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Análise: Por que Trump deve deixar o WeChat quietinho na briga contra a China

Por| 15 de Agosto de 2020 às 15h00

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Captura da imagem: Rui Maciel
Captura da imagem: Rui Maciel
Donald Trump

Se você não foi descongelado nessa semana, deve saber que Donald Trump - como parte da guerra tecnológica e comercial entre EUA e China - pretende banir o uso do TikTok e do WeChat nos EUA até meados de setembro. Segundo o presidente, esses aplicativos praticam espionagem contra a população norte-americana e envia os dados da mesma para o governo chinês - ainda que ele não tenha apresentado uma única prova relevante referente a essas acusações.

No entanto, se resolver a questão do TikTok se mostrou, digamos, mais tranquila - a ByteDance, controladora do app de vídeos curtos, está negociando a venda da operação norte-americana da plataforma (provavelmente) com a Microsoft - com o WeChat o buraco é muito mais embaixo. Isso porque o superapp da gigante chinesa Tencent trabalha com um ecossistema gigantesco, que envolve uma série de empresas dos EUA. E um eventual bloqueio do programa pode impactar as finanças de muitos pesos pesados.

Números superlativos do WeChat

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Mas, antes de explicar esse impacto, vamos colocar aqui alguns números fornecidos pelo site Business of Apps, que mostram porque o WeChat se tornou um colosso que pode dar muita dor de cabeça às empresas norte-americanas caso a ordem executiva de Trump siga em frente:

  • O WeChat relatou ter alcançado 1 bilhão de usuários ativos diários em janeiro de 2019;
  • O WeChat é o quinto aplicativo social mais usado no mundo;
  • Apenetração do WeChat na China entre o público de 16 a 64 anos é de 78% em 2020;
  • O WeChat tem mais de 20 milhões de 'contas oficiais' ativas no início de 2019 - a grande maioria de empresas;
  • No quarto trimestre de 2019, o WeChat relatou um aumento anual de 15% no aumento de mensagens diárias enviadas;
  • São realizadas 410 milhões de chamadas de áudio e vídeo por dia no WeChat;
  • 46 TB de dados consumidos no WeChat durante um minuto do horário de pico da manhã;
  • O WeChat é responsável por 34% do tráfego total de dados móveis na China;
  • Cerca de 30% do tempo de Internet móvel na China é gasto no WeChat;
  • 83% dos usuários do WeChat usam o aplicativo geral para o trabalho;
  • 250.000 usuários usam o WeChat para acessar os serviços de ônibus / metrô a cada minuto durante o horário de pico da manhã;
  • São mais de 300 milhões de usuários de miniprogramas do WeChat ativos diariamente. Dados de junho de 2019;
  • São 746 milhões de usuários ativos mensais dos miniprogramas WeChat. Dados de junho de 2019;
  • O número médio de miniprogramas usados ​​por usuário dobrou em relação a 2019, com o uso aumentando em 45%;
  • Os miniprogramas WeChat geraram US$ 115 bilhões de receita em 2019, com o volume médio diário de transações dobrando ano a ano;
  • Em meados de março, 300 milhões de usuários do WeChat usaram o WeChat Health para acessar atualizações da pandemia, consultas online e autoavaliação baseada em IA relacionada ao surto de coronavírus;
  • 2.000 minijogos disponíveis no WeChat , com 400 milhões de jogadores mensais;
  • Ao mesmo tempo, o conteúdo relacionado ao coronavírus atraiu 600 milhões de page views no WeChat e Tencent News ( Tencent)
  • WeChat Work usado por 2,5 milhões de empresas e 60 milhões de MAU
  • 800 milhões de usuários utilizaram o WeChat Pay - plataforma de pagamentos instantâneos do WeChat - mensalmente no quarto trimestre de 2019
  • O Tenpay - carteira digital desenvolvida pela Tencent - tem penetração de mercado em 84% - inclui outros aplicativos de pagamento da Tencent);
  • Foi registrado 1 bilhão de transações comerciais via WeChat Pay por dia no quarto trimestre de 2019;
  • São 72 milhões de empresas registradas no WeChat Pay em 2019;
  • São 50 milhões de comerciantes ativos por mês no WeChat Pay no quarto trimestre de 2019
  • São 100 milhões de usuários do sistema de classificação de crédito WeChat Payments Score um ano após o lançamento
  • 8 bilhões de visitas ao WeChat por usuários que obtiveram 'códigos de saúde' para viajar pela China durante a pandemia de coronavírus, em meados de março;
  • WeChat gerou US $ 50 bilhões para a economia chinesa em 2017;
  • A receita do WeChat em 2019 foi de US$ 11,9 bilhões em 2019 - isso equivale a 21.9% do faturamento da Tencent no período, que foi de US$ 54,2 bilhões;
  • O valor de mercado da Tencent é avaliado em US$ 537 bilhões em meados de maio de 2020;

Agora vamos aos pontos

A Apple seria uma das mais atingidas

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Se você notou nos pontos acima, aqueles que estão marcados em negritos são os que podem diretamente as empresas americanas que fazem negócios com a China. Por dois motivos:

O primeiro é que o WeChat não é apenas um aplicativo de mensagens. Ele é a perfeita definição do que chamamos de super app, ou seja aquele aplicativo que traz todos os serviços que você precisa no dia a dia. E ele, de fato, faz tudo isso. Com ele, você pode acessar serviços e transporte público, agendar consultas médicas, chamar táxis, alugar bicicletas, pedir comida, adquirir ingressos de cinema, transferir e receber dinheiro, pagar por produtos e serviços e, claro, comprar um mundo de produtos nos milhares de e-commerces integrados ao aplicativo. Isso sem contar a rede social da plataforma, seus minijogos e mais uma infinidade de outras funções.

