O que será do Programa Espacial Brasileiro? Presidente da AEB fala ao Canaltech!
Por Danielle Cassita • Editado por Patricia Gnipper | •
Em julho, Marco Antonio Chamon assumiu a presidência da Agência Espacial Brasileira (AEB), instituição dedicada ao programa espacial do nosso país. A cerimônia de posse marcou o início de uma nova fase tanto na AEB quanto nas atividades espaciais que o Brasil vai realizar nos próximos anos.
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O presidente tem uma longa experiência no setor, representada por atividades de destaque no programa espacial brasileiro. Entre elas, estão a coordenação do programa de satélites científicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a gerência da missão SABIA-Mar, voltado para o sensoriamento de sistemas aquáticos com satélites.
Hoje, a AEB trabalha para destacar o Brasil no cenário espacial mundial — e o novo presidente está alinhado com esse objetivo, atuando para desenvolver e promover atividades espaciais no país, impulsionando nosso programa espacial.
Para os próximos anos, a expectativa é que o Brasil desenvolva novos projetos em parcerias com nações como China e Argentina, faça acordos com outros países, avance no uso comercial da base de Alcântara e mais.
Entrevista com o presidente da Agência Espacial Brasileira
Para saber mais sobre esta nova etapa, quais projetos estão em andamento e o que está por vir, o Canaltech conversou com o presidente Chamon.
Quando questionado sobre os planos para a nova gestão e se há projetos já definidos, ele respondeu:
Tem muita coisa definida, muita coisa que é na continuidade natural do programa espacial. Há coisas novas, sem dúvida, há uma transição da própria AEB e do próprio governo, mas há uma continuidade. A gente sempre tenta passar a ideia de que o programa espacial é um programa de Estado simplesmente porque, muitas vezes, os projetos são tão longos que atravessam governos, então tem que haver essa coordenação.
Um dos projetos que vai ter continuidade é o programa Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (CBERS), iniciado no fim da década de 1980. Além de proporcionar uma ferramenta importante para o monitoramento do território do Brasil com satélites próprios, o programa trouxe também autonomia significativa para o país nesta área.
Cinco satélites CBERS já foram lançados e os mais recentes deles são o CBERS-4 e CBERS-4A, que seguem ativos. Segundo o presidente, o programa não estava suspenso, mas sim em uma fase de exploração de dados. O que será que vai mudar? Ele explica:
Na continuidade desse grande projeto que temos com a China desde 1988, que faz 35 anos neste ano, vamos retomar [o projeto] com novos satélites. Vamos fazer uma nova série de satélites com a China na continuidade do programa, mas bastante diferentes daqueles que têm sido feitos, ou seja, bastante novos. Esse [novo] satélite não vai ser óptico [como são os anteriores], vai ter tecnologia de radar. [...] E qual é a vantagem de fazer radar no lugar de fazer o óptico? Tem um caráter de complementaridade muito grande. Primeiro, você consegue fazer imagens de radar à noite, se precisar — você não faz imagens ópticas à noite, você precisa do Sol para iluminar a cena. [...] Mais importante do que isso, talvez, é que ele pode atravessar as nuvens, coisa que o óptico não faz.
Sobre o uso destes recursos, o presidente Marco Antonio Chamon descreveu diferentes possibilidades:
A principal aplicação desse satélite é em vegetação, mas ele também tem uma utilização secundária em observação de oceanos. [...] O monitoramento do desmatamento com radar não é uma coisa que se faz, e nós temos experimentos que mostram que é possível fazer, e vamos fazer. Nós queremos fazer isso em grande escala, e provavelmente vamos novamente ser pioneiros no mundo nessa área de aplicação. Digo novamente, porque na atividade anterior óptica para o desmatamento, o Brasil é uma grande referência no mundo. Provavelmente, vai acontecer a mesma coisa com o radar, e espero, porque acho que seria algo bacana para o país.
A AEB vai também retomar o projeto SABIA-Mar, conduzido em parceria com a Argentina. Trata-se de um sistema de observação da Terra com dois satélites, focado em sensoriamento remoto de sistemas aquáticos oceânicos e das águas interiores.
Devido a dificuldades como falta de recursos, a iniciativa ficou suspensa por parte do Brasil, mas a Argentina seguiu nas atividades. Com a retomada do programa, os países vão desenvolver dois satélites.
O satélite brasileiro já está em desenvolvimento no Laboratório de Integração e Testes, um dos laboratórios do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em São José dos Campos, no interior paulista. Se tudo correr bem, o lançamento pode acontecer até 2026.
O presidente Chamon detalhou o trabalho que vai acontecer por meio da parceria:
A Argentina vai fazer um satélite, e o Brasil, o outro. Vou ter o dobro de informações porque tem dois satélites, então posso olhar o dobro de áreas, mas cada um paga o seu e desenvolve o seu satélite. Estamos analisando o tempo e os custos, e talvez a gente lance os dois satélites juntos, mas talvez não. Em princípio, é possível que isso aconteça, mas isso ainda vai ser discutido. Basicamente, o importante agora é que, primeiro, vamos fazer o nosso satélite e a Argentina vai fazer o deles. Eles têm funções similares para a gente coletar os mesmos tipos de informações ou complementares, e os dois países utilizam todos os dados. Essa é a parte importante: nós temos acesso aos dados coletados pelos argentinos e vice-versa. Esses são satélites com o mesmo tipo de tecnologia da que vai ser usada com a China, é um satélite pequeno, na classe dos 700 kg.
