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Análise | Battlefield V volta à Segunda Guerra, diverte e tropica na História

Por| 29 de Novembro de 2018 às 12h05

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Electronic Arts
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Quase todos os anos, as duas maiores franquias de FPS lutam entre si pela preferência dos jogadores. De um lado, Call of Duty aposta numa fórmula feroz que traz novos títulos aos videogames e PC todo santo ano; do outro, Battlefield vem num ritmo mais cadenciado, com lançamentos mais espaçados e mais tempo para investir em melhorias e polimentos.

E 2018 é mais um ano em que dois novos jogos das séries chegam para o público. Porém, se CoD Black Ops 4 chutou o pau da barraca e arriscou tudo no multiplayer, Battlefield V resolveu abraçar todos os tipos de jogadores oferecendo diversos modos de gameplay, tanto single quanto multiplayer.

Retorno às origens

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Depois de uma incursão pela Primeira Guerra Mundial em Battlefield 1 e passar anos apostando em conflitos civis, urbanas e futuristas, a Electronic Arts voltou seu olhar para o passado e retornou às origens da série. Em 2002, Battlefield 1942 encantou por reproduzir à exatidão a Segunda Guerra Mundial. Agora, 16 anos depois, é hora de fazer isso novamente, mas numa escala ainda maior.

Battlefield V reconstrói os campos de batalha do maior conflito armado que a humanidade já testemunhou com uma qualidade técnica impecável. Como deveria ser, os gráficos são os melhores da série até aqui e transportam os jogadores para o front de batalha para vivenciar toda a agonia, o desespero e horror do confronto. No norte da África, as cores quentes ajudam a dar noção do clima árido predominante na região. Ao olhar para o horizonte distante, é possível até mesmo ver o ar "fervendo", como se fosse uma miragem em meio às construções destruídas pelos caças colocados ali pelos nazistas.

As praias do sul da França, por outro lado, apresentam terreno eslamaçado e são cercadas por florestas com árvores de copas avermelhadas que deixam passar algumas frestas de luz. A ambientação é, até certo ponto, aconchegante, não fossem as edificações, artilharias pesadas e blindados alemães que ensurdecem qualquer um com munição pesada disparada para lá e para cá.

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O ponto alto, porém, são os mapas da Noruega. Não bastassem os nazistas, aqui a escuridão e a temperatura atuam como inimigos hostis e improváveis, exigindo que você fique atento para não ser surpreendido e tome cuidado para, literalmente, não morrer de frio. A neve batendo na canela e as longas noites cheias de vento exigem que o jogador esteja ciente de onde estão as fogueiras e fontes de calor mais próximas, o que pode determinar o sucesso ou o fracasso da missão.

Fora os gráficos, também cabe destacar o trabalho da DICE no que diz respeito a trilha e efeitos sonoros. A composição musical não só dá o tom do conflito, recriando canções da época, sejam elas alemães, inglesas, francesas ou africanas, como também contribui para criar o clima de tensão numa escalada de urgência que faz o jogador saber que está próximo de seu objetivo, do inimigo ou em uma situação de risco. Os efeitos sonoros, por sua vez, são de uma qualidade absurda, reproduzindo desde o barulho e cadência de disparo de cada uma das armas utilizadas na Segunda Guerra ao som ensurdecedor e apavorante dos blindados ou da artilharia aérea se aproximando do campo de batalha.

É o tipo de cuidado que faz os olhos e ouvidos de quem é fã do gênero sorrirem e que contribui de maneira decisiva para não só construir o ambiente da guerra, mas sobretudo fazer o jogador ficar imerso ali e esquecer de toda a realidade que o cerca no dia a dia.

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Uma ode à História, mas com ressalvas

Outro quesito de Battlefield V que chama a atenção é, sem dúvidas, seu modo single player. Muito disso, claro, tem a ver com o fato de a Activision ter esnobado a campanha para um jogador em Black Ops 4, mas a EA e a DICE foram competentes o suficiente para fazer uma ode à história — ou quase isso.

Batizado de "Histórias de Guerra", o formato de jogo de Battlefield 1 retorna à Battlefield V com quatro capítulos distintos, cada um contando pedaços da Segunda Guerra sob perspectivas diferentes. Porém, aqui não vemos as praias da Normandia durante a invasão aliada no Dia D, tampouco a Batalha das Ardenas ou qualquer outro conflito que ficou famoso por já ter sido explorado à exaustidão por documentários, filmes ou outros jogos. Em vez disso, o título joga luzes sobre fronts tão pouco conhecidos que normalmente sequer aparecem nos livros de História.

Porém, o que vemos em "Histórias de Guerra" é quase um revisionismo histórico com vários erros e imprecisões espalhados pelo caminho. No primeiro capítulo, chamada de "Por Conta Própria", estamos na pele de Billy Bridger, um prisioneiro que foi recrutado para a SBE, uma unidade especial das Forças Armadas do Reino Unido criada para se infiltrar nas linhas inimigas e executar seus objetivos rapidamente e sem deixar rastros. Até aí, tudo bem. O problema é a imprecisão histórica dos poucos parágrafos de Battlefield V sobre o assunto. O jogo afirma que a SBE foi criada a mando de Winston Churchill em 1942 para "transformar a maneira de guerrear", fazendo "investidas relâmpago de sangue e terror". Por isso, diz o jogo, os melhores soldados para esse grupo seriam pessoas que não teriam nada a perder, como "encrenqueiros, assassinos e criminosos".