Ou seja, um smartphone sem WeChat no mercado chinês vira uma espécie de "peso de papel luxo". E isso preocupa especialmente uma companhia: a Apple. Hoje, a China é o terceiro maior mercado da Maçã, representando quase 20% das suas receitas em vendas. E caso ela seja obrigada a banir o WeChat da App Store, isso significa que não apenas novos usuários não poderão baixar o (super) app, como também aqueles que já têm o programa ficarão impedidos de usá-lo.

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E, considerando que o aplicativo é o "faz-tudo" de boa parte da população chinesa, há um sério risco de abandono dos iPhones, os atuais e os futuros, já os usuários tendem a preferir trocar de aparelho, do que trocar de app. Afinal, é mais fácil pegar um outro smartphone equivalente ao iPhone, do que achar outro aplicativo que resolve boa parte da sua vida.

Dúvida dessa análise? Pois bem. Nesta sexta-feira (14), uma enquete realizada na rede social Weibo - uma das mais usadas na China - revelou que cerca de 95% dos participantes renunciariam a seus iPhones para não perder acesso ao WeChat.

Tamanho pode ser o prejuízo que, para o analista Ming-Chi Kuo, especializado em Apple, um eventual banimento do WeChat na App Store chinesa poderia provocar uma queda de até 30% nas vendas globais do iPhone. Além disso, a queda poderia chegar a 25% em outros dispositivos da marca, que tem mais de 15% do seu faturamento vindo da China. Nesse cenário, as principais beneficiadas seriam as locais HOVX (Huawei, Oppo, Vivo e Xiaomi).

"Aqueles que não vivem na China não entendem quão ampla seria essa restrição, caso as empresas norte-americanas não possam usar [o aplicativo]. Eles ficarão em grande desvantagem em relação aos concorrentes”, disse Craig Allen, presidente do Conselho de Negócios EUA-China ao WSJ.

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Outras empresas norte-americanas também sofrerão

Para além da Apple, um eventual banimento do WeChat também pode atingir outras empresas que têm negócios com a China. Companhias como Tesla, Nike, Walmart, Amazon, Ford, Starbucks, entre outras, também verão seu faturamento comprometido. Isso porque muitas delas usam os mini programs, sub-aplicações executadas dentro do ecossistema do WeChat, que funcionam como minilojas virtuais para a venda de seus produtos. E que são bem populares entre os usuários do super app.

Segundo números do site Statista, o território chinês conta com 228 milhões de iPhones ativos. Ainda que não seja possível saber se todos eles trazem o WeChat instalado, o fato é que, potencialmente, essa quantidade de aparelhos não poderá usar utilizar tanto as "mini lojas" virtuais das marcas americanas dentro do app, como também não poderão usar o WeChat Pay para pagar pelos produtos e serviços oferecidos por elas no país asiático. Ou seja, até que os usuários decidam trocar o iPhone por outro aparelho, são vendas que essas companhias deixam fazer, até porque o dinheiro em espécie é algo praticamente extinto na China - e os cartões de crédito seguem pelo mesmo caminho.

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Para se ter uma ideia do tamanho do prejuízo, em 2017, 30% de todas as transações do Starbucks na China eram originadas a partir do WeChat Pay. Além disso, muitas dessas empresas americanas dependem da Tencent para obter tráfego de usuários até as suas lojas.

Outro exemplo de gigante que seria seriamente atingida é o Walmart. Para usar o seu sistema de pagamento "Scan-and-Go" na China - que permite que a compra de produtos seja feita dentro do app, livrando o usuário das filas no caixa - a rede varejista incorporou essa funcionalidade dentro do WeChat. E esse sistema foi responsável por 30% das transações nas unidades do Walmart no país asiático. Ainda que seja possível usar o mecanismo também via Alipay plataforma de pagamentos da rival Alibaba - a perda em vendas seria considerável.

"Aqueles que não vivem na China não entendem quão ampla seria essa restrição, caso as empresas norte-americanas não possam usar [o aplicativo]. Eles ficarão em grande desvantagem em relação aos concorrentes”, disse Craig Allen, presidente do Conselho de Negócios EUA-China ao jornal The Wall Street Journal.

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Em resumo, os EUA até podem sobreviver sem o TikTok rodando em seu país - apesar da (justa) chiadeira do público mais jovem. Mas o bloqueio do WeChat mostra que Donald Trump não tem a menor ideia do tamanho do ecossistema comercial que envolve o seu país e a China. E como as suas canetadas intempestivas podem ter justamente o efeito inverso: prejudicar mais a nação que comanda do que o adversário.