Por que não temos bons filmes de Resident Evil?
Por Felipe Demartini • Editado por Jones Oliveira |
Poucas franquias do cinema são tão longevas quanto Resident Evil. Afinal de contas, em pouco menos de 20 anos, foram nada menos do que seis filmes em live action, nove no total se você contar as animações, com mais um longa a caminho, uma série recém-lançada e outra ainda em pré-produção, ambas pelas mãos da Netflix. Seja jogador de videogame ou não, é difícil encontrar alguém que não conheça a série, pelo menos de nome.
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Ao mesmo tempo, e apesar de tanto faturamento, não estamos falando de uma série necessariamente bem-vista, principalmente pelos fãs dos jogos originais. Para se ter uma ideia, no conhecido agregador de reviews Rotten Tomatoes, a nota mais alta obtida pela franquia Resident Evil é do longa derradeiro, O Capítulo Final, com amargos 37%. A mais baixa, 19%, é de Apocalipse, que muitos consideram, inclusive, o mais próximo dos jogos, apesar dos pesares.
Entretanto, não é como se fidelidade aos jogos fosse requisito indispensável para tornar uma produção desse tipo boa ou ruim. Mesmo os longas de animação, produzidos de forma mais próxima pela Capcom ao lado de empresas japonesas de animação por computador, não são exatamente incríveis. O mais recente, Resident Evil: No Escuro Absoluto, inclusive, levou uma barra que já não era muito alta ainda mais abaixo,
A história, inclusive, não se limita apenas a Resident Evil — é muito raro encontrar uma versão cinematográfica de videogame que tenha uma aclamação pública como a que vemos, por exemplo, com os heróis da Marvel. No meio do caminho, também existem produtos adaptados que conseguem atingir todas essas tribos, em maior ou menor escala, com impacto cultural ou apenas servindo como uma boa diversão. Não há nada de errado aqui.
Entre os fatores que costumam desequilibrar a balança está, principalmente, a necessidade inerente a um produto desse tipo, principalmente quando ele vai às telas dos cinemas, de ser palatável até mesmo a um público que nunca ouviu falar no produto original. Essa, claro, não é uma desculpa para uma produção de baixa qualidade, com roteiro furado ou atuações ruins, mas muitas vezes costuma ser o ponto de partida para uma discussão muito mais abrangente e, principalmente, sem fim.
O ideal, então, é voltarmos à parte para analisar o todo e pensarmos na pergunta que abre este artigo: por que uma franquia tão conhecida e consagrada como Resident Evil, da qual saíram alguns dos games mais interessantes e importantes da história, jamais conseguiu emplacar um bom filme? Uma resposta possível está na gênese da própria franquia nos cinemas.
Terror tecnológico e limpo, mas bem lucrativo
A história do primeiro filme de Resident Evil começa ainda em 1996, logo após o lançamento do primeiro game para PlayStation. A Capcom, surpreendida pelo sucesso inesperado de seu novo jogo de terror, vende os direitos de adaptação cinematográfica para a produtora alemã Constantin Films. Basta pensar que foram necessários seis anos até que um projeto bem diferente do imaginado pelo papa dos mortos-vivos chegasse às telas para entender o nível dos problemas nos bastidores. O relato sobre a saga do primeiro filme de Resident Evil está detalhado no livro Zumbis: O Livro dos Mortos, de Jamie Russell, lançado em 2010.
Logo no começo, para os fãs que começavam a surgir, veio uma notícia que parecia feita nos céus: George Romero, o lendário diretor de filmes de zumbi, seria o responsável pelo longa. Entretanto, além da qualidade de sua produção, ele era conhecido por não se dobrar facilmente, sendo célebre, por exemplo, a história do lançamento de A Noite dos Mortos Vivos — na ocasião, o cineasta preferiu reduzir significativamente o número de salas de exibição, minando o sucesso comercial, em vez de fazer cortes e mudar a história para agradar uma incipiente classificação indicativa nos Estados Unidos, que tinha muitos poréns com o nível de violência exibido.
Os ganhos, claro, eram o principal objetivo da Constantin. Romero foi demitido e, depois dele, vieram outros como George Sluizer (O Silêncio do Lago) e Alan McElroy (Spawn: O Soldado do Inferno), também mandados embora por não concordarem com a visão da produtora — pelo caminho, atores como Bruce Campbell (Evil Dead), James Woods (Videodrome) e Bill Pullman (Independence Day) também chegaram a ser cotados para um filme que parecia não sair do papel.