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São vários os problemas com essas informações. Antes de tudo, a SBE foi criada em 1940 pelo soldado da Marinha Britânica Roger Courtney. Ao contrário do que Battlefield V faz parecer, o seleto grupo de combatentes (dizem que apenas 100 deles atuaram durante a Segunda Guerra) chamados para a unidade eram altamente treinados e nem de longe eram ex-detentos ou criminosos. Justamente pela rigorosa preparação, eles iam para o campo de batalha sem comandantes, podendo atuar quase que autonomamente para cumprir seus objetivos. Ao término, eram rapidamente recolhidos e uma equipe especial entrava em ação para apagar seus rastros. E a chamada "investida relâmpago" para transformar a maneira de guerrear" citada pelo jogo não foi criada pelos ingleses, mas sim pelo general alemão Erich von Manstein. Batizada de Blitzkrieg, a manobra permitiu aos nazistas avançarem e dominarem toda a Europa Ocidental, que ficou desorientada com a rapidez e ferocidade das investidas das tropas alemães.

Mesmo com essas inconsistências, "Por Conta Própria" não incomoda tanto quanto "Nordlys", segundo capítulo da campanha single player. Interessante notar que antes mesmo de Battlefield V ter sido lançado, este capítulo causou polêmica por trazer uma combatente mulher como protagonista. E esse bafafá todo tem um porquê que pode ser explicado historicamente, mas jamais por misoginia ou preconceito. Numa Noruega ocupada há três anos pelos nazistas, estamos na pele da jovem Solveig. Membro da resistência local, ela tenta resgatar a mãe ao mesmo tempo em que tenta impedir que um carregamento de água pesada produzido em uma usina hidrelétrica seja exportado para a Alemanha.

O ato de heroísmo e sacrifício é uma óbvia alusão aos anos de luta da população nórdica à ocupação alemã, porém o erro de Battlefield V é colocar a garota de apenas 18 anos como pivô de uma operação secreta que ficou conhecida como Guerra da Água Pesada. De fato a Noruega não era um país tão atraente para os alemães, não até eles descobrirem a usina de Vemork. Ela era a única instalação do mundo capaz de produzir a chamada água pesada, composto químico muito eficiente na absorção de nêutrons e ideal para a produção da bomba atômica, que já estava no radar de Hitler muito antes de no dos norte-americanos.

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Os Aliados descobriram o plano e montaram duas operações secretas compostas por nove jovens e um cientista — e nenhum militar. Entre idas e vindas e vários percalços, a missão levou cerca de três meses para ser concluída, com os grupos conseguindo sabotar os planos alemães com sucesso. A frustração de Hitler foi tamanha que ele desistiu de financiar qualquer projeto que demorasse mais de seis meses para ficar pronto — e assim abandonou seu programa nuclear. A perspicácia da operação, inclusive, é muito bem retratada pela ótima série Kampen om Tungtvanne.

Depois de toda essa explicação, a História deixa claro que nenhuma Solveig teve qualquer participação na Guerra da Água Pesada de sabotagem aos nazistas na Noruega. Muitas delas, porém, devem mesmo ter feito parte da resistência, pegado em armas e encurralado alemães durante a quase meia década que o país ficou ocupado. Da forma como Battlefield V retrata, todavia, realmente nunca aconteceu, fazendo desse um capítulo de revisionismo histórico, com pouquíssimos pedaços de background histórico.

Finalmente, "Tirailleur", o terceiro e último capítulo disponível até o dia de produção desta análise (o quarto, chamado "O Último Tiger", chega em 4 de dezembro), é a mais consistente das histórias de Battlefield V. Na pele de Deme Cisse, acompanhamos a chegada de tropas do Senegal, àquela época colônia da França, à Provença. Sua missão é libertar um país que você sequer conhece das garras da Alemanha Nazista.

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A trama é carregada e emocionante, despontando facilmente como a mais bem produzida do jogo. O termo tirailleur, que significa "atirador", era utilizado jocosamente pelos soldados franceses para se referir às tropas coloniais da França. Tidos como inferiores, eles não eram reconhecidos como soldados, embora tenham exercido um papel crucial na chamada Operação Dragão de libertação do sudoeste do país europeu. Às custas de cerca de 25 mil vidas, os senegaleses fizeram o serviço que os franceses não conseguiram, forçando tropas alemãs a recuarem para a Itália. Ao término da missão, eles rapidamente foram substituídos por soldados brancos franceses e os méritos foram todos dados ao general Charles de Gaulle. Somente em 2010 os serviços dos tirailleurs senegaleses foram reconhecidos oficialmente pela França, que lhes concedeu aposentadoria militar. Em 2017, François Hollande deu cidadania francesa aos 28 atiradores africanos remanescentes da guerra.

