Crítica O Sétimo Dia | Alguém precisa exorcizar os filmes de exorcismo
Por Laísa Trojaike • Editado por Jones Oliveira |
O Sétimo Dia, um dos lançamentos do Prime Video, engana pouco sobre sua real natureza: atores desconhecidos e bastante ruins, a presença de um rosto familiar (mas não tão famoso), direção de arte pobre, roteiro sem sentido e uma trama que explora um dos clássicos mais clássicos do terror: O Exorcista. É um trash, mas infelizmente não é dos mais apaixonados: embora divirta, roteiro e direção almejam ares de seriedade com frequência e acabam com a magia do mal-feito — além de não entregarem uma história realmente aterrorizante.
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Se a ideia é dar uma folga para os neurônios, vale a pena conferir a versão dublada, em que os demônios ficam ainda mais engraçados e conseguem arrancar do espectador as risadas que os atores nos privaram. Exceto Guy Pearce. Seu personagem é tão desconfortável que não raramente nos perguntamos: “o que houve com a carreira dele?”.
Atenção! A partir daqui, a crítica pode conter spoilers.
Até que começa bem
A má direção, o roteiro com péssimos diálogos e as atuações nada convincentes estão lá desde o início e quase impedem que o espectador acuse O Sétimo Dia de ter lhe “enganado”. É tudo muito desleixado desde o início e a atuação de Vadhir Derbez como Padre Daniel é um dos elementos que asseguram essa conclusão. Quando Guy Pearce entra na história, a química da dupla sedimenta a sensação de que esse vai ser um filme difícil de assistir até o final.
Peter (Pearce) instiga a nossa curiosidade ao recusar a batina e assumir ares de Constantine, e até conquista a nossa atenção quando faz Daniel revelar sua inexperiência em seu primeiro teste. Essa cena, inclusive, tem uma deliciosa alma de trash e pode fisgar quem gosta desses filmes, o que acontece pela introdução de um subtexto metafórico. O ensinamento de Peter, de que a teoria acadêmica não dá conta da prática, é um excelente ensinamento para filmes de exorcismo — e para a vida. No terror, moral tipo fábula do Esopo em filmes mal-feitões significa terrir tipo Ed Wood, ou seja, a gente adora.
Nesse ponto, o fã da comicidade no terror está comemorando a sequência em que o demônio está fazendo uma mulher comer cacos de vidro, algo que até encontra respaldo no papel que a dor tem no catolicismo, mas que sabemos estar no filme só pelo efeito da agonia que nos causa. Nesse sentido, O Sétimo Dia tem alguns momentos interessantes e até consegue criar um pouco de medo em diversos momentos, quase sempre recorrendo a recursos que já vimos em outros filmes.
O primeiro teste de Daniel é interessante e o início do segundo coloca os personagens em um clima um pouco mais engraçado, quando podemos pensar que finalmente vai decolar o terrir, com a equipe toda desapegando das amarras e fazendo o que a criatividade mandasse. Mas isso não acontece. Quando Peter diz que Daniel não deve se preocupar com a lei, o que poderia ser um furo engraçado se revela o spoiler de que o padre é o grande vilão. Ba dum tss.
Mas ficou sério demais
Daí pra frente ainda há algumas coisas interessantes, mas começa a ficar desconfortável um roteiro no qual um padre acha perfeitamente aceitável a ideia de entrar em uma casa e abrir seu corpo sem saber o que há lá. Na casa, o modo como as sequências de “flashbacks” terminam sempre com os personagens encarando Daniel é uma ideia incrível (provavelmente inspirada pela sequência da família assombrada de Sobrenatural), mas não é o suficiente para recuperar a seriedade da trama.
Conforme o filme tenta ser mais assustador e criar uma tensão que raramente chega ao espectador, a lentidão dos acontecimentos nos liberam para vasculhar os (d)efeitos e, no auge do tédio, é possível notar o quão artificial e bizarro é o áudio do filme, que traz passos estranhamente agudos como se estivessem usando amostras de foley mal captado de décadas passadas.
A sequência da casa invadida talvez tenha sido o último grande momento do filme, que agora vai ladeira abaixo. Cada vez mais fica explícito que Peter é “do mal”, enquanto ele fica mandando Daniel fazer tudo e quase sempre fica em algum lugar seguro, apenas esperando, como se repete novamente no local onde a criança está presa. Sim, o filme tem uma criança presa, imunda, sozinha e traumatizada em uma cela, como se fosse um adulto que cometeu um crime imperdoável e que não merece atenção alguma.
Como se isso não bastasse, esse é o momento em que O Sétimo Dia dá o salto errado. Anteriormente, o menino Charlie (Brady Jenness) já havia dado pistas sobre sexualidade, mas, no interrogatório com Daniel, o roteiro conseguiu fazer o desfavor de misturar em um único saco temas complexos como possessão, assédio sexual, homossexualidade, repressão familiar, trauma, inccubus e uma pitada de paralisia do sono. Só que isso não foi como aquelas misturas incríveis que a arte faz e acabou soando apenas como falta de noção mesmo.
Quando a possessão se manifesta na presença de policiais, o filme já não tem moral nenhuma, mas ainda presta um serviço social: se os demônios realmente levam pessoas a cometer crimes, como nos mostrou Invocação do Mal 3, porque os registros de interrogatórios da polícia não registram isso com a frequência que algumas igrejas afirmam acontecer? Fica a reflexão — porque há filosofia mesmo nos piores recantos da criatividade humana.
O amedrontador legado d’O Exorcista
O Exorcista não é apenas um grande filme de terror, mas pode ser considerado uma das maiores amostras do poder do cinema e foram inúmeros os impactos sociais da obra, com pensamentos que ecoam no imaginário popular até hoje. A mitologia católica foi imensamente explorada no cinema e temos até um subgênero especialmente para as freiras, o nunsploitation, por exemplo.
É estranho, no entanto, que existam muitos bons filmes sobre possessão e exorcismo, mas que nenhum tenha conseguido superar o filme de 1973. E já estamos em tempo de fazer isso, principalmente porque não estamos mais nos anos 1970. O Exorcista continua sendo um clássico e ainda deve assustar gerações, mas talvez possamos questionar por que nenhum outro filme conseguiu ir além até agora.
O Sétimo Dia é um desses filmes que parece ter desistido antes de começar e se limita a reproduzir alguns momentos icônicos do medalhão, mas, sabendo que estava muito aquém em qualidade, poderia ter optado por vias mais humildes que tentar consertar os eventos finais de O Exorcista colocando travesseiros nas janelas para evitar que o Pazuzu genérico tentasse fugir por ali e levasse um padre junto — aliás, de onde eles tiraram tantos travesseiros? Depois de tudo o que aconteceu, esse é o menor dos problemas.
O Sétimo Dia está disponível no catálogo do Amazon Prime Video.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.