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A Twitch vai perder a liderança de lives no Brasil?

Por| Editado por Bruna Penilhas | 01 de Julho de 2022 às 14h00

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Montagem/Felipe Goldenboy/Canaltech
Montagem/Felipe Goldenboy/Canaltech

O ex-atleta profissional de Free Fire Nobru trocou a Twitch pelo YouTube. O influenciador firmou um contrato de lives exclusivas na plataforma, divulgado na última terça-feira (28). Esse anúncio pode abalar o mercado de livestreams de jogos, hoje dominado pela Twitch e rodeado por plataformas menores como Facebook Gaming, Trovo, Booyah! e TikTok.

Hoje, se você deseja assistir a uma live, provavelmente irá acessar a Twitch. É lá que estão as gameplays do Alanzoka e do Coringa, os reacts do Casimiro, os campeonatos do Gaules e mais. E também é onde estão alguns streamers menores, que tentam, diariamente, serem descobertos por outras pessoas e obterem algum dinheiro extra.

A tendência, entretanto, é que isso mude: nos Estados Unidos, por exemplo, grandes nomes já trocam a Twitch pelo YouTube, como Ludwig — que quebrou o recorde de inscrições na "roxinha" —, TimTheTatMan e Valkyrae. O motivo para a troca costuma ser o mesmo: os streamers querem cumprir menos horas de lives para dedicar mais tempo à família e à criação de outros conteúdos. E a Twitch também não é mais a plataforma dos sonhos.

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“As pessoas me chamam de ‘menino de ouro’ da Twitch, mas eu nunca me senti assim. [...] Eu amo a Twitch, mas não é uma via de mão dupla”, disse Ludwig em um vídeo no YouTube. Assista (em inglês):

Aqui no Brasil, Nobru é o primeiro brasileiro desta nova leva a fechar um contrato de lives com o YouTube. Antes, ele costumava transmitir na Twitch gameplays e até seu campeonato próprio, a Copa Nobru. Estes conteúdos farão parte do rol do YouTube Gaming a partir de agora. Em comunicado oficial, o influenciador afirmou o seguinte:

“O Youtube foi onde comecei, e entre 1 ano, 1 ano e meio, as minhas lives já tinham mais de 100 mil pessoas por dia. Desde então, eu sempre usei o Youtube para diversificar os meus conteúdos, porque é a plataforma que me permite fazer produções além do segmento de e-sports. Vale lembrar também que sempre priorizei o Youtube na minha trajetória e hoje é muito bom voltar para casa.”
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Mas qual o problema com a Twitch?

O problema é que está cada vez mais difícil streamar na Twitch. Em 2021, a plataforma anunciou uma mudança no valor dos subs e dos bits, tentando “localizá-los” com a realidade local. O exemplo dado pela empresa, na época, foi o preço de um Big Mac. Os subs pagos, que antes custavam R$ 22,90, passaram a sair por R$ 7,90. A expectativa era que os espectadores apoiassem mais criadores com a redução do valor e, consequentemente, os criadores ganhassem mais dinheiro.

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Não foi o que aconteceu. Streamers pequenos e médios viram seus lucros — que já não eram expressivos — despencarem pela metade. Alguns até tentaram driblar as medidas com lives com tela preta ou dormindo. Porém, o sentimento geral é de descontentamento. Muitos desistiram da plataforma e voltaram a empregos tradicionais; outros continuam lá, tentando ser descobertos em um oceano dominado por tubarões.

Do outro lado, os espectadores também sentem que algo está mudando. Ou melhor, eles veem: a quantidade de anúncios na plataforma aumentou drasticamente, e é comum se deparar com intervalos comerciais de 6 propagandas de 30 segundos ininterruptos; isso sem mencionar os banners que surgem no canto inferior. Os inscritos, que ficavam imunes à propaganda, também passaram a ver alguns comerciais às vezes.

Resumo da história: os streamers ganham menos, e o público vê mais propaganda. A conta não fecha.

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Na época, a Twitch afirmava que avaliaria os impactos da mudança, e estaria disposta a retroceder caso a recepção fosse negativa. Hoje, a plataforma não fala nada — o Canaltech tentou contato com a empresa mais de uma vez, mas não obteve retorno.

E pode piorar: uma reportagem da Bloomberg de abril de 2022 apurou que a Twitch estuda reformular seu sistema de parceria ainda neste ano. Entre as mudanças, estão o incentivo para ainda mais propagandas e a diminuição dos valores repassados aos parceiros, de 70% para 50% (o mesmo repasse de afiliados). Isso refletiria a visão de futuro da Amazon, que comprou a Twitch em 2014: buscar sustentabilidade financeira, não mais a popularização da plataforma.

