Por que dois personagens tinham o mesmo nome de Capitão Marvel?
Por Claudio Yuge | •
Em 2019, uma pergunta recorrente às pessoas que não costumam ler quadrinhos ganhou ainda mais destaque nas filas de cinema. Isso porque, embora o longa se chame Shazam!, muita gente ainda se referia ao personagem como Capitão Marvel. Acontece que, um mês antes, Capitã Marvel também chegava às telonas — só que, em vez de um filme da Warner Bros/DC Films, era outro do concorrente Disney/Marvel Studios. Essa é uma questão que confunde geral até hoje. Mas não tema: o Canaltech está aqui para tirar suas dúvidas sobre isso de uma vez por todas.
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Bem, para isso, é preciso voltar lá na raiz dos dois personagens, a começar pelo Capitão Marvel da DC Comics, que no começo não era propriedade decenauta; nasceu quase junto com o Superman. O garoto Billy Batson que, ao gritar um acrônimo com o nome de vários deuses assume seus poderes, foi criado por C.C. Beck e Bill Parker em 1939 e chegou à Whiz Comics #2, revista da Fawcett Comics, em fevereiro de 1940 — a título de curiosidade, Action Comics #1, com a estreia do Homem de Aço, chegou às bancas gringas em junho de 1938.
Ao evocar a sabedoria de Salomão, a força de Hércules, o vigor de Atlas, o poder de Zeus, a coragem de Aquiles e a velocidade de Mercúrio, o pequeno Batson passou a se transformar no adulto Capitão Marvel. Mas seus poderes e o visual, além de seu comportamento, começaram a ser comparados com os do Superman. E aí, a DC Comics, que via seu ícone se popularizar a cada dia, passou a ficar de olho na concorrência.
Eis que, em 1941 a National, que mais tarde se tornaria a DC Comics, entrou com uma ação legal contra a Fawcett Comics, alegando que esta editora teria cometido plágio ao dar vida ao Capitão Marvel. Como a Fawcett tinha uma saúde econômica mais frágil que a National, após longos 12 anos de choradeira, a companhia finalmente deixou de querer brigar por isso e mudou o nome para Shazam! em 1951.
Já em 1953, o título sentiu o baque e começou a registrar baixas vendas. E, embora ainda fosse muito popular entre os leitores, o Capitão Marvel da Fawcett aos poucos foi sumindo das bancas e os hiatos de publicação aumentaram; até que, durante o restante da década e em todos os anos 1960, o personagem basicamente caiu no esquecimento.
O Capitão Marvel da Marvel Comics
Eis que, em dezembro de 1967, a Marvel Comics lançou seu próprio Capitão Marvel, em Marvel Super-Heroes #12. O guerreiro Kree chamado Mar-Vell, que mais tarde assumiu a identidade humana do Dr. Walter Lawson na Terra, não era um personagem muito popular durante seus primeiros anos. Embora tenha pavimentado caminhos interessantes para o cantinho cósmico da editora, ele se tornou mais conhecido mesmo justamente na edição em que morre.
A Morte do Capitão Marvel, de 1982, foi considerada a primeira vez que um personagem de relativo destaque em uma grande editora realmente deixou a cronologia oficial permanentemente. Ainda que o Capitão Marvel original (da Marvel) já tenha aparecido várias vezes posteriormente, Mar-Vell é um dos únicos heróis que continuam com esse status intocado na Marvel Comics.
Após isso, o título de Capitão Marvel foi dado a outros personagens: para Mônica Rambeau, em 1982; para Genis-Vell em 1993; para Carol Danvers em 2012; e para Noh-Varr, em 2000. Mas a versão que mais prosperou mesmo foi a de Danvers, que tem um passado bastante zoado e já teve vários nomes. Mas por que ela se tornou a Capitã Marvel que foi parar no cinema?
