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Criador de Streets of Rage 4 conta como convenceu Sega a fazer sequência

Por| 04 de Maio de 2020 às 12h12

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Dotemu
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Cyrille Imbert é um amante dos games. Principalmente de séries mais antigas, da época de arcades e consoles 8 e 16 bits. Ele é CEO da DotEmu, empresa especilista em nova roupagem para clássicos antigos.

A empresa lançou, em 2017, Wonderboy: The Dragon's Trap, uma releitura do game da década de 1990. O trabalho foi um sucesso de crítica e deu a Imbert a coragem de pedir algo mais ambicioso à SEGA: Streets of Rage 4. O jogo foi lançado no último dia 30 de abril para PlayStation 4, Xbox One, PC e Switch, mostrando mais um bom trabalho da empresa.

Em entrevista exclusiva ao Canaltech, Imbert falou sobre como convenceu a companhia a entregar uma das suas principais franquias em suas mãos. Ele também revelou detalhes de desenvolvimento, como descobrir em documentos antigos ideias não-aplicadas nos três primeiros Streets of Rage, além de falar sobre a dificuldade de inovar e manter os pontos mais amados pelos fãs. Por fim, Imbert falou sobre um dos pontos mais polêmicos: o processo de design da personagem Blaze, que pode ser interpretada como sexualizada em um game de 2020.

Leia mais: Análise | Streets of Rage 4 acerta em tudo que faz de novo

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Canaltech (CT): Por quanto tempo vocês têm desenvolvido este jogo e de onde vem essa ideia de fazer um novo game de Streets of Rage?

Cyrille Imbert (CI): Foi dois anos e meio atrás, quando eu falei pela primeira disso com eles [Sega]. Basicamente, começou logo depois de Wonderboy: The Dragon's Trap, um jogo que lançamos em 2017. Na festa de lançamento, eu já tinha a ideia de um novo projeto e realmente queria fazer algo maior que Wonderboy. No caso, já saiba que era Streets of Rage. Por conta de Wonderboy, nós nos aproximamos bastante da Sega. Aí, pensei: "ok, talvez seja uma boa hora. Eles viram do que somos capazes, mesmo sem estar diretamente em contato com eles. Talvez possamos trabalhar diretamente com eles desta vez". Então, nesta festa de lançamento eu disse ao Ben [Fiquet, diretor de arte e cofundador da Lizard Cube]: "estou pensando em falar com a Sega para fazer o novo Streets of Rage. Não tenho um time ainda, tenho só uma ideia. Você estaria interessado?". Ele, então, sorriu e me mostrou em seu smartphone alguns desenhos de personagens de Streets of Rage que ele já tinha até feito. Claro que ele me disse sim.

Depois disso, a gente partiu para o time para programação, pois um parceiro de Ben tinha sido o programador no Wonderboy, mas foi trabalhar em outra coisa. Falamos também com o nosso game designer na DotEmu, que era fundador da Guard Crush, uma empresa focada só em beat' em ups. Eles são grandes nerds amantes de beat' em ups, sabem tudo sobre isso e sabia que eles fariam um trabalho muito bom. Então, começamos a desenhar este time e montar a apresentação.

Eu fui para Tóquio para falar com a Sega. Eu sabia que era uma tentativa pouco provável, pois é uma franquia importante deles e também para nós. Houve muitas tentativas de muita gente no passado, sem sucesso. Eu fui meio no "vamos tentar, já tivemos sucesso com jogos deles". Eu sabia que poderia rolar. Comecei a apresentar o projeto para eles e, talvez por conta do sucesso com Wonderboy ou pelo fato de eles verem que a gente trata com muito carinho IPs, rolou. Junte aí também que Sonic Mania estava bem em alta. Tivemos sorte e o pessoal da Sega nos apoiou bastante. Tanto que três semanas depois tivemos a aprovação para começar os trabalhos. Ou seja, começamos a trabalhar nele no comecinho de 2018.

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CT: Somente dois anos e meio, parece pouco para um jogo como esse. Bom, este é um jogo em beat' em up e a gente sabe que se trata de um gênero não muito popular atualmente. Sem muitos novos títulos hoje em dia. Qual é o desafio de fazer um jogo deste em 2020?

CI: É verdade que não estamos falando do gênero mais popular, mas eu acho que a razão disso é que ele pode ser bastante repetitivo. Então, é preciso achar modos de compensar isso.

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CT: A repetição, aliás, é uma das características principais de um beat' em up, este estilo arcade...

