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Crítica | Tim Maia é muito mais do que "o maluco da Primavera"

Por| 06 de Fevereiro de 2021 às 17h00

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Globo Filmes
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Filmes biográficos musicais quase sempre apresentam heróis falhos muito além de imperfeições humanas. São personagens, na maioria das ocasiões, nocivos para si mesmos — podendo o ser para quem está ao seu redor também. Ao mesmo tempo, a arte, que carrega o heroísmo por meio da armadura da genialidade, ameniza a selvageria das atitudes. Deve ser difícil fugir disso em uma adaptação da figura de Tim Maia — talvez impossível.

Por outro lado, a mesma arte que tem poder de suavizar tem, igualmente, força para dar voz à tal selvageria. Às vezes, com muita originalidade (como na obra-prima Amadeus — de Milos Forman, 1984). Tudo isso no sentido de que um artista nem sempre é cruel consigo externamente e, internamente, um poço de sensibilidade. Este é o clichê, o estereótipo, que vai praticamente de Beethoven (e as cinebiografias de sua vida) a Freddie Mercury (vide Bohemian Rhapsody). Em Tim Maia, de todo modo, isso é muito claro e não demora para ficar explícito.

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Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!

De peito aberto

São muitas as histórias na vida do Tião da Marmita e, a partir delas, o roteiro de Antonia Pellegrino (de Bruna Surfistinha) e Mauro Lima (de João, o Maestro) até tira — e muito — o peso da abordagem. Por mais que não se esquivem da inserção das drogas e não fujam da criação de cenas mais pesadas, como a que o já famoso cantor e compositor bate em Janaína (Alinne Moraes), há uma sensação de leveza na forma de contar aquilo tudo.

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A começar pela narração em off de Fábio (Cauã Reymond), Tim Maia está sempre cercado por uma aura suave. A voz de Reymond transmite carinho desde o princípio, tanto através do texto quanto de sua interpretação. Aos poucos, ele repete "meu amigo" como se abrisse caminho para que Tião desenvolva uma amizade também com o espectador. E, em certo momento, parece abrandar os atos do protagonista, justificando as brutalidades ao dizer que "a carcaça dura de rinoceronte protegia um coração mole e agigantado".

Tudo, claro, regado à música do problemático gênio que, por meio da simplicidade, fazia ecoar a voz. Nesse sentido, a cena em que encontra Nara Leão (Mallu Magalhães) cantando em um bar acompanhada por um violonista é fundamental para o entendimento do quão simples e sincero era aquele homem. Ao dizer para o amigo Erasmo Carlos (Tito Naville) que viu mais acordes em metade da música tocada pelo violonista do que eles fizeram na vida inteira, o ainda jovem Tim desliga-se de uma certa elite musical (a participação de Magalhães é quase metalinguística) e se mostra de peito aberto para o povo.

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"Vamos falar de amor, somente de amor"

Apesar das sutilezas do roteiro, capaz de fomentar subtextos de muita força, Tim Maia tem suas fraquezas e elas podem ser dúbias. Se a dita narração de Reymond está carregada da competência do ator, simultaneamente ela parece escrita em uma pegada essencialmente novelesca. Embora seja um recurso que enriquece o filme em alguns momentos, especialmente ao criar laços de afeto do público para com o personagem título, em muitas oportunidades ela é expositiva em excesso. Afirmando sobre a morte de alguém ao mesmo tempo em que é exposto o funeral da pessoa por exemplo, o texto acaba por se ligar aos programas televisivos que precisam ressaltar alguns elementos em uma história muito mais longa.

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Dessa maneira, dividido em minissérie, como aconteceu no ano seguinte ao seu lançamento nos cinemas, o trabalho de Lima talvez encontre um lugar mais adequado. A mão do próprio diretor tem um caráter televisivo ao se manter em planos uniformes, como se o planejamento mais detalhado do que causar com suas escolhas (com sua decupagem) não fosse tão necessário. É tanto que, quando essa mão da direção resolve ser mais efetiva e ceder uma visão sobre o texto, surgem cenas a partir de planos que dizem muito e que, por isso, poderiam ser mais longas.

Tim Maia, no final das contas, resiste muito por causa da história dura do artista retratado. Aliás, Robson Nunes e Babu Santana (o jovem e o experiente Tim) são vitais para que o filme seja muito mais do que — em análise fria — é de fato. Enquanto Nunes interpreta a selvageria de alguém que carrega o peso de um mundo parcial com suas origens e aparência, Santana traz a sensibilidade de um homem afogado em si mesmo — inclusive pelo seu passado sofrido.

É uma pena, portanto, que o ponto de vista, tanto do roteiro quando da direção, não traga o peso das situações para o primeiro plano e prefira manter — tanto pela leveza da narração quanto pela aparente alegria das músicas (com exceções românticas) — tudo nice. Inclusive, até a cena mais forte pode receber traços de leveza, com a conversa dos dois policiais após retirarem a metralhadora do colo de Tim: "É o maluco da Primavera, hein?!" "Minha mulher é fãzona dele."

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A verdade é que Tim era (e permanece sendo), sim, o tal "maluco da Primavera", mas ele, ali, está gritando: "Sai, chuva!" As nuvens nubladas, no caso, eram a mente dele mesmo. E, ao cantar que "hoje o céu está tão lindo", aquele homem cantava (e canta) sobre a sensação de liberdade que, provavelmente, ele nunca sentiu com muita clareza.

Meu amor,hoje o céu está tão lindo.Sai, chuva!Hoje o céu está tão lindo.É primavera.

Tim Maia está disponível no catálogo da Netflix. O filme também pode ser assistido no streaming do Telecine e no Now. Para compra, pode ser adquirido no iTunes da Apple e no Google Play Filmes.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech