Pix: especialistas explicam como o sistema do BC mudará nossa vida bancária
Por Rui Maciel |
Se você vem acompanhando o mundo da Tecnologia aqui no Brasil, já deve ter ouvido falar do Pix. Se ainda não conhece, aqui vai uma explicação rápida: trata-se de um novo sistema de pagamentos e transferências desenvolvido pelo Banco Central (BC).
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Previsto para entrar em funcionamento no próximo dia 16 de novembro, a plataforma tem como destaques iniciais, a possibilidade de realizar transferências interbancárias 24 horas por dia, sete dias por semana, com o dinheiro caindo na conta em questão de segundos (sim, aquela desculpa de pagar só na segunda-feira vai acabar). O mesmo vale para pagamentos que caem na conta do comerciante também na mesma hora, bem como a possibilidade de realizar saques em estabelecimentos comerciais - este recurso está previsto para entrar em funcionamento em 2021.
Mas, fora esses bem-vindas funcionalidades, o consenso geral é que o Pix veio para mudar a vida bancária de todo mundo de uma forma ainda mais radical. E isso vale não apenas para os correntistas comuns, como eu e você, mas também para empresas e até mesmo instituições bancárias, sejam elas gigantescas ou jovens, como as fintechs.
E para saber como essa revolução se dará - e para entender como o Pix vai afetar o nosso dia a dia - o Canaltech conversou com quatro especialistas, que falaram sobre a plataforma do ponto de vista de quem desenvolve tecnologias para ela, sob a visão de um banco e sob a ótica de quem atende clientes.
Para isso, falamos com: Alexandre Pinto, diretor de inovação e novos negócios da Matera - empresa de desenvolvimento de tecnologia para o mercado financeiro, fintechs e gestão de risco; Fernando Castro, diretor de Produtos, Tecnologia e Marketing do banco Agibank; e Bruno Amate Schmidt e Maurício Borges dos Santos, Product Managers da Sienge, empresa que atua no ramo da construção civil.
Todos vêm acompanhando a plataforma do BC de perto, seja na realização de testes com o sistema, no acompanhamento do seu desenvolvimento e também participando da sua homologação. Confira como foi o papo:
Canatech - O Pix promete extinguir certas transações bancárias, como o DOC e o TED. Além desses dois, há outras operações que podem ter seus custos reduzidos? Como isso ocorrerá?
Alexandre Pinto: De fato, o Pix quando entrar em funcionamento, deve reduzir bastante o uso do DOC e da TED porque são transações muito parecidas com o novo modelo oferecido, só que muito mais barato, com a comodidade de você realizar essas transações a qualquer horário. Você não vai precisar saber o CPF, número de banco, número de agência, conta da pessoa, etc. Mas não dá para dizer que vão acabar, porque operações do tipo não acabam assim. Sempre vai ter gente que vai usar o DOC, até o cheque.
Mas, ela será funcionará em uma escala muito grande e pode ser usada em diversas situações, inclusive em compras físicas. Isso porque, para além das transferências, o Pix foi desenhado também para compras do dia a dia, em qualquer estabelecimento comercial, via QR Code, por exemplo, e no ambiente online também. É muito mais abrangente.
E como ele será muito mais barato - não custando nada ao pagador Pessoa Física (PF) e com custos reduzidos para Pessoa Jurídica (PJ), que está pagando e recebendo por esse sistema - essa concorrência por si só, com certeza, fará com que o custo de outros meios mais tradicionais de cobrança caiam também. É o efeito da concorrência.
Na verdade eu diria que a gente já está até vendo, de certa forma, esse movimento. O mercado já está, de alguma maneira, “precificando” a entrada do Pix e estamos testemunhando o movimento dos provedores de pagamento mais tradicionais, de bancos, adquirentes, cartões de crédito, baixando cada vez mais as taxas. O Pix é um meio de pagamento que vai entrar muito forte, oferecendo grandes incentivos, principalmente, para quem recebe.
CT - Para os bancos, compensa perder a receita oriunda de certas transações bancárias que o Pix promete acabar ou reduzir os custos?
Alexandre Pinto: Depende muito da visão estratégica do banco e de como ele está avaliando essa questão do Pix. Num primeiro momento, como o Pix será uma transação gratuita para Pessoa Física e para o estabelecimento comercial deve ficar mais barato que o boleto, então as instituições bancárias terão uma perda de receita. É inevitável. O banco ganha dinheiro com a TED, cobrando das pessoas que o enviam, no caso a gente. Ganha também no boleto, daquela empresa que o emite, que está fazendo a cobrança. E a chegada do Pix tende a reduzir muito essas operações. É natural e é esperado. A grande questão estratégica que fica é como os bancos lidarão com esse novo cenário.
Eu diria que uma abordagem mais interessante é justamente o banco encarar isso também como oportunidade. Ou seja, se agora transferir dinheiro está mais rápido e mais barato, o que ele, como instituição financeira, que oferece serviços financeiros, produtos financeiros, pode agregar? Que tipo de produto financeiro ele pode agregar mais usando o Pix, que é uma rede mais barata?
Então é assim, “ah, agora é mais fácil pagar as pessoas, fazer mais transações por dia porque o custo é menor que uma TED. Agora, eu consigo cobrar todo dia, fazer mini cobranças porque não tenho o custo do boleto…”, enfim, um cenário que as fintechs e o varejo já estão vendo como uma possibilidade de construir modelos de negócios e serviços inovadores. E, obviamente, os bancos também têm essa condição. E tem muito mais recursos para isso, inclusive humanos. A questão principal é se eles vão conseguir virar essa chave e, de fato, usar o Pix a seu favor.
O fato é que os bancos vão perder receita no primeiro momento, é inevitável. Outra analogia que a gente pode fazer: quanto custa mandar um e-mail? Não custa nada. O Gmail não custa nada, o WhatsApp não custa nada, mas essas empresas rentabilizam. Como? No caso do Gmail, principalmente por publicidade e propaganda. Então ele ganha dinheiro de uma outra forma. Mesma coisa com o banco. Ele pode dar o Pix de graça - pelo menos para Pessoa Física tem que ser assim - e para Pessoa Jurídica ele pode cobrar, mas bem barato. Acho que esse é o grande caminho que os bancos deveriam olhar e não tentar limitar o Pix. Acho que é muito mais entender que o mercado mudou e se adaptar.
Fernando Castro: O Agibank já atua com políticas de tarifas pró-cliente, mesmo sem obrigatoriedade, oferecendo um pacote de serviços gratuitos – como é o caso das transferências, que ele efetiva sem custo e só vai passar a pagar depois de um determinado número de transações, o que também vale para serviços de saque, pagamentos de boletos, entre outros. Logo, o PIX nos impactará muito mais enquanto redução de custos na prestação desses serviços do que na redução de receita de tarifas.
CT - O Pix também pode forçar os bancos a cobrar um número menor de tarifas para suas operações?
Bruno Amate Schmidt e Maurício Borges dos Santos: O Banco Central já sinalizou que o Pix funcionará com gratuidade para transferências PF – PF. Desta forma, a tarifação se aplicará apenas nas operações que envolvam empresas (PJ – PJ ou PJ – PF). Ainda assim, ele terá um custo estimado por operação equivalente a um décimo do custo de uma TED.
Sendo este um sistema mais barato inclusive para o próprio banco (custo de transação), haverá espaço para os bancos trabalharem cestas de tarifas mais atraentes, o que inclui menos taxas.
Fernando Castro: Os bancos terão que acompanhar a evolução da adoção do PIX pelos usuários, mantendo um equilíbrio saudável entre os custos de servir e as receitas dos serviços transacionais mais tradicionais. Certamente os clientes serão beneficiados, a partir do momento em que passam a contar com uma gama maior de alternativas para dar conta da sua vida financeira.
Alexandre Pinto: Eventualmente se o banco baixar esse valor da TED para R$2 ou R$3, talvez as pessoas que não se importam tanto, por hábito, ainda continuem usando. Os bancos terão de recalibrar as tarifas e são elas que garantem uma margem de lucro bem grande para essas instituições. Então temos espaço, sim, para que essas institulções trabalhem no questão do preço. Com certeza observaremos um movimento de redução das outras tarifas, um efeito colateral bacana do Pix.
CT - Falando do ponto de vista da segurança, a tecnologia usada na Pix promete facilitar transferências e pagamentos. Isso não pode representar um aumento no número de tentativas de fraudes? Como funcionaria a segurança dessa plataforma?
Fernando Castro: O tema segurança é parte do nosso dia a dia no Agibank, dada a nossa condição de banco digital. Temos toda uma estrutura – incluindo políticas, processos, ferramentas – para dar conta do monitoramento das movimentações financeiras dos nossos clientes e garantir a prevenção de fraudes, o que não será diferente com o PIX. Ainda, vale destacar que o Banco Central conduziu um processo de co-criação com os bancos para assegurar a integridade das operações, utilizando criptografia, autenticação mútua e assinatura digital.
