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Análise | Per Aspera é a troca de papéis entre humanos e IA em Marte

Por| 13 de Dezembro de 2020 às 13h00

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Divulgação/Raw Fury
Divulgação/Raw Fury

A expressão latina per aspera significa "através das dificuldades". O nome é cirúrgico ao apontar que Per Aspera, novo jogo da Raw Fury, não é fácil. O jogador controla AMI, uma inteligência artificial enviada a Marte para terraformar o planeta. Isto é, tornar o espaço o mais parecido possível com a Terra para povoação humana.

A premissa parece simples, mas o que o game propõe é algo muito mais esférico do que o apresentado. É preciso guiar as decisões da IA, gerenciando recursos e criando construções, minas e fábricas no planeta com sistemas de estratégias no melhor estilo Civilization.

Entretanto, Per Aspera é muito mais que isso: ele subverte as posições de homem e máquina, fazendo com que a IA se comporte como pessoa e o jogador saiba ser eficiente como um computador.

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Logo, o título é dividido basicamente em dois setores que se conversam muito bem: o mecânico, voltado ao gerenciamento de elementos no solo marciano; e o subjetivo, desenvolvido pela consciência da inteligência artificial sobre a sua própria existência.

É por este motivo que esta análise vai ser dividida nesses dois tópicos.

Desafio da metonímia

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Per Aspera tem um caráter básico de simulação cujo conceito é bastante simples. AMI é enviada a Marte em um foguete com um rover para começar os trabalhos de terraformar o planeta.

A função do jogador, portanto, é organizar a linha de trabalho do rover em busca de minerar elementos do Planeta Vermelho, criar fábricas e garantir que todo sistema continue em pleno funcionamento.

Por exemplo, para produzir eletrônicos, o rover precisa alimentar a fábrica com silício e carbono, de forma que é inteligente montar a construção próxima a minas de ambos elementos. Entretanto, a região pode não ter energia suficiente para dar conta de todos os elementos, sendo necessário antes produzir uma usina. Tudo isso precisa ser bem calculado pelo jogador.

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Desta forma, o ciclo inicial de gameplay de Per Aspera se resume a minerar novos produtos a serem usados em construções diversas. Uma das belezas do game é básica de qualquer título em estilo simulação: a de começar com apenas um pontinho no mapa e ver todo ambiente se desenvolvendo pouco a pouco.

Contudo, diferente de títulos como Civilization, Starcraft ou AgeofEmpires, você não controla trabalhadores humanos que recebem ordens para realizar suas funções. Novamente, o jogador está na pele de uma IA que precisa organizar um sistema autônomo em Marte. É aqui que PerAspera se difere muito de outros títulos do gênero.

Como os rovers são autônomos, não é possível simplesmente dar um comando para que eles executem uma ação. Os veículos têm protocolos próprios, o que significa diferentes níveis de priorização de funções. Assim, é preciso sempre ficar atento para se todos os recursos estão disponíveis para o encaminhamento das execuções.

Essa falta de controle direto dos rovers pode parecer um pouco frustrante no início. Você pode se pegar querendo que os veículos foquem naquela construção que você precisa urgentemente colocar de pé e os bonitos estão lá, fazendo qualquer outra coisa que não subir o prédio. Passado o momento de raiva, o que você vai perceber é que eles não estão construindo o novo prédio por falta de recursos e você precisa ir atrás disso.

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A parte interessante é que o game não pega na mão do jogador (a não ser na dificuldade mais simples) e avisa que há um problema. Seu trabalho como IA é identificar esse gargalo e arrumá-lo.

Eu imagino que um jogador habituado com o gênero pode olhar para esse mecanismo e pensar: “uau, parece complexo”. Sim, é até mais do que você imagina. O sistema de terraformação de Marte pode incluir até mil construções, seguindo a lógica descrita aqui.

Depois de um tempo, o jogador consegue fazer com que uma região seja minimamente autônoma e não necessite mais de atenção. Contudo, no meio desse caminho, você vai perceber que tem de lidar com dois ou três diferentes pontos de atenção ao mesmo tempo, e todos com alto nível de dificuldade.

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A boa notícia é que o game permite aumentar a velocidade da gameplay. Assim, em um momento de alta complexidade, é possível simplesmente parar tudo e organizar as ideias para colocar tudo novamente nos trilhos.

Em suma, ser uma IA não é nada fácil.

Eu, robô? 

Se por um lado o jogador precisa experimentar como é ser uma máquina inteligente, por outro a trama brinca com a consciência de AMI sobre si mesma. Ela é uma personagem quase que destacada, que passa por estágios muito interessantes de autopercepção.

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Per Aspera questiona o que é estar vivo, de modo altamente filosófico, mas sem o academicismo da sala de aula. AMI pensa se é autônoma, qual seu propósito nisso tudo, quais intenções de seus mandantes para terraformar Marte.... Tudo em discussões consigo mesma ou durante os papos com membros da equipe da AISA, a agência especial internacional fictícia do jogo, similar à NASA.

Em um dos momentos mais marcantes de reflexão da IA, AMI nota o impacto de seu trabalho em Marte e solta: “Este planeta nunca mais será o mesmo. Eu deixei a minha marca aqui, para sempre”, e depois questiona se isso é bom ou ruim.

Essa camada de autoconsciência de AMI é certamente o melhor ponto de Per Aspera. Os desenvolvedores foram inteligentes ao adicionar esse texto entre os gerenciamentos. Isso porque a simples organização dos rovers pelo mapa pode ser, ao mesmo tempo, estressante e pouco variável. Então, a história de AMI surge como momentos de suspiro durante a gameplay.

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Em novembro, o Canaltech pode conversar com Damian Hernanez, diretor de desenvolvimento da Tlön Industries, estúdio argentino que faz o game. Ele apontou referências como Isaac Azimov, Stanley Robinson (autor de Green, Red e BlueMars), Artur C. Clark e o livro/série The Expanse, além da teoria da mente bicameral (usada para criar as inteligências artificiais da série Westworld), para a criação do título. Tudo isso está muito claro no jogo, desde as questões de protocolo de automação como nos livros de Azimov, até a relação do que é autoconsciência.

Sob a programação de AMI está uma personagem bastante tocante e que pode revelar os sentimentos mais humanos de qualquer jogador atento às suas ideias.

Alto cuidado (até demais)

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Tudo isso é amarrado em um game claramente feito com muito carinho. Hernanez contou ao Canaltech que a pesquisa para a construção de Marte, bem como as mecânicas e necessidades para terraformação do planeta, foi realizada junto à NASA.

A agência espacial dos Estados Unidos ofereceu informações aos desenvolvedores para que eles criassem o planeta o mais fiel possível de acordo com os dados que se tem até agora. Por isso, durante toda a jornada é possível lidar com construções para modificar níveis de temperatura, criar atmosfera e modificar compostos na estrutura de Marte. Tudo muito próximo ao que poderia (ou poderá) acontecer com seres humanos caso se mudem para o planeta.

Um ponto negativo talvez seja o preciosismo, até elevado, do game, que pode tornar a experiência muito mais desafiadora do que deveria. Em um momento mais avançado da gameplay, as mais de uma centena de construções levantadas podem tornar difícil ter a noção do todo.

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Quando o jogador afasta a tela, todos os elementos se transformam em ícones muito similares uns aos outros, o que dificulta bastante discernir entre eles. Assim, por exemplo, se você precisa melhorar a quantidade de produção de vidro, vai ter que ficar clicando em um por um até achar o que precisa no mapa.

Talvez se o game trabalhasse em um esquema de cores (com opções para daltônicos) que pelo menos indicasse o tipo de construção (mina, fábrica, região de operários, pesquisas) fosse mais fácil organizar o todo pela visão.

Assim, Per Aspera é um game para quem gosta de um bom mix de estratégia, com elementos de robótica, automação e inteligência artificial. O game ainda traz uma intrigante história de outras missões enviadas à Marte, mas que não serão exploradas nesta análise por questão de spoilers.

Tecnicamente, o título é muito bem polido e não apresentou qualquer problema para rodar durante os testes do Canaltech.

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Per Aspera foi desenvolvido pela Tlön Industries e publicado pela Raw Fury, exclusivamente para PC em 3 de dezembro de 2020. No Canaltech, o jogo foi analisado com cópia cedida pela Raw Fury.