começou na década de 60 — nos Estados Unidos e na ex-URSS —, de forma experimental e com animais, pensando em pacientes que tinham problemas nas tubas uterinas. Como não poderiam transplantar somente as tubas, levaram o útero junto", explica o ginecologista Dani Ejzenberg, do Centro de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC- Fmusp), em entrevista para o site da Cremesp.
No entendimento mais moderno dos transplantes de útero, as primeiras tentativas em humanos ocorreram em 2000, na Arábia Saudita, e em 2011, na Turquia. No entanto, ambas fracassaram. Apenas em 2014 é que nasceu o primeiro bebê saudável na Suécia, através da técnica que envolvia a doação de um útero proveniente de uma pessoa viva.
No campo de pesquisa, o Brasil é considerado uma referência no transplante de útero envolvendo doação de pessoas falecidas. Inclusive, no país é que foi gerada a primeira criança do mundo com o útero de doadora falecida. Na equipe médica, estava o ginecologista Ejzenberg. O caso de 2016 foi publicado na revista científica The Lancet.
Atualmente, estima-se que o procedimento de transplante de útero tenha gerado mais de 40 bebês saudáveis, independente da origem do órgão doado. Um recente estudo norte-americano, publicado na revista Jama Network Open, apontou que mais da metade das mulheres que receberam um transplante de útero no país teve gestações bem sucedidas entre os anos de 2016 e 2021. Apesar do avanço, a técnica ainda implica em muitos desafios e não é considerada rotineira.
Quem pode doar o útero?
No momento, "apenas mulheres na pré-menopausa [por volta dos 45 anos] podem ser doadoras de útero, e as doadoras vivas precisam ter tido uma gravidez bem-sucedida para serem elegíveis para doar", esclarece Lotz. De forma geral, essas mulheres costumam ter algum grau de parentesco com aquela que deseja engravidar.
Agora, em doadores falecidos, a regra da pré-menopausa não existe, o que favorece a doação de pessoas mais jovens e, em tese, aumenta a disponibilidade de úteros para transplante. Nestes casos, a doação tende a ocorrer através de método padrão de consentimento familiar.
Quais são os riscos da doação?
Como toda cirurgia e intervenção medica, há riscos. Os receptores podem sofrer com a rejeição do órgão, casos de infecção ou a ainda a formação de coágulos sanguíneos (trombose), inclusive no pulmão. O tempo médio da cirurgia que transplanta o útero é de 5 horas.
Agora, para as doadoras que estão vivas, os riscos se concentram na duração da cirurgia, que tende a ser de 6 a 11 horas. Além disso, podem apresentar complicações operatórias e pós-operatórias, sendo as mais comuns a lesão e infecção do trato urinário, segundo Lotz.
Fonte: The Conversation, The Lancet e Cremesp