Beber leite de vaca natural e não processado faz mal para a saúde?
Por Fidel Forato • Editado por Luciana Zaramela |
Existe uma tendência na sociedade de valorização extrema de tudo o que é natural, incluindo o leite de vaca cru, natural e sem nenhuma forma de processamento. A questão é que, no caso de laticínios, o consumo da bebida do mesmo jeito que saiu da vaca pode representar riscos para a saúde. É o que pontua o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
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Os riscos à saúde envolvendo o consumo do leite cru são tão sérios e conhecidos que há até um decreto proibindo a sua comercialização em todo o território brasileiro, o decreto nº 923/1969. Na contramão da ciência, viralizaram posts nas redes sociais, como TikTok, Twitter e Instagram, defendendo que beber leite cru faz bem.
Beber leite cru faz mal
"Apesar de ser um alimento nutritivo e amplamente consumido por toda a população brasileira e mundial, o leite é um substrato ideal para o desenvolvimento de grupos de bactérias”, afirma o Mapa, em nota. Estes agentes infecciosos podem implicar em alterações sensoriais da bebida ou ainda provocar diferentes doenças, incluindo as gastrointestinais.
Doenças que podem ser transmitidas pelo leite
Conforme o Mapa aponta, as seguintes doenças podem ser transmitidas a partir do leite cru que não foi processado:
- Tuberculose (doença crônica);
- Brucelose (doença crônica);
- Listeriose;
- Salmonelose;
- Yersiniose;
- Campilobacteriose;
- Infecção por Escherichia coli.
De modo geral, as pessoas que tomam leite contaminado podem desenvolver sintomas gastrointestinais, como prisão de ventre (constipação), diarreia, indigestão ou ainda refluxo.
Estudos confirmam a existência de bactérias no leite cru
Se alguém pensa que as bactérias e doenças associadas ao leite de vaca natural ficaram no passado, é preciso alertar que está completamente enganado. Em 2018, pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) coletaram 102 amostras de leite cru armazenadas em tanques de propriedades rurais do estado de São Paulo.
Disponível na plataforma Vetindex, o estudo analisou exclusivamente a presença da bactéria Yersinia enterocolitica, responsável pela Yersiniose. O agente ataca o intestino delgado, sendo associado com casos de diarreia e febre. Em alguns pacientes, os relatos podem ser confundidos com os da apendicite. Também pode provocar inflamações nas articulações.
Do total de amostras, 5,9% estavam contaminadas. Em outra pesquisa citada pelo grupo no artigo, cientistas do Rio Grande do Sul realizaram investigação semelhante e identificaram a mesma bactéria em 9,3% das amostras coletadas no sul do país.
Pasteurização e UHT matam as bactérias e microrganismos do leite
As bactérias e outros microrganismos podem estar no leite natural por inúmeros fatores, como explica o Mapa. Por exemplo, podem ser provenientes da falta de higiene no processo de ordenha e armazenamento. Também é possível que a origem seja o próprio gado ou os trabalhadores locais. Buscando evitar essas complicações, o leite precisa passar por alguma forma de processamento:
- Pasteurização: nesse processo, o leite cru é aquecido a uma temperatura aproximada de 75 ºC por 15 segundos e, em seguida, resfriado a 4 ºC. O método inativa muitos patógenos, mas não esteriliza a bebida. Por isso, ele sempre precisa ser mantido refrigerado e tem um prazo de validade menor;
- Tratamento UHT (Ultra High Temperature): aqui, a temperatura mais alta — de 130 ºC em até 4 segundos — é capaz de esterilizar o leite, aumentando o tempo de validade do produto conhecido como leite “longa vida”.
Beber leite faz mal?
“O consumo de leite e seus derivados deve ser incentivado por se tratar de um grupo de alimentos ricos em nutrientes que compõem a dieta da população”, defende Mayara Pinto, auditora fiscal da Secretaria de Defesa Agropecuária. Em outras palavras, beber leite faz bem, especialmente quando é ingerido em quantidades moderadas. Inclusive, é uma boa fonte de cálcio e outros nutrientes.
“Contudo, deve ser observado se os alimentos adquiridos [o leite e os seus derivados] possuem selo de inspeção municipal, estadual ou federal que asseguram ter controle sanitário”, acrescenta a auditora. Para não fazer mal, o leite cru precisa passar, ao menos, pelo processo de pasteurização.
Tirando a questão envolvendo a produção, o leite de vaca e os seus derivados são um problema apenas para indivíduos com intolerância à lactose. Estes não têm a capacidade de digerir a lactose (açúcar do leite), problema causado pela deficiência ou ausência da enzima lactase — é possível tomá-la em comprimidos e em pó. Indivíduos com algum tipo de alergia também não devem consumi-los.
Existem motivos para não tomar leite?
No imaginário popular, existem algumas ideias imprecisas sobre o leite, como “o ser humano é a única espécie que consome leite depois de adulto, mas, se o alimento fosse verdadeiramente bom, todos os animais da natureza tomariam leite”. A questão é que o ser humano é único em muitos pontos, especialmente na alimentação. Nenhuma outra espécie bebe café puro, adota a dieta do mediterrâneo e nem almoça arroz, feijão e bife.
Tomar leite todo dia faz mal?
Para os adultos, o leite deve ser analisado como um possível alimento, cujo consumo não é obrigatório. Pode-se tomar todo dia, mas também é aceitável uma dieta sem leite. Por exemplo, o leite de vaca é uma boa fonte de vitaminas e minerais na alimentação. Este é o caso do cálcio, que previne a osteoporose e evita a perda de massa muscular. Só que estes compostos poderiam ser obtidos através de outros alimentos, como verduras (brócolis e espinafre). Outro exemplo é a vitamina D, que também contribui com a saúde óssea.
"Ter uma dieta bem balanceada que inclua muitos vegetais de folhas verdes e nozes pode ajudá-lo a obter o cálcio e a proteína de que você precisa, em vez de depender demais dos laticínios", afirma Vasanti Malik, cientista da Universidade Harvard, nos EUA. Quando a pessoa opta por beber um copo de leite ou comer muitos queijos, deve preferencialmente escolher os que têm baixo teor de gordura, mas que ainda concentram boas quantidades de nutrientes, aconselha.
Fonte: MAPA, Embrapa, Vetindex, Ministério da Saúde e Harvard