CI: Completamente. Em termos de um jogo moderno, talvez, as pessoas queiram algo um pouco diferente. Jogos de arcade, no geral, têm sido menos populares nos últimos anos. Contudo, ele funciona muito para quem quer algo mais rápido, com seções mais rápidas, longe de um RPG de 70 horas. Eu gosto deles também, mas nem sempre tenho tempo. Então, amo jogos de pequenas seções. Acho também que a simplicidade e a diversão instantâneas dos arcades são coisas de que pessoas como eu também sentem falta.

Mas a dificuldade era: poderia ser um jogo difícil de apresentar para além dos fãs clássicos, mas teria que ter um nível de trabalho e modernização para ir além somente destes fãs. Pois, independente do jogo, ou do gênero, se um game é divertido, é divertido para todo mundo. Se todo mundo se diverte, tem uma grande chance de que, não importa seus gostos, referências ou experiência, outras pessoas gostem. Este era nosso objetivo. Fazer um jogo divertido, mas com o espírito de jogos clássicos em beat' em up. Que mostre que beat' em ups evoluíram, podem ser diferentes hoje, mas com a mesmo prazer simples de bater nos inimigos nas ruas, fazer bons combos e fazer isso de novo e novo com todos os personagens.

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CT: Como vocês balancearam isso? Pois, de um lado, temos jogadores que gostariam de uma experiência mais rápida; de outro, aqueles mais tradicionais que gostam daquele de 1990, com as mesmas características, estilo acarde. Como que vocês pesaram esses dois lados?

CI: Estamos acostumados com isso. A gente [DotEmu] só trabalha com IPs que são clássicas, sempre tentando encontrar este balanço. Quando falamos em remasters, é mais fácil. Mas, no caso de uma sequência, há vários e vários elementos para trazer aqui. Tem mais riscos. Se você é muito inovador, perde a base de fãs. Se você é muito conservador, perde os potenciais novos jogadores. É difícil balancear isso, com certeza, mas meio que tem que vir do coração, basicamente.

O time todo é, ao mesmo tempo, fãs de Streets of Rage, fã de jogos em beat' em up, mas também são todos jogadores modernos. Jogamos o que está sendo lançado. Temos uma experiência enorme em jogar diferentes jogos desde os indies aos AAA. Então, sabemos o que seria aceitável e o que seria percebido como um jogo moderno e misturamos um pouco de ambos.

Pode parecer um pouco egoísta, mas a gente também queria fazer um jogo que nos agradasse. Que não sentíssemos que fosse só uma versão atualizada dos jogos antigos, mas que fosse uma nova entrada para esta série tão amada.

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CT: Pelo que entendi, foram quatro times trabalhando no desenvolvimento do jogo. A DotEmu, Lizard Cube, Guard Crush Games e a Sega, correto?

CI: Mais ou menos. A Sega só licenciou para a gente. Eles não trabalharam com a gente diretamente.

CT: Como foi coordenar estes três times, que eu imagino que trabalham de forma muito diferente?

CI: A primeira coisa é que todos somos muito fãs da série. Isso é realmente importante para nós. Na DotEmu, sempre que vamos trabalhar em um novo projeto, desafiamos os times para saber se eles são realmente fãs dos projetos nos quais vão trabalhar.

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CT: Tem algum tipo de prova? Precisa responder a um questionário?

CI: [Risos] Não, não. É fácil de a gente saber. Não precisa fazer uma prova, não. Você conversa sobre o jogo e eles sempre falam umas coisas que você nunca escutou, ou coisas que só aquele pessoa muito fã sabe. Só de ver como eles se expressam sobre o jogo, já percebe se são fãs ou não.

CT: Pode dar um exemplo disso?

CI: No caso do Ben, como eu contei, foi fácil. Tipo, antes mesmo de eu comentar do projeto com ele, já tinha uns desenhos sobre personagens e tudo mais. Acho que é uma boa prova [Risos]. Algo que ele já tinha em mente há muito tempo.

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Para o pessoal da Guard Crush, quando falo com eles sobre jogos em beat' em up, eu não acho nem que exista algum beat' em up que eles não conheçam ou não jogaram. Eles conhecem TODOS. Tem aquele todo nichado sobre o qual você nunca ouviu falar? Eles já.

Eles também fizeram um jogo chamado Streets of Fury, no começo dos jogos indie no Xbox 360. E vêm trabalhando constantemente até hoje. Eles nunca abandonaram. Se eles amam um negócio, colocam o coração naquilo. Não teve um sucesso, mas eles também não se importam. Eles são muito dedicados a beat' em ups. Algo como uma paixão real. Meio que assim que eu percebi que este time iria se dar bem. Então não foi complicado fazê-los trabalhar juntos.

