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Crítica The Dropout | A ambição predatória de Elizabeth Holmes

Por| Editado por Jones Oliveira | 03 de Março de 2022 às 11h30

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Divulgação/Star+
Divulgação/Star+

A promessa era das boas. Um exame de sangue rápido, feito de forma altamente tecnológica, sem a necessidade de coleta de muito material, bastando apenas uma gota de sangue. O fim das marcações de consultas, deslocamento e, principalmente dos altos valores que são uma das características mais marcantes do sistema de saúde dos EUA. Parecia bom demais para ser verdade. E realmente era.

Essa é a história da Theranos, que agora é retratada em The Dropout, nova minissérie que traz uma história que incomoda por ser real e dar pouca importância às barreiras éticas e morais, tudo em prol da ambição com etiqueta de bilhões de dólares. Amanda Seyfried (Mank) entrega uma atuação brilhante, que nos leva dos dormitórios de Stanford até os tribunais, passando por uma startup unicórnio e quase como uma personagem diferente a cada capítulo.

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The Dropout estreia no Brasil pelo Star+ nesta quinta-feira, 3 de março, com seus três primeiros episódios, seguindo com um por semana até o final, no oitavo.

O Canaltech teve acesso a seis capítulos dessa história que é, na realidade, uma jornada sem volta em que percebemos Holmes se perdendo a cada etapa. A minissérie não passa a mão na cabeça da personagem real nem faz questão de justificar seus atos, devidamente cobrados e sentenciados na justiça estadunidense, mas faz questão de lançar um olhar sobre como aparências, falas bem colocadas e um pouco de presença na voz fazem toda a diferença para a devastação completa.

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O fato de estarmos falando de elementos bem pessoais talvez ajude a entender um pouco o fato de Holmes simplesmente ignorar qualquer questão ética em prol de sua ambição.

A ideia da Theranos nasce da vontade da protagonista de mudar o mundo depois de muito olhar para um pôster do fundador da Apple grudado na parede de seu dormitório, e de uma fobia de tirar o próprio sangue que se tornaria o centro de sua atuação. Unidos estes dois elementos, semeados no campo fértil de uma Stanford que colhia os louros de ter sido o celeiro de grandes nomes e inovações tecnológicas maiores ainda, estava pavimentado o caminho para o desastre.

O próprio nome da série, The Dropout, faz menção à desistência de Holmes dos estudos formais, mas nem de longe é um elemento central. A faculdade logo se torna uma inconveniência e, mais do que isso, um desestímulo, enquanto ela tenta alçar voos bem maiores. E é impressionante como ela consegue fazer isso.

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Novamente, estamos falando de um fruto de seu sistema. Olhando de fora, do conforto de nossos sofás e, principalmente, conhecendo a história da Theranos, é fácil pensar no absurdo enquanto milhões de dólares são despejados em uma empresa sem produto algum e cheia de pontos escuros.

Na prática, em um Vale do Silício altamente competitivo, em que ideias surgem, desaparecem ou se tornam absolutamente lucrativas da noite para o dia, é mais fácil ver como as mentiras de Holmes chegaram tão longe e afetaram tanta gente.

Isso vale até mesmo para quem trabalhava com ela. De equipes de engenharia empolgadas com a possibilidade de mudar o mundo, designers saídos da própria Apple entusiasmados com a ideia a um corpo de executivos sedentos por dinheiro, todos embarcaram na Theranos. E quase ninguém saiu intacto quando ele afundou.

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Aqui, nota incrivelmente positiva para a atuação de Stephen Fry (Assassinato em Gosford Park), como um dos principais especialistas da Theranos e centro de uma das histórias mais dramáticas de toda a série.

Por boa parte de The Dropout, ele é o ponto de ligação com o espectador e acaba atingido diretamente pelas ações da startup, enquanto se entrega de corpo e alma a um sonho que também é dele e se torna mais dolorido enquanto é despedaçado diante de seus olhos.