Quando iniciar suas operações, o que o satélite brasileiro SABIA-Mar vai poder oferecer? O presidente apontou diferentes aplicações:
Então, o SABIA-Mar é um satélite que vai olhar as águas interiores e vai olhar principalmente águas oceânicas, tanto do mar aberto quanto a área costeira. São águas com características muito diferentes. Uma utilização desse satélite, por exemplo, é você entender como é o ciclo de carbono no oceano. [...] Outra aplicação é a floração de algas em reservatórios, que pode afetar a saúde da população que utiliza aquele reservatório. A água é uma questão fundamental no mundo todo, e também estamos preocupados. Então, a hidrologia e suas derivações são as aplicações do SABIA-Mar. São duas aplicações diferentes, mas elas se conectam, elas conversam, tanto com os chineses quanto com os argentinos. Esses são dois grandes projetos que nós temos.
Já que mencionamos colaborações com outros países, talvez você esteja se perguntando sobre os avanços que aconteceram após o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) assinar os Acordos Artemis, em 2021.
Na época da assinatura, o Canaltech conversou com o então presidente da AEB, Carlos Moura, para saber o que esperar da participação brasileira no programa. Segundo o atual presidente, houve grandes avanços desde então:
Nós assinamos o acordo e começamos a prospectar no que podemos participar, para não ser apenas um acordo no papel. [...] Já localizamos e já assinamos, ou estamos para assinar, um memorando de entendimento com a EMBRAPA [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária]. Eles estão entusiasmados e querem entrar nessa, nós queremos que eles entrem. Nós estamos prospectando outras coisas — a Petrobras, podemos imaginar, poderia ajudar em alguma coisa na área de mineração. O Brasil está no meio do caminho: tem programa espacial, mas é um programa espacial modesto, se comparado com o orçamento da NASA. Mas nós temos tradição, nós sabemos fazer e essa tradição é conhecida dos dois lados, tanto do americano quanto do lado dessas nações emergentes que querem participar. É mais fácil para elas se agregarem em torno do Brasil, o diálogo é mais fácil, porque os Estados Unidos estão muito longe no sentido de estar tecnologicamente avançados. Nesses dois anos, nós trabalhamos no sentido não de formar um subgrupo dentro do Artemis, mas sim de como essas nações se organizam, como elas aprendem com a experiência do Brasil, por exemplo, para começar.
No momento, a AEB planeja firmar um acordo preliminar com a EMBRAPA, empresa pública criada para desenvolver tecnologias com foco na agropecuária do Brasil. Tal acordo sinaliza que ambas têm interesse em propor atividades em determinadas áreas no programa Artemis. O presidente revelou mais sobre tais áreas e a situação do acordo:
Agricultura no espaço, porque é a especialidade da EMBRAPA, e porque nós somos o ponto focal do programa Artemis no Brasil, e também porque teremos espaço. [...] [A etapa de captura de recursos] ainda não começou, nós estamos na primeira etapa, que é uma exploração e leva um tempo. O que eu posso dizer é que há um interesse, e o interesse é focado em space farming.
Quando questionado sobre como estes vários projetos e acordos vão ajudar a consolidar a presença do Brasil no cenário espacial internacional, Chamon respondeu:
A expressão que é utilizada no anúncio [da cerimônia de posse] é a consolidação, não estamos começando nada. Nós já estamos lá há bastante tempo, e já fazemos coisas sérias com países sérios. É a consolidação de certo protagonismo. Algum protagonismo nós já temos, o acordo Brasil-Argentina já foi considerado o maior acordo espacial sul-sul já assinado, e que permanece até hoje. O acordo tem 35 anos, vários governos passaram nos dois países e o acordo permanece. Eu consolido o protagonismo de duas maneiras. Primeiro, eu desenvolvo minha própria tecnologia, meu próprio programa espacial. Isso mostra certa presença na área internacional, porque os temas com os quais o programa espacial brasileiro está centrado não são temas exclusivamente brasileiros, são temas que dizem respeito ao mundo como um todo.
Por fim, ele trouxe alguns pontos que mostram como o Brasil tem tal protagonismo no setor espacial, bem como o que vai ser feito para expandir esse papel de destaque:
Outra coisa, mesmo que os nossos recursos sejam limitados comparado a outros países, nós conseguimos ao longo do tempo produzir tecnologias que sejam de interesse mundial pelo serviço que elas produzem. A prova disso é que nós conseguimos parcerias com países de grande reputação na área espacial. Conseguimos parcerias com a Argentina, mas é um tradicional parceiro nosso. Conseguimos parcerias com a Índia, que é uma potência no espaço, conseguimos parceria com os EUA e estamos no Artemis. Nós temos essa presença internacional, o programa espacial permite a presença internacional. Os projetos dos quais eu estava falando consolidam essa presença espacial. E mais: como a gente avança, como a gente faz mais? Um exemplo é o [programa] Artemis, a gente não estava nisso e agora está. Uma outra coisa, que eu mencionei antes, é o uso comercial da base de Alcântara, porque é a base mais bem localizada no mundo para lançamentos. [...] A base, agora, avança para a sua comercialização. Já houve um primeiro lançamento, foi experimental, mas a gente começa de algum lugar. [...] Nós temos a base de lançamento em uma posição geograficamente privilegiada, e que atrai agora — estamos tentando e acho que conseguimos — novos negócios. Isso tudo é presença consolidada.
Agora, resta acompanhar o andamento tanto destes e de outros projetos que estão por vir, além dos resultados que vão trazer para nosso país.