Como cirurgias poderiam ser feitas em um ambiente desafiador como o espaço?
Por Fidel Forato |
Nem sempre os médicos podem planejar uma cirurgia com calma, como é o caso, por exemplo, de uma apendicite supurada, que pode levar a uma infecção generalizada no abdômen e até mesmo a morte, caso os cirurgiões não ajam rapidamente. Mas não há centros cirúrgicos no espaço, como existem aqui na Terra — e então o que fazer caso isso aconteça com um astronauta?
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Na verdade, foi exatamente uma urgência do tipo que acometeu um deles no ano passado. Em missão na Estação Espacial Internacional (ISS), o astronauta descobriu que tinha se formado um coágulo em uma veia de seu pescoço. Com o auxílio a distância de médicos na Terra, um ultrassom foi realizado na própria estação orbital para verificar a gravidade da situação, e então o astronauta foi tratado com algumas medicações que estavam armazenadas na ISS. Com isso, o coágulo diminui o suficiente para que não fosse necessária uma cirurgia, o que exigiria seu retorno imediato ao planeta. Mas e se não existisse nenhum medicamento a bordo e fosse inviável resgatá-lo do espaço com a urgência necessária para salvar sua vida?
Infelizmente, cirurgias espaciais ainda estão em fase de estudos e trazem inúmeras questões para a ciência antes que comecem a ser realizadas na prática. Nesse cenário, a principal (e única medida) a ser tomada, é o retorno imediato à Terra. Aprender mais sobre as possibilidades da medicina espacial é fundamental para, por exemplo, a humanidade chegar ao planeta Marte — algo que deve começar a acontecer na década de 2030. Isso porque, em viagens mais longas, o risco de problemas de saúde aumentam também, e é preciso ter meios de salvar a vida desses exploradores espaciais, onde quer que eles estejam.
Para entender tudo o que já foi feito e pensado nesse campo médico, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Pittsburgh e do King's College Hospital, em Londres, examinou seis décadas de literatura científica em artigo publicado na revista BJS Society.
Riscos no espaço
"Futuros astronautas ou colonos encontrarão, inevitavelmente, uma série de patologias comuns durante viagens espaciais de longo curso", antecipam os autores sobre as prováveis dificuldades que uma viagem para Marte demandará. "Novas patologias podem [também] surgir da falta de peso prolongada, exposição à radiação cósmica e traumas", detalham. No contexto de uma viagem até Marte, uma pesquisa realizada pela Universidade do Mississippi, nos Estados Unidos, estima que, em uma equipe de sete tripulantes, a cada 2,4 anos de missão espacial uma emergência que requer cirurgia deve acontecer, mesmo que os astronautas passem por uma intensa triagem médica.
Agora, entre os principais problemas, a equipe britânica aposta: "As alterações fisiológicas conhecidas incluem redistribuição de fluidos, alterações cardiovasculares, atrofia óssea e muscular, além de efeitos da radiação ionizante. Os possíveis mecanismos patológicos identificados incluem trauma, câncer e condições cirúrgicas comuns, como apendicite".
Para as cirurgias que poderia ser facilmente resolvidas na Terra ou com ajuda da telemedicina, existe ainda um provável problema de comunicação, "A distância entre a Terra e Marte é de 78.200.000 quilômetros, o que significa um atraso de comunicação entre 4 e 22 minutos para os sinais de rádio", explicam os pesquisadores. Ou seja: uma cirurgia delicada no espaço, por enquanto, deveria ser feita pessoalmente por um médico que também fosse astronauta, não sendo viável que um astronauta sem o devido treinamento cirúrgico fosse guiado a distância via telemedicina, por conta do atraso nas comunicações entre os planetas.
Sangue flutuando
Até o momento, foram feitas algumas cirurgias experimentais em camundongos na ISS, justamente para se testar as condições adversas nesse momento tão delicado. No entanto, manusear o corpo humano em um ambiente de microgravidade será um desafio complexo, ainda mais quando se tratar de um companheiro de equipe, situação na qual as emoções certamente estariam afloradas.
"Um problema era que, durante a cirurgia aberta, os intestinos flutuavam, obscurecendo a visão do campo cirúrgico", conta Nina Louise Purvis, pesquisadora de Medicina Espacial do King's College. Por isso mesmo, o melhor método, nesses casos, deve ser realizar pequenas incisões, feitas com instrumentos específicos e contando com o auxílio de câmeras — o que não impediria que o sangue flutuasse, mas isso aconteceria em menor quantidade.
O corpo humano responde à microgravidade redistribuindo sangue. Isso significa que o sangue se concentra na cabeça e também em outras partes do corpo, o que precisaria ser compensado durante uma operação. Além disso, há menos sangue percorrendo os sistemas cardíaco e vascular. Por isso, o organismo diminui a sua frequência cardíaca e pressão arterial, por exemplo.
A ciência também sabe que a permanência no espaço pode enfraquecer os ossos e músculos dos astronautas, então os riscos de se contrair infecções aumentam consideravelmente. E assim mais um desafio surge para a cirurgia espacial: o organismo de um astronauta já começa, antes da cirurgia, em desvantagem fisiológica causada pelo espaço.
Futuro: cápsula cirúrgica e robôs
O problema da microgravidade poderia ser contornado a partir da gravidade artificial, mas essa é uma tecnologia de difícil implementação e que ainda é um conceito longe de se tornar realidade. Mas algumas cápsulas médicas especiais para o espaço já foram pesquisadas, sendo que a própria NASA, por exemplo, estudou a criação de uma cápsula cirúrgica que funcionaria como um sistema fechado, além de uma cúpula de plástico transparente, por onde seria possível manusear os equipamentos. Em teoria, o equipamento deveria ser algo similar como a cabine de operações do filme de ficção-científica Prometheus, da série Alien.
Outro problema é a capacidade de armazenamento nas espaçonaves, pois seriam necessários diversos equipamentos para a realização de uma cirurgia. "Seria impossível transportar todo o equipamento necessário para tratar, no espaço, todas as condições previstas", imaginam os pesquisadores britânicos. Para isso, a impressão 3D poderia ser uma solução, já que um banco de dados digital espacializado em ferramentas médicas poderia imprimir os equipamentos necessários a cada caso.
Ainda assim, sem a possibilidade de comunicação em tempo real com médicos em Terra para a realização de um cirurgia guiada, e sem cirurgiões entre os astronautas a bordo, uma opção mais futurista e ousada seria o desenvolvimento de robôs-cirurgiões equipados com inteligência artificial, sendo que eles deveriam ser capazes de realizar cirurgias complexas como uma operação cardíaca ou gastrointestinal.
Fonte: Universe Today, Live Science e The Conversation