Bruno Amate Schmidt e Maurício Borges dos Santos: O Pix é mais difícil de ser fraudado, pois traz mais informações agregadas do que um boleto, por exemplo. Isso porque o sistema não se baseia em código de barras, mas em QR Code, que é mais difícil de ser gerado por fraudadores.
A maior vulnerabilidade deste formato segue sendo engenharia social (método através do qual o fraudador induz o cliente ao erro). Ainda assim, parte das transações se dará na presença das duas partes envolvidas, logo há uma janela de tempo menor para o fraudador agir.
CT - Como funcionará o cadastramento de uma chave Pix junto aos bancos, fintechs e outras instituições que poderão usar o sistema?
Fernando Castro: As instituições financeiras estão atuando em ações de pré-cadastro do PIX para que os clientes utilizem as chaves mais usuais, lembrando que são 4 chaves disponíveis para escolha, por banco: e-mail, CPF, telefone e EVP - endereço virtual de pagamento. Embora a corrida tenha iniciado, os clientes poderão alterar o seu cadastro a qualquer momento. Já a partir de 5 de outubro inicia o envio dos respectivos cadastros para o Banco Central e, com isso, uma nova etapa é inaugurada, onde não há somente a intenção de fazer o cadastro para o banco A ou B, mas sim o cadastro final.
CT - Qual será o papel do QR Code no uso do Pix? Quais as vantagens dessa solução em termos de economia e segurança?
Bruno Amate Schmidt e Maurício Borges dos Santos: Há dois tipos de QR Code: estático e dinâmico. Ambos agregam todas as informações necessárias para a realização de uma transação com mais segurança. A diferença entre eles é que o estático vem apenas com os dados da conta preenchidos, mas não o valor. O dinâmico já traz o valor preenchido, além das outras informações.
Com relação às vantagens, no caso dos boletos, por exemplo, há pessoas mal intencionadas que mantêm o layout do boleto original e alteram apenas a linha digitável, desviando o pagamento para a conta do fraudador. Já com o QR Code, isso não acontece, pois ele traz informações mais detalhadas.
Fernando Castro: O uso de QR Code é uma tendência mundial e a padronização trazida pelo Banco Central tende a impulsionar o aculturamento das pessoas para uso massificado da solução. Aqui salientamos o nosso pioneirismo na utilização do número do telefone celular do cliente – uma das chaves do PIX – como número da conta corrente, desde 2018. Também fomos umas das primeiras instituições financeiras no Brasil a disponibilizar o QR Code como solução de meios de pagamento, o que nos faz ver no PIX uma oportunidade de ampliar o uso da funcionalidade, que oferece vantagens para o cliente em relação ao código de barras, por exemplo, além de eliminar a fricção no pagamento. Já para os estabelecimentos comerciais, isso também representará redução de custos e maior segurança.
Alexandre Pinto: Outro ponto importante é que, para o ano que vem, o Pix prevê o uso outros tipos de QR Code, sendo que um deles é chamado de QR Code Offline. Ele permite a quem está pagando - o consumidor - gerar um QR Code no seu celular sem precisar de internet ou Bluetooth, ou qualquer tipo de conectividade. Isso é muito importante porque a gente sabe que dada as dimensões continentais do Brasil, existem locais, principalmente no interior, em que que a rede de celular não tem uma cobertura muito boa. Além disso, também existem muitos usuários com franquia de dados mais limitada.
Com isso, temos uma combinação bacana de tecnologia e necessidade, levando a inclusão digital e democratizando o acesso aos serviços financeiros. Foi uma decisão muito feliz.
CT - Quem pode se adaptar mais rápido ao que o Pix oferece? Bancos tradicionais ou fintechs? Como essas instituições estão se adaptando?
Fernando Castro: Acreditamos que vai se destacar quem for capaz de oferecer a melhor experiência para o cliente e souber atuar para a sua adoção, já que estamos falando de um mecanismo novo, que precisará de adequada orientação, de modo que o cliente, especialmente os não millennials, tenham a compreensão e a segurança necessária para a sua utilização.
Alexandre Pinto: É difícil responder esta pergunta. A tendência é que, até por existir uma questão regulatória de prazo na questão do suporte ao Pix para oferecer aos clientes, tanto bancos, quanto fintechs vão oferecer a tecnologia de forma simultânea. Pode haver algum bug no início, mas todo mundo vai acessar a tecnologia sem maiores problemas. E isso valerá para todos as 120 instituições participantes diretas e as mais de 800 participantes indiretas.
