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Retrato final: veja fotos do Observatório de Arecibo destruído

Por| 02 de Dezembro de 2020 às 18h00

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O Observatório de Arecibo, peça fundamental para a comunidade internacional de astrônomos, sofreu um duro golpe na manhã de terça-feira (1º), quando a cúpula suspensa despencou de 110 metros de altura sobre o prato refletor, destruindo boa parte da estrutura. Para entender melhor a importância desse radiotelescópio, é preciso lembrar de suas inúmeras contribuições em várias áreas de pesquisa científica.

Por muito tempo, ele foi o maior radiotelescópio do mundo, e se tornou icônico ao aparecer como cenário de alguns filmes, como 007 Contra GoldenEye e Contato. O prato refletor de 305 m é fixo, o que limitaria o campo de visão do telescópio a apenas 20º em relação ao zênite (ponto no céu acima da nossa cabeça). Por isso, o objeto que se move para acompanhar o movimento aparente dos objetos cósmicos é o feed (a enorme bola suspensa que contém o receptor que recebe a radiação do espaço).

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A estrutura suspensa era mantida por torres com mais de 110 metros de altura e diversos cabos. Infelizmente, dois deles acaparam se rompendo — o primeiro em agosto e o segundo em novembro. Os demais, também danificados, não suportaram peso de 999 toneladas, e a estrutura caiu sobre o prato refletor. Entretanto, a preocupação com o telescópio já era antiga. A região de Porto Rico, onde fica a cidade de Arecibo, é alvo de terremotos, tempestades e furacões com frequência, e desde 2010 discutia-se a falta de orçamento para a manutenção.

Ángel Vázquez, chefe de operações do telescópio e trabalhador de Arecibo por quatro décadas, contou em um vídeo no Twitter: "Ouvimos um som alto, um estrondo alto, fora da sala de controle. Começamos a ver a eventual queda do observatório".

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Ele ainda relatou que, durante a semana passada, os funcionários do observatório viram os fios que formavam os três cabos restantes de uma das plataformas estavam se rompendo, ou seja, todos os cabos dessa torre estavam deteriorados. "Eventualmente, simplesmente cedeu", disse ele. Do outro lado, em outra torre, ainda havia outros cabos que tentaram suportar o peso. Com isso, a cúpula levou aproximadamente 30 segundos para cair dentro da antena.

A importância do Arecibo para a ciência

Projetado inicialmente para estudar a ionosfera terrestre, o observatório foi rapidamente aproveitado pelos astrônomos devido às suas incríveis capacidades de observação. Foi usado para projetos de detecção de ondas gravitacionais, na busca por planetas potencialmente habitáveis, e foi responsável pela detecção do primeiro pulsar binário.

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Busca por vida alienígena

No filme Contato, de 1997, Ellie Arroway busca indícios de outras vidas no universo, e a escolha do Arecibo como parte do cenário de uma história como esta pode não ter sido por acaso. É que em 1974, cientistas enviaram uma mensagem em ondas eletromagneticas para as estrelas do aglomerado globular M13, localizada a 25 mil anos-luz de distância, através do radiotelescópio.

Conhecida como Mensagem de Arecibo, ela foi enviada em 16 de novembro 1974 com informações sobre o planeta Terra e a civilização humana. A iniciativa foi do Instituto SETI e a mensagem em si era uma série de 1 e 0 que, decodificada, forma a imagem abaixo.

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Algumas alterações foram efetuadas no transmissor do radiotelescópio para que os sinais fossem transmitidos com até 20 terawatts de potência. Os 1679 impulsos de código binário levaram três minutos para serem transmitidos na frequência de 2380 MHz. Mesmo que alguém, em algum lugar no extenso aglomerado receba a mensagem, nós teríamos que esperar quase 50.000 anos para ouvir uma resposta, devido à distância que os sinais precisam percorrer.

Na imagem há números de um a dez, átomos incluindo hidrogênio e carbono, algumas moléculas, o DNA humano, conceitos básicos de nosso Sistema Solar e conceitos básicos do telescópio emissor. Ainda nos últimos dias do telescópio, o SETI ainda utilizava o instrumento para buscar por sinais de vida alienígena. Mas o Arecibo fazia muito mais que isso.

Busca por exoplanetas

O Arecibo foi usado em algumas ocasiões na busca por exoplanetas (mundos que orbitam estrelas que não o Sol), e acabou ajudando os astrônomos a descobrirem os primeiros destes mundos, em 1992 — os planetas Draugr, Poltergeist e Phobetor, em torno da Lich Pulsar, uma estrela de nêutrons de rotação rápida que emite um feixe de radiação eletromagnética. Algumas observações mais recentes do Observatório de Arecibo também detectaram algumas anãs marrons (um objeto que é maior que um planeta, mas menor que uma estrela e sem fusão nuclear).

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Outras estrelas também foram analisadas pelo Arecibo. Um dos métodos era observar estrelas anãs vermelhas próximas e detectar as emissões de rádio desses corpos, procurando por quaisquer perturbações que fossem causadas por outros objetos perto dessas estrelas. Essas perturbações poderiam revelar a presença de planetas. Entre as estrelas analisadas com este método estão a estrela de Barnard, a Gliese 436, a Ross 128, Wolf 359, entre outras.