Bem, a Marvel Comics nunca teve uma personagem feminina tão popular e relevante quanto a Mulher-Maravilha na rival DC Comics. E, em 2012, após o nascimento do então ascendente Marvel Studios, a editora, que já vinha promovendo mais diversidade em sua linha desde o início dos anos 2000, decidiu alçá-la a uma heroína do mesmo patamar do Capitão América, Thor e Homem de Ferro — de olho, claro, em uma adaptação para o cinema.
Mas qual foi a treta do Capitão Marvel da DC com o da Marvel?
Voltemos para o final dos anos 1960, quando o Capitão Marvel da Fawcett não vinha mais sendo publicado. A Marvel aproveitou o hiato para reclamar a si própria a detentora por direto do nome “Capitão Marvel” — algo que não foi difícil de conseguir, já que não havia assim resistência a isso. Só que, em 1972, a DC Comics, que tinha o hábito de comprar outras editoras para absorver mais personagens ao seu leque de publicações ao longo das décadas, adquiriu as propriedades da Fawcett, incluindo seu Capitão Marvel.
Mas, como a Marvel já tinha agido rapidamente para usar o nome Capitão Marvel com exclusividade, a DC foi obrigada a chamar sua revista de Shazam!. Vale destacar que, nas primeiras edições, o gibi vinha até com um subtítulo “o Capitão Marvel original”. Mais tarde essa tagline foi alterada para “o mais poderoso mortal da Terra”.
Como Billy Batson já fazia muito sucesso antigamente, ele voltou com tudo e até ganhou uma série live-action nos anos 1970. Ali, ele ainda era chamado de Capitão Marvel, mesmo que, oficialmente, a atração tivesse a denominação Shazam!. E, com a chegada de uma animação alguns anos depois, isso ficou ainda mais evidente, pois sua família tinha o sobrenome "Marvel". Como a TV vinha crescendo em importância nos lares de todo o mundo, o nome Capitão Marvel passou a ser associado novamente a Shazam!
A Marvel, claro, não gostou nada disso e passou anos pressionando a DC Comics a deixar de vez esse nome. Mas como isso envolvia outro setor da companhia e outra mídia, a TV; e a própria Casa das Ideias não tinha assim o Capitão/Capitã Marvel como um personagem tão relevante para seu universo na época, o caso foi esfriando.
Ainda há uma outra questão envolvendo o personagem Marvelman/Miracleman — mas essa história é tão cabeluda que é melhor deixar para outro dia.
O fim da treta com a chegada dos filmes
Nos anos 2000, a Marvel começou a notificar novamente a DC para deixar de vez o nome Capitão Marvel de lado, até porque a própria rival vinha revitalizando Billy Batson — nos anos 1990, por exemplo, ele teve uma importante participação na aclamada história Reino do Amanhã. Então, para evitar transtornos que já duravam décadas, a DC resolveu deixar para trás a nomenclatura e passou a tratar o herói apenas como Shazam!, a partir de um novo título mensal, em 2011.
E, desde então, Billy Batson vem sendo chamado apenas como Shazam, enquanto a Capitã Marvel é quem detém oficialmente a nomeclatura da propriedade intelectual da Marvel. A batalha judicial até poderia se estender mais tempo, mas como a Warner percebeu que a Disney lutaria até o fim para manter uma personagem fortemente posicionada no Marvel Studios, as companhias decidiram deixar o passado para trás e atualizar esses heróis, para torná-los mais ricos por conta do que acontece agora — e não com o que aconteceu anteriormente.
No final das contas, tanto o Capitão Marvel da Fawcett quanto o da Marvel se tornaram personagens bem diferentes de suas versões oficiais. Ambos começaram a figurar entre os protagonistas dos principais eventos de suas editoras. E, no lançamento de seus filmes, em 2019, a Capitã Marvel se estabeleceu de vez como uma das mais importantes propriedades da Marvel; por outro lado Shazam assumiu esse nome para uma nova geração de seguidores.
E, ainda que o mesmo nome tenha trazido tanta treta nos bastidores, toda essa trajetória fez bem para os dois: agora, tanto Batson quanto Danvers possuem estofo e histórias de origem mais interessantes, o que os tornaram propriedades valiosas para editoras — e heróis ainda mais importantes para os fãs.