A contratação de Paul Anderson no final dos anos 1990 caiu como uma luva. À época, o diretor ainda colhia os louros de Mortal Kombat, de 1995, mas não havia emplacado um grande sucesso. Ele também trabalhava ao lado do amigo e produtor Jeremy Bolt e, acima de tudo, estava disposto a aceitar os termos da Constantin, que queria ver uma classificação indicativa baixa para o filme de Resident Evil — a graduação desejada era a PG-13, com o filme sendo recomendado a maiores de 13 anos, um número inferior, inclusive, à graduação do próprio game, que é voltado a audiências acima dos 17.
Essa necessidade puramente mercadológica se transformou em conceito para o diretor, que falava que os zumbis do passado não eram mais assustadores, com até mesmo a estética suja dos games sendo rejeitada em prol de uma aventura tecnológica e sem os personagens e cenários conhecidos. A crítica não gostou, os fãs também não, mas o sucesso veio, com Resident Evil: O Hóspede Maldito, de 2002, custando US$ 40 milhões para ser produzido e faturando mais de US$ 100 milhões nas bilheterias de todo o mundo.
O pedido de inclusão de personagens e elementos dos games foi cumprido a partir do segundo, ainda que a protagonista sempre fosse Alice (Milla Jovovich). Mesmo um cuidado no figurino, com protagonistas como Ada, Wesker e Jill aparecendo de forma fiel às suas contrapartes virtuais em cenas idênticas às dos games, não ajudou a melhorar as coisas; pelo contrário, soou como uma afronta a muitos fãs mais puristas.
No final das contas, a história era toda de Alice e de Anderson, com cada sequência acumulando mais e mais bilheteria para a Sony. Resident Evil, em determinado momento, se tornou mais lucrativo para a distribuidora do que Homem-Aranha, à época, em meio às dificuldades que envolveram o reboot estrelado por Andrew Garfield, com filmes caros que até tinham retorno financeiro, mas em proporção menor às dezenas de milhões empregados na saga de terror.
O maior sucesso, Resident Evil: A Extinção, custou US$ 45 milhões e lucrou US$ 145 milhões; sua continuação, Recomeço, devolvendo US$ 150 milhões para US$ 60 milhões gastos em sua produção. No quinto longa, veio uma redução na bilheteria, o que levou a Sony, decidida a focar em outras marcas e passando por problemas financeiros em outros setores, a encerrar a saga e reduzir o orçamento de O Capítulo Final. Ainda assim, ele se tornaria o filme mais lucrativo da carreira de Paul Anderson, com um faturamento de US$ 312 milhões, um terço do total oriundo apenas do mercado chinês.
Acima de tudo isso, essa história de cifras milionárias e sucesso cada vez maior dialogava com os executivos, indicando que o caminho a seguir era exatamente aquele — e aqui não estamos falando apenas dos engravatados da Constantin e da Sony. De que adiantava os fãs estarem descontentes e a crítica insatisfeita se a cada lançamento mais e mais dinheiro estava entrando?
Estúdios de cinema não são instituições filantrópicas e, como todo mundo deveria saber, acima da arte e dos sorrisos dos espectadores estão os lucros. Para quem comanda as engrenagens da indústria, nenhum filme é bom o bastante se não der dinheiro, e enquanto os games de Resident Evil seguiam um caminho diferente, o cinema dava uma tônica completamente diferente à saga, com até mesmo a própria Capcom capitalizando com um fluxo de novos jogadores que vinham das telonas para os joysticks. Em time que está “ganhando”, não se mexe.
Rota alternativa e animada
Em meio ao contínuo sucesso e aparente desrespeito cada vez maior dos longas de Paul Anderson pelos games, a Capcom anunciou o desenvolvimento do primeiro filme de animação de Resident Evil. Degeneração, lançado em 2008, não apenas trazia Leon e Claire como personagens principais, repetindo uma dupla vista em um dos games mais clássicos da saga, mas também trazia uma história que se integrava diretamente à cronologia.
Duas sequências o seguiriam: Condenação, de 2012; e A Vingança, de 2017, com a mais recente iteração chegando à Netflix neste início de julho, No Escuro Absoluto. Em todos, o mesmo produtor, Hiroyuki Kobayashi, e o foco em mostrar novas aventuras de personagens centrais dos jogos, com aparições de Ada, Chris e até mesmo Rebecca, sumida desde os primórdios da saga de games.