O YouTube de volta ao jogo

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O YouTube já teve uma plataforma dedicada a games em 2015, chamada YouTube Gaming. Na época, os vídeos de jogos foram “transferidos” do site principal para um secundário, criando-se um hub para quem quisesse consumir este tipo de conteúdo. O problema é que a maioria do público, simplesmente, não visitava este hub. Em 2018, ela chegou ao fim.

Na visão de Douglas Rodrigues, gerente de parcerias estratégias de gaming do YouTube, esse passado não irá atrapalhar os novos planos da plataforma. Em entrevista ao Canaltech, ele afirmou que “gaming é extremamente relevante no YouTube”. E complementou: “É óbvio que existem desafios, e nós precisamos trabalhar com a comunidade, mostrar os produtos, os potenciais. Ainda há muito trabalho para ser feito, mas estamos caminhando para desenvolver a vertical de gaming”.

Não, o YouTube não é o primeiro nome que vêm à nossa cabeça quando o assunto é lives, e eles sabem disso. “Existe uma percepção do público, e nós, localmente, estamos trabalhando para educar o público e aumentar a nossa exposição. Trazer a visão de que lives são um dos formatos que o público pode consumir na plataforma.” Quando conversamos, o YouTube ainda não havia anunciado Nobru como um de seus influenciadores, mas a contratação, com certeza, faz parte desse trabalho.

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“Queremos que nossos criadores sejam multiformato. Numa hora, ele pode estar fazendo uma live, depois com um VOD, um Shorts (vídeos verticais curtos, como TikToks)… existe muito potencial para o YouTube neste mercado e possibilidades de intersecção”, diz Rodrigues. “O criador não precisa focar apenas em lives — exceto se esse for o objetivo dele.”

Outra parte que o YouTube está trabalhando também é na criação de uma cultura de lives. Por isso, a plataforma anunciou há alguns meses recursos como redirects (o equivalente a raids/ganks na Twitch) e as assinaturas de presente (os gift subs). “Estamos investindo em lives, trazendo melhorias na moderação, na interação e na monetização das lives. Não posso revelar no que estamos desenvolvendo, mas imagino que seguiremos evoluindo o formato”, disse Douglas.

Abram alas para o TikTok

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O TikTok é um sucesso avassalador. Não à toa, seu formato de vídeos verticais curtos foram reproduzidos por quase todos os concorrentes — incluindo o YouTube. Agora, eles também estão se movimentando para abocanhar o mercado de games.

Desde dezembro de 2021, a plataforma testa um programa chamado TikTok Live Studio, cujo objetivo é permitir a transmissão ao vivo de gameplays — o TikTok já possui um recurso de lives, mas ele é restrito a celulares. A plataforma também busca manter um contato mais próximo com os criadores através de um servidor oficial no Discord, aberto a todos, no qual funcionários da empresa dão dicas e orientam os streamers a criar conteúdo na plataforma.

“O universo de games tem sido um dos grandes pilares estratégicos do TikTok”, disse Ronaldo Marques, Head de Parcerias de Conteúdo do TikTok Brasil, em entrevista por e-mail. “As lives chegam para somar a esse conteúdo já tão diverso e unem ainda mais a comunidade de gamers na plataforma, que tem a capacidade única de transformar algo pequeno em movimentos muito maiores."

Mas, convenhamos, o TikTok é uma plataforma rápida. Um vídeo de 50 segundos no app já é um vídeo longo. Como a empresa pretende reter usuários tão acostumados a rolar a tela em uma live, que costuma durar, no mínimo, duas horas? Isto foi o que Marques respondeu:

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“O TikTok conta com a criatividade e o poder de engajamento de suas comunidades, e observamos esse senso de participação tanto em nossos vídeos curtos, seja por meio de compartilhamentos, seja pelos nossos desafios, quanto em nossas lives. Temos muitos recursos que proporcionam a manutenção de nossos usuários em lives, mas, acima de tudo, somos mais de 1 bilhão de pessoas contribuindo e produzindo conteúdos diversificados sobre os mais variados temas, desde esportes, literatura, moda e culinária, entre tantos outros. Podemos assegurar que somos o destino sobre qualquer assunto, de forma leve, didática e divertida.”

Eu sou streamer. O que eu faço?

