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Análise | The Last of Us Part II e suas contas pesadas e manchadas de sangue

Por| 12 de Junho de 2020 às 08h35

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Naughty Dog
Naughty Dog

Toda ação gera uma reação. É o que diz a Lei de Newton e o ditado popular. Seja por algum tipo de esperança diante da sensação de impunidade ou simplesmente pela vontade de ver o malfeito desfeito, a ideia sempre é de que a fatura, em algum momento, vai chegar. E será pesada ou não, de acordo com a gravidade dos atos cometidos.

Se a série já falava de um mundo devastado, sem ordem e principalmente escrúpulos, The Last of Us Part II vem para escancarar essa concepção e responsabilizar o jogador. É uma ideia que normalmente aparece nas rodinhas de conversa sobre cultura pop e já foi até piada na série Austin Powers, mas que, quando abordada pela Naughty Dog, ganha contornos doloridos e incrivelmente sofridos por meio da intensa carga dramática e de um envolvimento que a empresa já sabe que o jogador possui com os personagens.

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Este review não contém spoilers da história de The Last of Us 2

Levando isso em conta como algo que já era de se esperar de uma continuação desse tipo, The Last of Us 2 começa de maneira tranquila, quase tenra, em meio a música, guerra de bolas de neve, conversas casuais e paisagens belíssimas que, desde o início, evidenciam os visuais incríveis do game. Vemos Jackson, um povoado já conhecido do primeiro game, em todo seu esplendor como uma cidade viva e que, acima de tudo, parece ter seguido adiante, encontrando certa normalidade em um mundo completamente mudado, mas que ainda guarda espaço para um cotidiano relativamente tranquilo.

A própria divulgação do título faz questão de brincar com as emoções dos jogadores, que sabem o que esperar, tanto por experiência quanto pelo que já viram do game. Afinal, The Last of Us Part II é uma história de vingança e da busca de Ellie por retribuição, algo que contrasta completamente com a música, a guerra de bolas de neve e os momentos de carinho que assistimos na primeira hora do game. E aí a tal fatura chega, e ela vem pesada.

A demonstração de que atos aparentemente triviais, mesmo que apenas para o jogador, podem ter consequências terríveis é uma prova do que a Naughty Dog pretende com o jogo. Mais do que apenas exibir uma continuação da trama de uma de suas obras mais celebradas, a produtora aumenta suas apostas e transforma todos os aspectos do anterior em algo maior, melhor e mais complexo e profundo.

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A jornada de Ellie envolve um encontro profundo com terrores e conflitos bem pessoais, enquanto as coisas no mundo parecem estar cada vez piores. Fora do conforto relativo de Jackson, a protagonista se vê no meio de um conflito entre os soldados da Frente de Libertação de Washington e os Serafitas, também chamados de Cicatrizes, em uma Seattle transformada em terra arrasada.

Os milicianos conseguiram varrer os representantes do governo da cidade apenas para se tornarem uma força ainda mais ditatorial, enquanto os fanáticos religiosos acreditam que o fungo é uma resposta divina aos maus atos da humanidade. Eles entram em conflito, assim como suas batalhas internas são trazidas à tona, com o jogador servindo tanto como espectador quanto agente de mudanças, atuando diante do que há de pior em uma humanidade que, por si só, já passa pelos seus dias mais terríveis.

Na medida em que os dias vão passando e a jornada se desenrola, aquilo que deveria ser uma busca por redenção apenas piora. O game funciona como uma balança, no sentido que, enquanto um lado sobe, o outro desce. Em The Last of Us Part II, essa alegoria se reflete no equilíbrio entre jogabilidade e clima — quanto mais habilidosa, armada e preparada Ellie se encontra, mais pesado se torna o fardo carregado por ela. E o jogador se vê diante de decisões questionáveis e momentos de franzir a testa, enquanto observa os adorados personagens sendo virados do avesso.

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Maior e mais alto

Outro aspecto demonstrado desde o início é a evolução na jogabilidade do título. E aqui vale faz uma ponte até o lançamento anterior da Naughty Dog, Uncharted: The Lost Legacy, e também seu produto principal, A Thief's End, que firmou muitas de suas bases. Da mesma forma que a supostamente última jornada de Nathan Drake e a jornada de Chloe e Nadine beberam muito da fonte do primeiro The Last of Us, adicionando um teor de furtividade aos tiroteios frenéticos, TLOU2 também acaba absorvendo muitos dos ensinamentos dos aventureiros e os aplicando de forma condizente com o gameplay focado em coleta de recursos e economia de munição.

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Isso se traduz principalmente na verticalidade, usada como uma forma de demonstrar que Ellie está diante de desafios muito maiores. Se no passado andávamos por estradas e cidades devastadas, seguindo da forma mais sorrateira possível até o objetivo final, boa parte da trama do novo game se desenrola em Seattle e convida o jogador a explorar cada cantinho da megalópole agora destruída e tomada pela natureza, criaturas e milicianos.

Assim que chega à cidade, o jogador é surpreendido pelo que podemos chamar de mundo semiaberto, uma das maiores novidades do título. Em vez do prosseguimento linear que tínhamos até aqui, e que veremos na maior parte do restante do game, temos um mapa na mão e objetivos definidos, mas uma boa parte da cidade para explorar. São lojas, prédios e elementos que contam mais sobre a história não de Ellie, mas dos membros da WLF e de civis que habitavam a região, todos em uma luta frenética pela própria sobrevivência.

O mapa não apenas é vasto, como tem diferentes andares em prédios de escritórios ou sobrados. Ellie também ganhou novas formas de atravessar os ambientes, com o pulo recebendo atenção extra não apenas em segmentos focados em plataformas (que felizmente, são poucos e quase nada punitivos) e servindo como uma nova forma de explorar o cenário.

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Um quarto trancado em um apartamento, por exemplo, pode ser acessado por fora caso a protagonista saia pela janela e ande pelo parapeito do edifício. Dá para alcançar um ponto distante usando uma corda, que, ao contrário do gancho de Nathan Drake, precisa estar amarrada a um peso e pode ser lançada por cima de um poste ou estrutura para que ela suba para alcançar o telhado ou se balance para efetuar um salto. Normalmente, tais locais escondem itens valiosos que fazem valer a pena o esforço adicional.

Não é sacrifício algum explorar tais cenários, pois eles são absolutamente lindos e detalhados, com artigos, destruição e detalhes que relatam os acontecimentos daquele local. Na cópia antecipada a que o Canaltech teve acesso, porém, foi possível perceber quedas de frame rate em momentos específicos, principalmente nas cenas que se passam no interior de um hotel, na segunda metade do game. Até o momento da publicação deste review, o trecho ainda se parecia com uma apresentação de slides, e não é possível saber se isso será corrigido até o lançamento.

Com a verticalidade e a vastidão dos cenários, também vieram novos mecanismos de furtividade, como a possibilidade de usar grama alta para se esconder. Ellie aprendeu a nadar, uma novidade que deixou muitos fãs felizes quando foi divulgada, e agora sabe se arrastar no chão, usando arbustos e elementos do cenário para se esconder.

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O jogador tem novas possibilidades de ataque e de seguir pelos cenários sem ser detectado, caso prefira uma abordagem pacifista. A vastidão facilita a fuga caso seja flagrado por um oponente, fazendo com que The Last of Us Part II seja mais fácil, em sua dificuldade normal, que o antecessor, um fator evidenciado ainda mais pela maior quantidade de recursos nos cenários — munições e itens ainda devem ser usados com cautela, é verdade, mas não existe a mesma urgência e obrigação de variar estratégias e abordagens vista no primeiro jogo.

A expansão de elementos de gameplay também acaba normalizada na própria narrativa, de forma ainda mais profunda do que no primeiro — e também em Uncharted 4. Nos momentos em que Ellie está acompanhada de Dina, por exemplo, a parceira pode gritar para revelar a localização de oponentes escondidos ou indicar quando a protagonista se aproxima de uma armadilha, tornando os perigos mais reais, mas um pouco mais simples de se lidar.

Por outro lado, as adições aos cenários e mecânicas também se aplicam aos oponentes. Os infectados ganharam novas formas, tamanhos e carapaças resistentes, servindo como os momentos centrais de combate obrigatório e, também, as situações em que você vai ter que gastar toda aquela munição tão cuidadosamente coletada. Apesar disso, a maior ameaça de The Last of Us 2, assim como no primeiro, são as outras pessoas.

Da mesma forma que Ellie pode atacar de modos diferentes, os milicianos e fanáticos religiosos também se aproveitam da verticalidade e dos cenários mais complexos. Em postos de controle, temos soldados em posições altas com rifles, capazes de enxergar mais longe, ou guardas que usam cães farejadores capazes de rastrear a personagem mesmo enquanto ela está quietinha no meio do mato ou atrás de uma barreira.

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Ao longo das fases, é possível ver a evolução desse mundo e de suas histórias. Os animais têm donos e reagem às mortes deles, da mesma forma que os humanos gritam ao verem seus melhores amigos sendo assassinados. O mesmo também vale para corpos encontrados pelos cantos, com oponentes que possuem nome e alinhamento básicos, mas o suficiente para fazer pensar sobre a vida que foi ceifada ali.

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Freio de mão

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É nessa toada que The Last of Us Part II segue ao longo das quase duas dezenas de horas, tempo que leva para ser finalizado. É um jogo de morte, violência e motivações pessoais que segue em linha ascendente, na medida em que protagonistas conhecidos vão sendo desconstruídos e novas e trágicas histórias são contadas. Pouco a pouco, a Naughty Dog vai devastando o que havia sido construído no game anterior.

O sentimento está nos olhos, em um dos processos de captura de movimentos mais impressionantes da geração, evidenciado pelo belíssimo conjunto gráfico que permeia toda a experiência. Às vezes Ellie fala mais com o rosto do que com palavras, e quem se envolver com a personagem vai conseguir notar com exatidão o turbilhão de sentimentos passando pela cabeça dela.

São sentimentos e conflitos traduzidos em música, com destaque para a belíssima interpretação de Take on Me, da banda A-ha, ainda nas primeiras horas do game, ou ventilados com o golpe de uma barra de ferro. Na escrita de um diário, Ellie conta mais do que o game demonstra, apenas evidenciado o estado de completa absurdez dos eventos passados, sofridos e motivados por suas ações.

Novamente, estamos limitados no que podemos falar neste review para evitar spoilers, mas é possível descrever a intensa sensação de desesperança que vai crescendo na medida em que Ellie se embrenha pelos diferentes ambientes de Seattle. Os atos formam uma crescente, quase como o pavio que queima cada vez mais rápido em uma bomba que, temos toda certeza, vai explodir da forma mais catastrófica possível.

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E então a Naughty Dog comete um erro que contrasta diretamente com a capacidade narrativa exemplar que vinha exibindo até aqui. No momento em que o ápice estava prestes a acontecer e todo o caminho trilhado até ali teria um fim, a empresa pisa no freio e interrompe o andamento da trama para mostrar seu outro lado desde o início moroso no qual o momento da explosão, ao mesmo tempo aguardado e temido, ainda nem mesmo podia ser enxergado à distância.

A parada brusca faz sentido e se encaixa na concepção geral do jogo e seu discurso sobre consequências e o círculo vicioso de violência ao qual todos os habitantes deste mundo estão submetidos. Há, por outro lado, de se questionar os métodos como isso foi feito, já que durante toda a segunda metade do game há uma ansiedade pela trama que ficou parada no tempo e acaba depondo contra a história que a própria Naughty Dog deseja contar neste momento.

Surgem, então, elementos que, se colocados de outra forma, não soariam como tal. No longo segmento reverso, fica um sentimento de que a Naughty Dog está alongando trechos desnecessários para o andamento da trama e ampliando artificialmente a duração de The Last of Us Part II. Novamente, o que o jogador quer saber não é o que está sendo contado naquele momento, o que gera um desinteresse amplo por temas bastante necessários como preconceito, fanatismo, companheirismo e, como nos momentos com Ellie, escolhas erradas que levam a resultados desesperadores.

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Onde havia uma certa normalidade, agora há deslocamento. O ódio é nutrido pelas duas faces dessa moeda e por motivos ironicamente semelhantes, mas a verdade é que o outro lado vem em um momento nada oportuno. Falsas simetrias e até mesmo uma tentativa de gerar empatia pelo contraditório se perdem nesse meio, com o encontro derradeiro de forças acabando por perder potência, ainda que suas imagens sejam absolutamente marcantes e horrivelmente violentas.

O trabalho de ligar os pontos é feito com precisão pela Naughty Dog, que cria paralelos com a própria história e elementos muitas vezes secundários do primeiro game, que ganham contornos mais fortes neste segundo. A busca pela normalidade, que vimos no começo, é completamente dilacerada, e se alguém ainda tinha esperança quanto à existência de inocência e bondade nesse mundo, essa ideia também é totalmente abandonada.

Ou não, já que isso, por si só, também é um dos questionamentos. Até que ponto vale a pena seguir em prol de uma ideia ou motivação e como diferenciar uma necessidade por justiça de obstinação? E, acima de tudo, quando é hora de parar, abrir mão das coisas e preservar o que foi obtido?

A Naughty Dog sabe as respostas, mas prefere que você mesmo tire suas conclusões no game mais profundo, complexo e belo já criado pela empresa. The Last of Us Part II é uma obra digna do legado do primeiro game, ainda que apresente falhas notáveis em seu aspecto mais importante. Uma jornada complexa e cheia de discursos, mas completamente focada no que há de mais sombrio dentro de nós mesmos, em um encontro que não sabíamos ser tão necessário.

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The Last of Us Part II foi analisado em cópia digital gentilmente cedida ao Canaltech pela Sony.