Isso, porém, não se traduziu em uma aclamação pública, apesar de os fãs concordarem, em grande parte, que os longas de animação são melhores que a saga de Paul Anderson. Por outro lado, tanto os filmes quanto a série recente trazem histórias insossas, que até contam com raízes de eventos dos games, referências a empresas farmacêuticas ou alguns detalhes adicionais. Isso para não as taxar de irrelevantes, já que a aposta, em todos, parece ser maior nas cenas de ação e nos momentos “massa veio” protagonizados, principalmente, por Leon.
Mais do que apenas um fanático pelo protagonista, o produtor já demonstrou que a ideia dos filmes de animação é trazer mais gente para os jogos. É preciso que eles sirvam como portas de entrada, sim, mas também apresentem uma trama com começo, meio e fim, tanto para que sejam um produto completo em si só quanto para garantir o entendimento de quem está chegando agora à saga, após ver, por exemplo, Resident Evil: No Escuro Absoluto na home da Netflix.
Como dito no começo deste artigo, muita gente conhece a série e, dentro desse macrocosmo, existem aqueles que jogaram apenas o quarto game da franquia e, por isso, estão familiarizados com a figura de Leon. Entretanto, o que dizer de termos como Conexões, Ozwell Spencer, Alex Wesker ou a corrupção da B.S.A.A.? Você, que não é fanático por Resident Evil, sabe exatamente do que estou falando aqui?
Novamente, a necessidade de ser abrangente não justifica a criação de um produto ruim, mas explica, em partes, porque não temos, nas telas, uma trama tão intrincada quanto a que vemos a cada sequência, nos jogos. E se mesmo neles, muitas vezes, temos ganchos deixados de lado ou elementos mal explicados, em prol do ritmo e da narrativa central, o que dizer, então, de uma série ou filme independente, com público bem maior e, principalmente, que tem a missão de ser introdutória?
O que vem por aí
Após a estreia de No Escuro Absoluto, pouco se falou sobre a produção de uma nova temporada, com Kobayashi deixando claro que isso dependeria do sucesso do seriado original Netflix. Enquanto isso, o serviço de streaming trabalha em uma segunda série baseada em Resident Evil, desta vez com um enredo nada ligado aos games e muito mais cara do universo de Paul Anderson do que os mais puristas gostariam.
Com Lance Reddick (John Wick) no papel do vilão Albert Wesker, o show ainda sem data de estreia segue uma outra cronologia, na qual o trabalho do cientista na produção de medicamentos levou ao fim do mundo. A série será centrada nas filhas do personagem, Jade e Billie, em dois momentos diferentes, antes e depois da contaminação, enquanto as origens da farmacêutica Umbrella e do próprio apocalipse serão exploradas.
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O grande foco dos fãs recai sobre Resident Evil: Bem-vindo a Raccoon City, o reboot da franquia nos cinemas que tem lançamento marcado para 24 de novembro. A promessa do diretor Johannes Roberts (Medo Profundo) é de um longa assustador e que tentará manter o clima sombrio da franquia de games, com direito a seus personagens e eventos originais.
Teremos, sim, as duplas de protagonistas Chris e Jill, e Leon e Claire, em um longa que retratará desde a destruição da cidade que dá nome ao filme até os eventos na Mansão Spencer do primeiro game da série. O elenco também terá personagens secundários e monstros clássicos, no que aparenta ser a adaptação fiel que os fãs estão esperando há 20 anos.
Nem tudo, porém, são flores e, até o momento da publicação deste artigo, Resident Evil: Bem-vindo a Raccoon City não tem imagens oficiais ou trailers divulgados, com uma divulgação praticamente inexiste. É algo, no mínimo, estranho para um longa que está a tão pouco tempo de seu lançamento e cujas filmagens já estão finalizadas desde o primeiro trimestre de 2021.
Enquanto os fãs se animam com as imagens publicadas a conta-gotas nas redes sociais, de coletes semelhantes aos dos protagonistas à fachada da delegacia de polícia de Raccoon City, todo o silêncio oficial denota problemas. E, em uma nota pessoal para jogar ainda mais água no chope dos fãs, devo lembrar que a produtora é a mesma Constantin que, no passado, não se importava nem um pouco com a fidelidade aos games. Teria ela mudado de posicionamento ou, como já vimos no passado, ainda acredita que atores vestidos como os personagens são suficientes para garantir o sucesso? O futuro dirá e, felizmente, não deve demorar muito.