O mercado de lives passa por um turbilhão de incertezas, e os criadores de conteúdo precisam criar uma estratégia. Esta é a dica de Bryanna Nasck, streamer trans não-binária do Facebook Gaming. Na visão dela, "o poder está na mão dos criadores, e não das plataformas".

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A criadora acredita que, a partir de agora, haverá uma separação entre quem conseguirá avançar com a criação de conteúdo enquanto carreira e quem fará apenas por hobbie. "Não é fácil produzir conteúdo: é preciso perseverança e resiliência. Se eu tivesse feito apenas lives ao longo dos anos, minha carreira provavelmente teria acabado. É preciso diversificar o conteúdo, e não fazer um bilhão de horas de live por dia", apontou Bryanna em entrevista ao Canaltech. "Faça vídeos, faça TikToks, leve seu conteúdo para outros lugares."

Ela também diz que os streamers não podem se fazer reféns de uma plataforma. "A Twitch não é o único local possível para fazer lives. Se ela está falhando como intermediário, resta a nós buscarmos outras opções", afirma. Bryanna reclama que a Twitch "tem dois pesos e duas medidas", favorecendo os streamers grandes em detrimento dos pequenos, inclusive em denúncias de discursos de ódio e transfobia, por exemplo.

Nós perguntamos a Bryanna se estaríamos diante de um estrangulamento do cenário de lives. Afinal, com a popularização do streaming de jogos, a bolha estaria estourando agora? Na visão dela, o cenário está apenas começando. "Não acho que exista um saturamento de lives, porque os maiores streamers hoje são homens cisgêneros brancos. Precisamos de mais criadores pretos, PCDs (pessoas com deficiência), indígenas, LGBTQIA+, entre outros", pondera. "Existe talento — e diversidade — em todos os cantos possíveis."

Como estão as outras plataformas de lives

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Além da Twitch, do YouTube e do TikTok, existem outros players na área de games. O Facebook Gaming, por exemplo, foi lançado em 2018 com um elenco de peso, como Davy Jones, Diana Zambrozuski, Bruno Playhard (cofundador da LOUD), Gordox e mais. Hoje, há uma atenção especial a streamers da comunidade LGBTQIA+, como Samira Close, Wanessa Wolf, Malena e KamiKat. A plataforma também organiza anualmente um evento chamado Pride Gaming, sempre no mês de junho. Vários outros streamers, porém, já saíram do projeto e relataram cobranças excessivas por horas e audiência.

A Nimo TV acabou em abril deste ano. A empresa alegou que o motivo foi “questões internacionais”. Segundo relatos, o encerramento das atividades no Brasil pegou todos os seus usuários de surpresa. No mesmo mês, a plataforma fechou um contrato com Konnor Lobo, o “Lobinho” de GTA RP, que fazia lives na Twitch. A parceria durou pouco mais de uma semana.

A Booyah!, plataforma de streaming da Garena (criadora do Free Fire) também encerrou a maioria dos contratos com streamers, tanto pequenos quanto grandes. Segundo uma fonte que não quis se identificar, a rescisão do contrato ocorreu cerca de um mês após o anúncio formal, por e-mail. Procurada, a Garena afirmou o seguinte:

"A Garena continua a investir significativamente no Brasil e na introdução de novos recursos benéficos à nossa comunidade de streamers e jogadores. O time da BOOYAH! está focado em entregar novas features e serviços centrados na comunidade enquanto evolui estrategicamente para se adaptar à novas tendências da indústria de games. Alguns desses recursos têm como objetivo melhorar a maneira como engajamos nossas audiências e, portanto, podem afetar as parcerias com alguns streamers."

Já a Trovo é a mais recente plataforma de lives a chegar ao Brasil, embaixo do guarda-chuva da Tencent. Apesar de ser nanica em relação à concorrência, a plataforma tem um sistema de monetização interessante: o Trovo 500, que recompensa mensalmente streamers por horas assistidas. Ao participar do programa, o streamer é colocado em uma categoria: bronze, prata, ouro, platina, diamante ou mestre, sendo que cada categoria precisa cumprir uma meta mensal de horas de live.

Se você é streamer ou deseja começar a fazer lives, mas ainda está na dúvida de qual plataforma usar, a dica é experimentar. Assista a conteúdos nessas plataformas, interaja e descubra os recursos que ela pode ofecer. "Temos bastante opções, mas nenhuma é perfeita. Este é um mercado em desenvolvimento, e tudo pode mudar", conclui Bryanna.