Nenhum dos outros nomes do elenco, porém, brilha tanto quanto a própria Seyfried, no que deve se tornar um de seus papéis mais impactantes. Ela atua com os olhos e com as microexpressões, sempre desconfortáveis, atentas e em modo de defesa. Sua personagem parece estar sempre correndo, seja na direção de algo ou fugindo, enquanto tece uma ideia que a embrenha tanto quanto a todos os outros. Acima de qualquer coisa, aquele é o sonho dela e ela vai fazer o possível para atingi-lo.

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Tal postura chega a render alguns momentos bizarros, como quando Holmes passa a engrossar a própria voz por achar que isso a faria ser mais respeitada, tornando-se ridícula ao mesmo tempo que consegue exatamente isso.

Ou quando passa a tomar um suco verde horroroso, que ela própria diz detestar após tê-lo entregue por Sunny Balwani (Naveen Andrews, de Lost), apenas para ver a gororoba se tornando uma de suas marcas registradas pois isso é algo comum no Vale do Silício.

A produção se aproveita de tudo isso, abusando de closes no rosto da atriz e longas cenas de câmera parada sobre ela. Quase dá para ver a cabeça dela maquinando, seja para inventar a próxima máxima inspiradora ou uma maneira de escapar de uma pergunta difícil.

Em um dos momentos mais impactantes da série, Seyfried parece olhar no fundo dos nossos olhos e conhecer todos os nossos segredos, assim como conhecemos os dela — apesar de ela afirmar veemente não ter nenhum; e todos acreditarem nisso.

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Uma mentira dita mil vezes não se torna verdade

The Dropout é uma série de pontos de virada, que marcam as mudanças e auxiliam no formato semanal. Afinal de contas, estamos falando dos eventos de quase duas décadas traduzidos em oito capítulos, com cada um deles sendo bem diferente do outro e, até mesmo, voltando seus olhos para outros personagens além de Holmes, ainda que, como tudo relacionado a Theranos, orbite ao redor dela.

Há uma pequena barriga no segundo capítulo, mas, no restante do tempo, a minissérie segue em um rompante de absurdez, promessas e conceitos cada vez maiores e mais ambiciosos, tornando a realidade altamente incômoda.

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É fácil, por exemplo, entender como homens de meia-idade endinheirados viram na moça bonita e cheia de palavras interessantes um caminho para ganharem mais dinheiro; mais complexo, entretanto, é ver a maneira pela qual ela atinge tais fins, que, a cada novo ato, se tornam mais inalcançáveis.

A história da Theranos envolve espionar os próprios funcionários, mandar embora aqueles que questionam demais e até um clima de opressão que divide departamentos e faz com que ninguém, além da própria Holmes e de Sunny, tenham real conhecimento do que está acontecendo. Pilhas de acordos de confidencialidade e termos jurídicos confundem a todos, enquanto o sonho se transforma cada vez mais em um pesadelo.

Não existe meio-termo em The Dropout e a minissérie, assim como a própria história, é sobre seguir firme até dar com a cabeça no muro. Em oito episódios, se desenrola uma saga de ambição cega em que a moralidade e o cuidado não têm espaço, enquanto o título de bilionária e unicórnio vale mais, até mesmo, que o tamanho do investimento e o caráter da empresa em si.

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É um grande jogo de aparências em que as máscaras são absolutamente falsas, feitas de papel como em outro assustador e emblemático momento da trama, mas do qual todos estão dispostos a participar. E isso também vale ambém para o espectador, que fica grudado na tela esperando o próximo ato absurdo ou evento escabroso, e assim por diante, até o final da série. Vale a pena para conhecer a história da Theranos, ver uma atuação absoluta de Seyfried, um lado obscuro do Vale do Silício, as ridiculices desse mundo ou como estudo do personagem.

The Dropout é uma produção original do Hulu que tem Elizabeth Meriwether (New Girl) como showrunner. No elenco também estão William H. Macy (Jurassic Park III), Sam Waterston (O Grande Gatsby), Utkarsh Ambudkar (Free Guy) e Elizabeth Marvel (Bravura Indômita).

No Brasil, The Dropout é exibida pelo Star+.