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Crítica | Bohemian Rhapsody: você dançará o fandango?

Por| 02 de Novembro de 2018 às 14h55

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Crítica | Bohemian Rhapsody: você dançará o fandango?
Crítica | Bohemian Rhapsody: você dançará o fandango?

“Você é uma lenda, Freddie.”, dizem os integrantes do Queen para aquele que viria a ser considerado pela crítica um dos maiores artistas de todos os tempos. Conscientes da força e influência do vocalista, ainda mais no momento delicado em que esse diálogo acontece, o guitarrista Brian May (Gwilym Lee), o baterista Roger Taylor (Ben Hardy) e o baixista John Deacon (Joseph Mazzello) demonstram um carinho que é fruto de uma amizade verdadeira, cheia de admiração e respeito. Isso acaba se tornando mais forte por ser algo recíproco: Freddie Mercury pouco seria sem exatamente aqueles músicos; e Brian, Roger e John pouco seguiriam com a música sem o Queen.

Cuidado! Esta crítica pode conter spoilers!

É interessante perceber o comportamento das cinebiografias: enquanto algumas são construídas através de uma fórmula (como o recente A Teoria de Tudo), outras buscam uma fidelidade estética e estrutural com a vida do personagem a ser retratado (como a vida intensa e metaforicamente em preto e branco de Jake LaMotta em Touro Indomável). Há, também, aquelas que misturam ambas as medidas, resultando em algo como Rush: No Limite da Emoção, que reúne uma direção consciente da velocidade em torno de James Hunt e Niki Lauda em contraste com suas personalidades impulsiva e metódica respectivamente. A fórmula garante uma história geralmente linear, com uma crescente, um conflito e uma redenção; a fidelidade estética e estrutural dá vida própria ao filme, fazendo-o não ser uma arte requentada, mas algo genuíno.

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Dentro dessas possibilidades, existem questões de representações do elenco. Normalmente, se a personalidade a ser retratada tem uma vida pública (como grandes esportistas, músicos, políticos...), a tendência é que se busque a fidelidade (Frost/Nixon e The Doors são exemplos nesse sentido); caso seja uma personalidade menos conhecida publicamente, como Mark Zuckerberg (especialmente há quase uma década), a liberdade maior dificilmente incomoda, o que pode render filmes, por exemplo, como A Rede Social, com um Zuckerberg que pouco se assemelha ao real.

Por todas as vias, os melhores filmes biográficos precisam de pulso na condução, de uma sensibilidade artística, de personalidade. Não à toa, os citados foram dirigidos por Martin Scorsese, Ron Howard (duplamente), Oliver Stone e David Fincher: quatro diretores que, mesmo dentro da indústria hollywoodiana (velha ou nova), sempre mantiveram suas marcas.

Rami Malek e os momentos inspirados do filme

Bohemian Rhapsody, por sua vez, vale-se de sua figura central, Freddie Mercury, e a encarnação absolutamente fascinante de Rami Malek. O ator é de uma entrega incondicional, conseguindo imitar trejeitos, gestos e olhares de alguém que poderia facilmente ser taxado de inimitável. Além disso, o trabalho vocal de Malek é mais uma demonstração de dedicação intensa. Por mais que a maioria das vozes escutadas durante as músicas sejam originais da banda, há trechos, como a cena em que Malek canta Parabéns a Você ao piano, que são a mistura entre a voz do ator e de um cantor canadense descoberto na internet chamado Marc Martel – que já integrou uma banda cover do Queen, a Queen Extravaganza.

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Há momentos inspirados durante o filme, como a cena em que Freddie grava em estúdio e, ao lado de fora, os integrantes da banda assistem, formando a silhueta que dá início ao clipe original de Bohemian Rhapsody; ou como um simples plano de uma galinha que se funde com um agudo “galileo” sendo gravado por Roger; ou, ainda, os planos que arremessam o espectador para dentro do emblemático show para o Live Aid de 1985 – e, em alguns momentos, é possível acreditar que aquilo tudo está acontecendo ao vivo (algo que parece só se corromper por causa do público construído por imagens geradas por computador – o famoso CGI).

Há vida além da música?

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A questão principal, porém, é a falta de norte de Bohemian Rhapsody. Muito devido a problemas durante a produção, que afastaram o irregular Bryan Singer (Os Suspeitos, X-Men: Apocalipse) da direção com dois terços das filmagens realizadas, mas prejudicado em grande escala pelo roteiro que opta por uma fórmula que pode parecer simples demais para retratar a história de alguém tão intenso. Falta, portanto (e no mínimo), a mão de um diretor para dar vida além da música para Freddie e sua banda. A sensação é a de que carece, no filme, o que sobra nas músicas do Queen: vitalidade, emoção, novidade, desejo.

E há um agravante nesse sentido: ao optar por não legendar as músicas em sua distribuição, a Fox Film do Brasil acaba por excluir as letras das músicas para uma parcela considerável de espectadores. Elas (as letras), sozinhas, já contam histórias que podem salvar o roteiro em diversos pontos. Isso é muito claro, por exemplo, quando Freddie entoa, junto ao público, Bohemian Rhapsody durante o Live Aid, pouco após revelar a sua doença à banda. Em tradução livre, ele canta:

“Tarde demais. Chegou minha hora. Sinto arrepios em minha espinha. Meu corpo dói o tempo todo. Adeus a todos. Eu tenho que ir. Tenho que deixar todos vocês para trás e encarar a verdade. Mamãe! Eu não quero morrer. Às vezes eu queria nunca ter nascido!” (em tradução livre)

Os olhares de Brian, Roger, John, Mary (Lucy Boynton) e Jim Beach (o Miami Beach, vivido por Tom Hollander) para Freddie e para a plateia gigante engrandecem a cena exatamente devido ao sentido da canção, que se perde sem o entendimento da letra. Felizmente, a música do Queen é maior do que o seu próprio significado, conseguindo uma base de comoção mesmo assim.

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Freddie Mercury preso em um esquema

Bohemian Rhapsody faz transbordar o talento de Rami Malek (auxiliado pelos seus treinadores de movimentação e dialeto); conta com um desempenho com o olhar de Gwilym Lee (o Brian) que é cativante; é corajoso ao revelar da forma mais natural possível as relações homoafetivas da lenda, especialmente aquela com Jim Hutton (Aaron McCusker); traz algumas cenas verdadeiramente inspiradas (a cena em que Freddie tem a ideia para o piano da Bohemian Rhapsody enquanto está deitado com Mary pode ser incluída aqui); tem um figurino claramente fruto de muita pesquisa e trabalho, assim como a maquiagem; e o trabalho de edição de som é de uma beleza sem tamanho, especialmente durante a imersiva cena do show para o Live Aid (novamente), que foge do comum ao construir o som da banda e da voz de Freddie sem as medidas próprias de músicas gravadas em estúdio.

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Por outro lado, o que a vida de Freddie Mercury menos precisava era de um manual de instruções. O roteiro, que padece sem qualquer fuga da mesmice, é uma história de crescimento, obstáculo e redenção que se diferencia da maioria somente por causa da matéria-prima. Que é, de fato, extremamente forte, impactante e bonita, mas que permanece presa em um esquema que, ainda por cima, não tem uma mente que lhe dê substância.