A escolha das histórias de Battlefield V é muito interessante e curiosa, mas a liberdade histórica exacerbada que a DICE tomou para produzir e conduzi-las incomoda quem é mais antenado na Segunda Guerra Mundial. Como entretenimento, essa liberdade funciona muito bem e não compromete o jogo; historicamente, torna as histórias rasas em alguns aspectos e pode levar algumas pessoas a acreditarem que faltou tempo de pesquisa e dedicação.

Diversão de verdade é no multiplayer

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Se no single player Battlefield V tropeça, no multiplayer o jogo se solta e mostra de verdade a que veio. Ao todo, são seis modos diferentes (Conquista, Cada Equipe por Si, Ruptura, Linhas de Frente, Dominação e Operações Grandiosas) para jogar em grupos de até 64 jogadores simultâneos, com alguns deles envolvendo captura de bandeiras, disputa de território e confrontos diretos.

O grande destaque aqui é o Operações Grandiosas, uma evolução do Operações de Battlefield 1 que mistura a captura de pontos no mapa com algumas missões para simular um combate real ao longo de quatro dias. Todas as locações são aleatórias e mudam conforme o seu desempenho nas batalhas anteriores, o que confere um dinamismo e fator replay que me fez sempre querer voltar para melhorar.

Quem não quer se comprometer por tantos dias assim, pode optar pelo Cada Equipe por Si. Uma espécie de quickplay do modo multiplayer, aqui você entra nos servidores de Battlefield V como um soldado de um dos quatro pelotões dos Aliados ou do Eixo, totalizando 32 jogadores em um dos oitos mapas em partidas que duram no máximo 15 minutos. Pelo ritmo frenético, é fácil perder a noção do tempo e emendar várias partidas consecutivas noite adentro.

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Outra coisa legal é que Battlefield V não tem Season Pass e todas as personalizações são apenas cosméticas. Isso significa que você não tem de pagar para aprimorar seu personagem e todos os jogadores estão nivelados apenas por seu nível de habilidade no game. Dependendo de seu desempenho e do seu bolso, você ganha ou compra moedas virtuais e pode usá-las para mudar a aparência do seu pelotão e de suas armas, alterando a cor, mira, cano, ferrolho e outras características.

A grande quantidade de modos multiplayer torna Battlefield V atraente para praticamente todo tipo de jogador — dos mais casuais àqueles que querem uma experiência mais imersiva com amigos online. O único contraponto é que durante os testes para esta análise os servidores do Xbox One muitas vezes estavam vazios, o que gerava longos períodos de espera em busca de uma partida ou a entrada em mapas sem qualquer jogador. Também não conseguimos acessar servidores gringos para começar a jogar, mesmo sacrificando o ping. Não sabemos se esse é um problema específico do Xbox One ou que também atinge o PlayStation 4 e PC, mas fica aí o alerta.

Pode, e deve, ficar melhor

No fim das contas, Battlefield V é um FPS muito divertido e bonito. Os dois anos entre os lançamentos da série são um ponto positivo e permitem que a DICE e a EA façam polimentos técnicos que deixam o jogo mais bonito, sem aquela cara de "mais do mesmo" que vimos, por exemplo, em FIFA 19. Os cenários de guerra retratados aqui são incríveis, muito bem modelados e com efeitos visuais e sonoros de fazerem o queixo cair. Ver os prédios, aviões, tanques e outros veículos virando pó diante de nossos olhos é outro atrativo a parte, há anos marca registrada da franquia.

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Para quem busca, pura e simplesmente, por diversão, seja ela sozinho ou com os amigos, encontrará um game na medida certa e que certamente ficará maior e melhor. É que, apesar da diversidade de modos multiplayer e dos capítulos do "Histórias de Guerra", Battlefield V ainda tem muito conteúdo para ser liberado. Eles começam a chegar no dia 4 de dezembro, quando mais uma história do modo single player será liberado. Com ele, também chegam os modos de Treinamento e o clássico Rush no multiplayer. Finalmente, em março de 2019, Fogo Cruzado, o modo Battle Royale, será lançado na última grande adição prevista para o game.

Vale ressaltar que todas essas adições serão gratuitas, mas certamente sairão mais caras para quem comprou o jogo antecipadamente ou no lançamento — afinal, a tendência é que até março ele já tenha seu valor de etiqueta reduzido.

Seja como for, pelo menos a EA não cometeu com Battlefield V o vexame que passou com Star Wars: Battlefront II. Este novo capítulo da franquia de FPS tem qualidade. E mesmo tendo utilizado a liberdade histórica em demasia no modo single player, ele é honesto e promete ficar maior e melhor com os conteúdos que estão vindo aí.

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Battlefield V está disponível para PC, PlayStation 4 e Xbox One. No Canaltech, o jogo foi analisado no Xbox One X com cópia gentilmente cedida pela Electronic Arts.