Tudo era muito bem dividido, toda direção de arte com a Lizard Cube. Como é o expertise deles, bastava confiar no trabalho. A Guard Crush já tinha uma engine para beat' em ups, que é a mesma de Streets of Fury, a qual melhoramos para Streets of Rage 4. Assim, eles tinham toda experiência para dar conta de toda programação de gameplay. E tem o Jordi [Asensio], fundador da Guard Crush que também trabalha para a DotEmu e especialista em beat' em ups e jogos de luta.

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Então, tudo estava tudo bem dividido: a gente como game designer, a Guard Crush para programação e a Lizard Cube com a direção artística. Não tinha conflitos nisso. Às vezes, havia dúvidas, mas bem raro, pois como somos todos fãs, as respostas também eram bem óbvias.

CT: Dá para ver que vocês trouxeram para o jogo muita coisa que não era possível fazer em 1990. Mas, o que eu quero saber é: tem alguma ideia que vocês abandonaram por não conseguir fazer aqui?

CI: Na verdade, não. Tudo que a gente queria colocar no jogo, a gente conseguiu. Podemos ter feito algo de modo mais simples, sem adicionar camadas, mecanismos ou exagerar sobre uma ideia. Só queríamos coisas simples, que fossem modernas, mas que coubessem no game. Por exemplo, não colocaríamos mecânicas de RPG só porque estão na moda, ou rogue-like.

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Sobre as limitações, como você citou, na primeira fase, que tem um carro que bate na parede. Esta era uma ideia dos criadores originais da franquia. Este efeito do carro batendo era algo que eles queriam fazer em Streets of Rage 2. Entretanto, eles não conseguiram por limitações do Mega Drive. A gente viu isso nos documentos de design do Streets of Rage 2 e falamos: 'vamos colocar isso aqui. Eles não podiam fazer isso naquela época, mas podemos hoje'. Colocamos várias coisinhas assim pelo jogo.

CT: Eu queria falar sobre design de personagens. Um tema que eu acho que pode ser mais polêmico aqui, principalmente o desenho das personagens femininas. Por um lado tem os novatos, como a Cherry, uma adolescente com uma guitarra maneira nas costas, com roupas que refletem isso. Contudo, do outro lado, a gente tem de novo a Blaze antiquada, lutando com roupas muito curtas para isso. Atualmente, temos um debate sobre a representação feminina nos games. Vocês chegaram a conversar sobre isso? Se sim, por que foram por este caminho?

CI: Acredito que a pessoa que pode melhor responder isso é o Ben, da Lizard Cube. Contudo, a gente falou um pouco sobre isso nos vídeos divulgados no PlayStation Blog, sobre como fazer estes diferentes personagens, especificamente sobre a Blaze. Basicamente, você está correto, este é um debate que, de fato, tivemos internamente. Nos primeiros desenhos que estão nos extras do jogo...

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CT: Aqueles em que a Blaze está com as jaquetas nos ombros, certo?

CI: Isso. Havia diferentes ideias de design, mas o Ben já tinha criado o design da Blaze, de como seria. Em certo momento, ele terminou o design dos personagens e nos pediu um feedback. De cara, como fãs, não pensamos no fato de que pode ser um pouco antiquado representar uma mulher com roupas tão curtas, pois para nós é só a Blaze. Nós não vemos como um personagem icônico de nossa infância. Ela está de vermelho, com a saia dela, é descolada e tem essa pose. Não pensamos exatamente em toda sexualização, pois quando eramos crianças, não pensávamos nisso.

Nós não questionamos isso [no feedback]. Eu penso que, para nós, era importante sentir que era a Blaze. Que era a escolha do Ben fazê-la desta forma e eu não acho que ela é super-sexualizada também. Acho que ela é bem sexy, claro, mas ela não é uma menina sexy boba, sabe? Ela é, na verdade, uma investigadora nata, ela dança, mas também luta contra o crime nas ruas, ela luta judô, é super-forte. Ok, ela é sexy, mas tudo bem também ser sexy, eu acho...

CT: Sim, não tem problema com ser sexy, mas me parece que não seria a roupa que ela escolheria para brigar contra os inimigos na rua. Aliás, ela luta judô...

CI: Claro, claro. Mas existe um legado de outros jogos. Com a Blaze, fomos neste caminho e eu realmente gostei do design final dela. Entretanto, eu entendo que as pessoas possam questionar isso. Mas, novamente, é mais sobre uma visão de fã do que pensar em como modernizá-la. No fim, ela ainda é bem diferente, ela tem essa jaqueta de couro que você pode ver nos desenhos originais. É um misto de legado e modernidade.