Acho que a questão principal nessa adaptação ao novo cenário é ver o que bancos e fintechs vão construir em cima dessa rede. Aí sim, as fintechs podem levar vantagem, não só por serem mais ágeis, mas porque elas já nasceram nesse novo mundo. Elas já têm o DNA digital, já têm mais o foco no cliente, já trabalha mais com dados, diferente dos bancos tradicionais, que são muito eficientes e bem sucedidos, mas ainda para o mundo antigo, mais orientado a produto. Essa estrutura dificulta as inovações, não só pelo Pix, mas também pelo open banking, por exemplo. Mas o fato é que todos vão conseguir oferecer essa platafroma do BC.
Mas faço a pergunta: O que eles vão fazer com isso? Acredito que as fintechs acabam levando vantagem, trazendo mais usos interessantes do Pix. Além disso, os e-commerces e empresas também tendem a capitalizar mais em cima desse novo meio de pagamento.
CT - Paralelo ao Pix, estamos também estamos entrando na era do open banking. Essas duas tecnologias serão convergentes de alguma forma em um futuro próximo ou têm funcionamentos distintos?
Fernando Castro: Serão convergentes e poderão mudar a forma como utilizamos serviços bancários. Algumas frentes serão alavancadas com estes dois projetos como, por exemplo, a interoperabilidade de caixas eletrônicos. O uso de APIs também permitirá que o cliente movimente a sua conta, em qualquer canal.
Alexandre Pinto: Ainda que o Pix e o Open Banking sejam projetos diferentes, existe uma convergência muito bacana. Se olharmos de uma maneira mais conceitual, o Pix está integrando as contas, facilitando a conversa entre elas. Já no Open Banking, o objetivo é que as informações do correntista também seja compartilhadas, não fique restritas ao banco. Então, com esse padrão, será possível compartilhar histórico financeiro de um grande banco com uma fintech de crédito, que consegue fazer uma avaliação de risco mais precisa e oferecer uma taxa de juros, mais baixa e mais competitiva.
Em uma futura etapa da convergência entre o Pix e o Open banking, será possível, por exemplo, não só acessar os dados do correntista, mas também fazer operações. Então eu posso acessar uma conta via WhatsApp - que vou conseguir via open banking - e realizar um Pix para o Itaú, porque teremos essa interface de open banking, onde o Whatsapp se conecta ao Itaú e isso com qualquer outro aplicativo. Lógico que com o consentimento do correntista, com segurança e tudo mais.
Conceitualmente os temas convergem e realmente vão tirar barreiras para competição. Quando isso se abre para os outros aumenta a concorrência e há uma redução no custo do crédito. Então existe uma coerência da agenda do BC, que é muito interessante para a democratização dos serviços financeiros.
CT - Hoje, o Pix promete rapidez para pagamentos e transferências, além de possibilitar saques em dinheiro em estabelecimentos comerciais a partir de 2021. Além dessas funcionalidades, que outros recursos em potencial a tecnologia do BC pode proporcionar ao consumidor no futuro?
Bruno Amate Schmidt e Maurício Borges dos Santos: Uma possibilidade, já aventada pelo Sienge, é usar o sistema de liquidação do Pix para outros produtos, como boletos. Além disso, o BC tem olhado para o mercado e convocado empresas a participar dos debates. Algumas possibilidades que o Banco Central tem trazido para discussão são:
- Pix Parcelado
- Pix Pagador
- Transferência entre meios de pagamento internacionais
- Pagamento por aproximação
- Saque Pix
- Pagamento com documento
Alexandre Pinto: Teremos outros recursos que devem ser implementados em fase posterior, talvez em 2021, 2022 ou 2023. Por exemplo, requisições de pagamento como se fossem uma cobrança para uma pessoa ou empresa; a possibilidade de você agendar o pagamento via Pix, fazer débitos automáticos, principalmente para despesas recorrentes como energia elétrica e TV a cabo.
E outra coisa interessante que foi anunciada é a possibilidade de pagar tributos e taxas como IPTU, IPVA, DARF, Guia da previdência, GPS, etc. E nesse caso, o processo é muito bem-vindo, porque hoje isso é muito limitado: ou a gente vai em uma agência bancária ou precisamos ter conta em bancos, sendo que poucos são autorizados a receber arrecadação de impostos. Há muitas coisas pela frente e estamos muito animados com que está por vir.