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10 anos de Game of Thrones | Vale a pena rever?

Por| Editado por Jones Oliveira | 15 de Abril de 2021 às 16h42

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Atenção! Este artigo pode conter spoilers sobre Game of Thrones.

O ano é 2011. Uma colega da graduação, muito empolgada, me fala sobre uma história de reis, lobos gigantes e um monte de coisas que eu não estava entendendo, nem sabia o que era. Adaptação dos livros de George R.R. Martin? Também não sabia quem era o autor. A empolgação dela somado à minha recusa diante da sua outra indicação (How I Met Your Mother) criou peso suficiente na minha consciência e me levou a assistir Game of Thrones. Naquele dia, antes de dormir, decidi assistir ao primeiro episódio. Quando me dei conta, Ned Stark estava morto, a temporada havia acabado e eu estava surtada querendo mais. Já era manhã, os passarinhos cantavam e mais episódios… só em 2012.

Todos os apaixonados por Game of Thrones devem ter sua própria história de como foram absurdamente fisgados pela série. Personagens incríveis, diálogos impecáveis e, sobretudo, imprevisibilidade. O seriado é daquelas histórias que são constantemente interrompidas pelo "acaso", com quase nada se resolvendo e muitas tretas se acumulando. Desde o primeiro episódio, a tensão paira sobre todos os principais diálogos, que parecem uma versão verbal de um jogo de xadrez. Mas será que Game of Thrones continua tão incrível dez anos depois?

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O que foi

Assim como aconteceu com grandes franquias como Harry Potter, Game of Thrones se tornou um evento cultural global. Reunir-se diante da TV aos domingos à noite e discutir os eventos com amigos e familiares tornou-se, ao longo das temporadas, um ritual. Em alguns lugares, eventos eram criados para que pessoas se reunissem para assistir a um episódio juntas, em alguns casos promovendo jantares com receitas "medievais". Lá em 2019, os nossos artigos escritos por Rafael Rodrigues refletem bem essa vibe.

O tempo nos mostrou que Game of Thrones não foi a última vez que o hype reuniu fãs e, não fosse a pandemia, poderíamos estar novamente reunidos assistindo às séries Marvel, que retomaram a cultura de esperar ansiosamente pelos episódios semanais. Ainda assim, Game of Thrones é profunda e complexa o suficiente para promover reflexões em um nível que outras sagas focadas em um único herói não conseguem faz tão bem por recaírem no maniqueísmo.

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A estrutura do livro de George R.R. Martin nos conduz pela história através do ponto de vista de alguns personagens, de modo que aniquila, no leitor, qualquer possibilidade de definir quem ocupará o trono. Na verdade, é ainda mais imprevisível: com o anúncio de que o inverno está chegando (o que acontece no início da história), nem sabemos se ainda haverá um trono pelo qual lutar.

Ao mesmo tempo, a história é extremamente instigante. É prazerosa a manipulação da história e comemoramos cada xeque-mate dos diálogos. Na verdade, a comparação com o xadrez é injusta. Game of Thrones é muito mais complexo que isso, é uma história com RPG nas veias e é justamente isso que nos dá a sensação de que estamos fazendo parte da campanha, pensando em todos os possíveis desdobramentos das ações dos personagens.

Em 2011, entrei para o hype da história fantástica. Rever Game of Thrones, dez anos depois, é uma experiência impressionante e a maratona das primeiras temporadas raramente fica enfadonha. O olhar sobre o passado, no entanto, demonstra que talvez a série raramente foi explorada o suficiente pelos fãs. É inegável, inclusive, que um evento cultural dessa magnitude tenha nos moldado. Não saímos ilesos dos ensinamentos que surgem o tempo todo, seja dos diálogos, seja das consequências dos eventos.

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Estávamos tão empolgados com mortes, explosões verdes e dragões tacando fogo em tudo que pouca ou nenhuma discussão realmente substancial se desenvolvia a partir de Game of Thrones na época. Os vídeos ainda estão no YouTube para provar que estávamos mais preocupados em entender linhagens do que pensar o que a própria história estava nos mostrando: danem-se as linhagens e seus berços de ouro, essa é apenas uma das formas (talvez a mais fraca) de poder.

Ao contrário das possibilidades dos livros, a série não tem tempo para se debruçar com mais atenção sobre as estratégias de inteligência e o que ganhamos foi a espetacularização das batalhas e conflitos. O que de forma alguma é um defeito. A série nos fornece imagens que, talvez, nossa imaginação não consiga criar com tamanha riqueza durante a leitura. Ler ou ouvir Martin falando sobre a adaptação é excelente para entendermos o modo como o autor imaginava as cenas e, com isso, a série se torna um maravilhoso registro do que a mente dele havia pensado junto ao incrível trabalho da direção de arte, um dos setores responsáveis por despertar nosso amor pela série.

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Sem poder explorar a fundo a psique dos personagens, a série também demonstra o potencial da escolha de elenco. Nos livros, a descrição nos ajuda a construir a personalidade de personagens como Lorde Tywin Lannister, por exemplo. A série pega um atalho maravilhoso com a escolha de Charles Dance, muito competente ao nos dar todos os valores da casa Lennister apenas com a sua atuação. Ver como sua postura e olhar são capazes de fazer transbordar a inteligência e o privilégio da casa do seu personagem é um deleite tão grande quanto qualquer demonstração do poder orçamentário da série.

Hoje, em isolamento e longe do hype, rever Game of Thrones com calma e com conhecimento dos fatos nos permite atentar para o que está além do CGI. As duas últimas temporadas, no desespero de desenvolver a história sem o apoio do último livro (ainda não lançado), acabou revelando que o espetáculo é incrível, mas soa vazio sem o conteúdo intelectual e histórico inserido por Martin em seus personagens. O espetáculo continua até o final: é possível gritar diante da televisão, como se estivéssemos assistindo à final de uma Copa do Mundo (ou qualquer outro evento que lhe faça ficar inquieto no sofá).

O que é

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O tempo também nos oferece outro olhar sobre as polêmicas de Game of Thrones, em especial sobre suas personagens femininas. Particularmente, é difícil compreender a polêmica. A sexualização das personagens, embora seja um pouco proporcionada pela série, é muito mais uma consequência dos problemas sociais estruturais que estão na cabeça dos espectadores. O que Martin parece fazer é, na verdade, inverter os valores "da época": os selvagens não são selvagens, os pobres não são fracos, as mulheres não são inferiores e as pessoas com deficiência não são tratadas com capacitismo pelo livro. Papéis se invertem o tempo todo e a morte de Ned Stark (eliminando o nome mais famoso do elenco da primeira temporada) é um alerta de que absolutamente nada é garantia de segurança. Nome, honra, títulos, força ou dinheiro são apenas ferramentas.

O filósofo grego Heráclito de Éfeso dizia que não é possível entrar no mesmo rio duas vezes. Isso acontece porque o tempo não para e o presente é sempre um fragmento instantâneo que, no instante seguinte, já se tornou passado. Assim, quando entramos pela segunda vez no rio, nem o rio é o mesmo, nem nós somos os mesmos. Vimos Game of Thrones. Sabemos que termina mal, sabemos quem sobrevive, quem ocupará o trono de ferro. Mas a série já não é a mesma coisa, porque não somos as mesmas pessoas de dez ou dois anos atrás.

A obra que pode ser assistida no HBO GO é, claro, a mesma para todos, mas sabemos que nem todas as pessoas assistiram através do mesmo equipamento. Ver Game of Thrones na TV e no celular certamente são experiências muito distintas. Assistir à série aos domingos, em meio ao hype, também é muito diferente de assistir à série no isolamento, maratonando um episódio após o outro. Esta última experiência cobre um dos principais problemas do lançamento espaçado: a memória (não a toa, tínhamos resumos de todos os tipos antes da estreia de cada temporada).

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É só o contato contínuo com a série que nos permite entrar a fundo no desenvolvimento dos personagens e entender a política de Game of Thrones. Existem discussões muito profundas em cada personagem da série e, infelizmente, isso é bastante pouco comentado. O ódio pela última temporada certamente não tem muito a ver com a qualidade gráfica, já que a ação é bastante empolgante. O que falta é a genialidade do texto de Martin e, não a toa, os nossos personagens favoritos (a longo prazo) são justamente os renegados e marginalizados.

Futuro

Game of Thrones acabou há dois anos. Foram oito temporadas de uma experiência nerd coletiva. E foi incrível. As comemorações de dez anos da série, que estão sendo promovidas pela HBO neste mês de abril, incluem o desafio de maratona para os fãs. Claro que a iniciativa também é uma estratégia para fazer subirem as visualizações da série na plataforma de streaming — a guerra dos tronos também existe na indústria cinematográfica e, atualmente, a coroa dos recordes financeiros ainda é de Game of Thrones.

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Por outro lado, aprendemos sobre liberdade com os povos livres. Existe o Game of Thrones de George R.R. Martin. Existe o Game of Thrones da HBO. Mas também existe o Game of Thrones de cada leitor e de cada espectador. Iniciei este texto pela minha experiência pessoal justamente por isso. Não vivemos mais o hype da série, então não estamos mais sob as influências do senso comum que tomava conta das discussões. Os dragões são incríveis? Sim. Mas a série é muito mais que gente morrendo e demonstrações descomunais de poder.

O enorme gosto por Game of Thrones chegou a ter ares de fanatismo e, na época, sem um livro para adaptar, a série sucumbiu ao fan service, sintoma eternizado com a ressurreição de Jon Snow. Bom ou ruim, não importa, como explicou a citada matéria do Canaltech na época. A nós, fãs, cabe uma responsabilidade: O que faremos desse evento cultural, como perpetuaremos Game of Thrones para as próximas gerações e como apresentar essa série para quem está chegando agora?

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O dicionário nos diz que a palavra “fã” diz respeito à admiração. O que admiramos em Game of Thrones? O que continua funcionando dez anos depois e deve continuar funcionando nas próximas décadas? A HBO fez um investimento grande o suficiente para que a série sobrevivesse por muito tempo sem começar a perecer “pobre” ou “trash” com o tempo. É notável como ela foi ficando com um orçamento cada vez maior, mas como a história não exige demais no princípio, o excelente trabalho de direção de arte sustenta a fantasia do que estamos vendo. O legado de Game of Thrones, no entanto, está em nossas mãos.

Não somos responsáveis por como as pessoas verão a série, claro. Não acho exagero pensar, no entanto, que quem a acompanhou durante o hype se torna, hoje, representante de uma era da cultura pop. A HBO já está envolvida com sua próxima série, House of the Dragon, e a série anterior sempre será evocada, mas agora não temos mais propagandas espalhadas em todos os lugares, incentivando pessoas a assistirem ou lerem Game of Thrones. A propaganda, agora, é dos fãs.

Nesse sentido, os dragões devem sustentar a curiosidade por algum tempo, mas, quando a série começar a ficar esteticamente "ultrapassada", a ação não trará novos fãs para Westeros, mas sim a história, os detalhes, os diálogos e pequenos jogos de poder que se desenrolam o tempo todo e têm muito a dizer sobre o mundo no qual vivemos.

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Rever Game of Thrones não é mais apenas um entretenimento (ainda que possa ser assistido dessa forma). Essa é uma obra que faz parte do imaginário de gerações. É uma obra de arte que conecta pessoas que jamais se conheceram e que, incrivelmente, tendem a ter os mesmos sentimentos, como o ódio por Jofrey, o que é algo incrível (e muito significativo) para termos em comum.

* Agradeço a Jeff Augusto por compartilhar suas impressões sobre a experiência de maratonar os GoT.