É difícil fazer algo completamente diferente e os fãs sentirem: 'não é a Blaze mais'. É uma decisão artística. Então, sim, tivemos um debate internamente sobre isso e resolvemos por este caminho.

CT: Eu joguei com alguns personagens desbloqueáveis. Com os dos jogos passados, que estão em pixel art e que meio que não "combinam" com o estilo de Streets of Rage 4. É divertido, mas estranho ao mesmo tempo. Eles tão em pixel art, com movimentos limitados, não tem movimentos especiais. Vocês não pensaram em adaptar isso? Pois é meio estranho jogar com eles...

CI: Como eu contei no início, a Guard Crush tinha sua própria engine. Antes mesmo de começar a produção, eles fizeram umas modificações, mas já tava lá. Meio que, por conta disso, em dois meses a gente já tinha uma versão jogável dele. Mas naquela época o Ben ainda não tinha nada pronto de arte, com todos os personagens, claro. Só que a gente tinha os sprites dos games originais e usávamos como substitutos para testar mudanças de estilos e gameplay na engine,

Em certo momento, os times acharam muito maneiro. Mesmo ele estando em pixel art e não combinando com o resto. Então começamos a cogitar em pôr no jogo final e todo mundo ficou: 'poxa, se tivéssemos tempo de fazer isso, seria super legal'.

Mas isso era um grande trabalho. Como eu disse, o game designer teve que tentar manter a essência do jogo original, você sentir que são os mesmos personagens. Ao mesmo tempo, se eles mantivessem somente os mesmos movimentos isso não seria bom. São estranhos, não funcionam, como você disse, em Streets of Rage 4.

CT: Os personagens em pixel art não são exatamente os melhores de jogar, como os principais, para fazer aquela pontuação perfeita, mas é divertido.

CI: Exatamente, esse é divertido. Se você é um grande fã desses personagens, pode jogar com eles ainda. Sentir uma nostalgia. No caso de Streets of Rage 2 e 3, a gente teve que inventar novos movimentos. Os personagens do primeiro ainda têm o especial da estrela. No caso do 2 e do 3, eles não tinham um especial desses. Então, tivemos de criar isso. Quando você joga com Shiva, um dos últimos a ser aberto, você usa o especial e dá dois golpes mais fortes, por exemplo,

Para todas essas coisas, o game designer tinha que pensar em como adaptar da melhor forma para Streets of Rage 4. Penso que, no final, isso exigiu um milhão de imagens para conseguir calibrar de forma correta nesta game, frame por frame, sprite por sprite. Mesmo só para estas poucas adições, foi muito trabalho, mas valeu a pena. A gente se divertiu muito com isso, já mesmo fazendo capturas para trailer. foram boas risadas.

Uma coisa que é legal também é que, se você vai fizer o multiplayer local em até 4 pessoas, pode jogar com quatro Axels: dos Streets 1, 2, 3 e 4. É divertido. Estúpido, mas divertido. Ou, pode jogar com toda a família Hunter. Todos os três, de diferentes jogos, mas juntos. A mesma coisa no modo batalha e ver quem é o mais poderoso, os Axel do 1 ou do 2. É sempre divertido fazer este tipo de coisa que, pode não se encaixar completamente no jogo, mas garante a diversão. Então decidimos: "Por que, não?".

CT: Bom, chegamos ao fim aqui. Tem algo mais que você gostaria de dizer que não lhe perguntei?

CI: Gostaria só de pedir a atenção dos jogadores também para a música. Da forma que ela muda pelo jogo. Ver os artistas nos créditos, ver o que eles fizeram. É melhor fazer isso depois da primeira vez que terminar para entender o que cada um fez. A gente teve um trabalho duro para fazer as músicas terem uma harmonia entre elas, mas ainda com traços diferentes entre si, diferentes estilos.

A música é bastante importante para nós e queríamos que as pessoas as ouvissem como se fosse um disco mesmo. Todas as fases são uma faixa. Cada chefe é uma faixa. É como álbum interativo e isso era bem importante para nós. É por isso que trabalhamos com o Olivier Deriviere [compositor principal] em grande parte das fases. Pois ele realmente entende a relação entre gameplay e música muito bem. Ele conhece as ferramentas corretas para fazer isso da melhor forma. Para soar completamente natural.

Eu realmente espero que as pessoas aproveitem isso também.