Nuvem cósmica pode ter mudado clima da Terra há milhões de anos
Por Danielle Cassita • Editado por Luciana Zaramela |
Uma equipe de cientistas liderada por Merav Opher, da Universidade de Harvard, descobriu que nosso Sistema Solar pode ter atravessado uma nuvem interestelar densa há dois ou três milhões de anos. Segundo os autores, o evento foi tão violento que teria colapsado a bolha protetora que cerca nosso sistema, afetando também o surgimento da vida na Terra.
Muitas vezes, pensamos que nosso planeta orbita uma estrela estática no espaço. Mas não é o que acontece: na verdade, o Sol está viajando por nossa galáxia o tempo todo, levando consigo os planetas, asteroides e outros objetos do nosso sistema.
Esta viagem não é nada tranquila, e pistas do seu passado já foram descobertas em nosso planeta. Estas existem na forma de picos dos isótopos radioativos ferro-60 e plutônio-244, formados quando estrelas massivas explodem em supernovas.
Por isso, os cientistas acreditam que são mais comuns no meio interestelar (ISM, na sigla em inglês). No novo estudo, Opher e seus colegas investigaram se a Terra poderia ter entrado em contato com o meio fora da heliosfera (o escudo protetor do Sistema Solar formado pelo campo magnético do nosso astro e por seu vento).
“Alguma coisa aconteceu. O ferro-60 não é produzido na Terra, então eu sabia que este isótopo estava preso na poeira, e de alguma forma, de dois a três milhões de anos atrás, tivemos mais poeira trazida para nós”, explicou a autora.
Passado do Sistema Solar
O ISM está extremamente distante da Terra, ou seja, algo deve ter acontecido para trazer os isótopos de lá à Terra. Quando Opher analisou o contato entre a Terra e o ISM considerando o movimento do Sol pela galáxia, ela percebeu que nosso sistema deve ter saído da vizinhança interestelar após um milhão de anos.
Hoje, o Sol viaja por meio da Bolha Local, uma grande cavidade no ISM que contém também a chamada Nuvem Interestelar Local (LIC) — estamos atravessando a LIC no momento e vamos sair dela em alguns milhares de anos. Nos últimos milhões de anos, o Sol atravessou a Bolha Local e encontrou nuvens muito mais densas que a LIC.
Então, os pesquisadores investigaram como estes encontrados afetaram a capacidade do Sol abrir uma cavidade nelas, bem como os efeitos percebidos na Terra. É aqui que entra o chamado Laço Local de Nuvens Frias, região no ISM que abriga nuvens frias, densas e raras: ali, fica a Nuvem Fria Local de Leão (LLCC), uma das maiores nuvens da região.
Para os autores, existe uma chance de 1,3% de o Sol ter atravessado uma ponta da LLCC. “Chamamos essa porção de Nuvens Frias Locais de Lince (“LxCCs”, em inglês). As LxCCs representam quase metade de toda a massa da LRCC, e são muito mais massivas que mais da metade das bem estudadas LLCC”, escreveram os autores.
Através de simulações, eles descobriram que o hidrogênio da estrutura delas tinha densidade suficiente para empurrar o Sol, encolhendo a heliosfera. Com isso, o Sol e a Lua entraram em contato com o ISM. “Um evento do tipo pode ter causado impactos dramáticos no clima da Terra”, observaram.
O encontro pode explicar a presença dos radioisótopos que mencionamos no início desta matéria. "Nosso cenário proposto está de acordo com as evidências geológicas dos isótopos de 60Fe e 244Pu de que a Terra estava em contato direto com o ISM durante esse período", escreveu a equipe.
E, afinal, como um encontro do tipo teria afetado nosso planeta? Alguns trabalhos indicam que o processo teria causado um esfriamento em nosso planeta, que pode ter afetado o surgimento da nossa espécie. “A hipótese é que a emergência da nossa espécie, a Homo sapiens, foi delineada pela necessidade de se adaptar à mudança climática. Com o encolhimento da heliosfera, a Terra ficou diretamente exposta ao ISM”, finalizaram.
O artigo com os resultados do estudo foi publicado na revista Nature Astronomy.
Fonte: Nature Astronomy, Harvard