O primeiro pulsar binário

O primeiro pulsar binário, ou seja, um pulsar orbitando outra estrela, foi descoberto por Joseph Taylor e Russel Hulse em 1974, através do Arecibo, o que rendeu aos dois cientistas o Prêmio Nobel de Física. O objeto foi uma grande oportunidade para testar a Teoria Geral da Relatividade de Einstein — e acabou comprovando que o físico alemão estava certo.

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Este pulsar é tão fraco que era muito difícil fazer observações significativas a partir de qualquer radiotelescópio no mundo, exceto para o Arecibo. As duas estrelas ficam tão próximas uma da outra que a teoria de Newton não era adequada para descrever seu movimento. Foi graças às observações do Arecibo que também foi possível ver que a órbita do pulsar está encolhendo exatamente na taxa que a relatividade geral de Einstein prevê.

Atualmente, os pulsares estão sendo usados para pesquisar diretamente as ondas gravitacionais de baixa frequência, e o Arecibo era de grande importância para esse estudo.

Quasares

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Com o Arecibo, os quasares (os maiores emissores de energia do universo) puderam ser melhor estudados. Com ele, observações jamais feitas antes puderam ser realizadas, de modo que nenhum outro instrumento poderia fazer. Para isso, ele se juntou ao Radio Telescópio Espacial RadioAstron e obteve dados inesperados do quasar 3C273. Mesmo os telescópios ópticos como o Hubble não chegam nem perto dessa capacidade de ver a estrutura detalhada de um quasar.

Para se ter uma ideia do quão impressionante foi esta coleta de dados, imagine que você consiga ver uma moeda na Lua.

Estudos de linha espectral

Os astrônomos usaram o telescópio Arecibo para observar as linhas espectrais — uma espécie de “impressões” eletromagnéticas impressas nas moléculas através da interação entre matéria e luz — para caracterizar a composição, o movimento e muitas outras propriedades de diferentes objetos no universo. Isso inclui galáxias, estrelas, nebulosas, cometas, o meio interestelar de nossa própria galáxia, e até mesmo atmosferas de exoplanetas.

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Rajadas rápidas de rádio

Foi através do Arecibo que os cientistas detectaram as primeiras rajadas rápidas de rádio repetitivas (FRBs), um mistério que se arrasta há mais de dez anos. Os sinais parecem vir de magnetares, mas há todo tipo de hipótese para explicá-los, inclusive civilizações alienígenas.

Explosões rápidas de rádio são flashes que se originam do espaço profundo. Embora as FRBs tenham sido captadas por outros instrumentos antes, o Arecibo foi quem encontrou um sinal que se repetia — o FRB 121102.

Pequenos corpos no Sistema Solar

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O Observatório de Arecibo possui o sistema de radar planetário mais poderoso do mundo, com capacidade que só poderia ser superada com o sobrevôo de uma espaçonave. Com ele, os cientistas estudam corpos Sistema Solar, planetas rochosos e satélites naturais, incluindo a Lua, além de asteroides que se aproximam da Terra. Ele fornecia medições precisas capazes de melhorar significativamente a precisão de uma previsão da órbita de um asteroide, por exemplo.

Além disso, ele poderia aumentar a janela de previsibilidade da órbita de anos para séculos e eliminar os alarmes falsos de possíveis impactos de asteroides em nosso planeta com a melhoria das estimativas dos elementos orbitais de um objeto. Também era único em estimar as propriedades detalhadas de um asteroide próximo do nosso planeta, o que é fundamental para determinar o tipo de potencial ameaça gira ao redor da Terra.

Um ótimo exemplo é o caso do asteroide 2020 NK1. Ele foi estimado em mais de 500 metros de diâmetro e alguns cálculos o consideraram uma das maiores ameaças dentre todos os asteroides na lista de objetos perigosos da NASA. Através do Arecibo, os cientistas obtiveram imagens de alta qualidade do asteroide, que revelaram uma forma alongada com um diâmetro de aproximadamente 1 km. As observações mostraram que ele não vai se aproximar o suficiente da Terra para representar um perigo no futuro.

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Há alguma esperança?

Essas capacidades sem precedentes fazem do Arecibo um instrumento insubstituível. Mas será que ainda há esperança de reparo? A National Science Foundation, proprietária da instalação, anunciou o descomissionamento e a demolição controlada do radiotelescópio em19 de novembro, antes da queda do domo. Na ocasião, as avaliações concluíram que o reparo seria arriscado demais para os trabalhadores envolvidos na obra.

Contudo, com a queda do domo, o risco é menor, e o custo de um reparo, maior. A comunidade científica, em especial a equipe do Observatório Arecibo, ainda não desistiu, e pede ao Congresso dos EUA o financiamento necessário para salvar o sistema de radar planetário mais poderoso do mundo.

Ainda não houve nenhum posicionamento das autoridades sobre o assunto e, ao menos por enquanto, o observatório segue aposentado.

Fonte: The Arecibo ObservatorySpace.comPhys.org, Springer Nature