Crítica Pobres Criaturas | Uma obra surrealista maravilhosamente bem construída
Por Diandra Guedes • Editado por Durval Ramos |
Conhecido como a sétima arte, o cinema tem o poder de surpreender o espectador e causar diferentes emoções em quem está assistindo a um filme. Seja no terror, na comédia ou no drama, não faltam títulos que mexam com a cabeça da audiência. Mas quão maravilhoso é se sentar em uma cadeira e assistir a uma obra totalmente surrealista que foge de quase tudo que estamos acostumados a ver? Essa é a ideia que o diretor grego Yorgos Lanthimos — conhecido por seus filmes "malucos" como A Lagosta e A Favorita — propõe com Pobres Criaturas, um drama estrelado e produzido por Emma Stone que estreia em 1º de fevereiro.
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A obra é um mergulho em um mundo surreal que, apesar de fantasioso, tem elementos cruéis muito presentes na nossa sociedade, como o machismo, a misoginia e o elitismo. Sem nenhuma dificuldade, o roteiro assinado por Tony McNamara consegue reunir tudo que um filme precisa para ser brilhante; humor, terror, drama e crítica social.
E tudo parece tão bem montado e encaixado que dá ao espectador a ideia de que criar um filme tão brilhante como este seja uma tarefa fácil, mas é só prestar atenção no texto e nas atuações impecáveis para perceber que Pobres Criaturas demandou muito trabalho em equipe.
Para começar, a história — que foi inspirado no livro homônimo de Alasdair Grey — tem um quê de Frankestein e mostra o doutor Godwin Baxter (Willem Dafoe), um homem cujo rosto é todo remendado, cuidando da sua filha adotiva Bella Baxter (Emma Stone). Apesar de ser um dos cirurgiões mais respeitados do país, ele tem um comportamento um tanto quanto excêntrico e não permite que a filha quase nunca saia de casa.
A jovem apesar de aparentar ter uns 20 e poucos anos, se comporta de maneira atípica, como se o seu cérebro e seu corpo não estivessem no mesmo compasso. Quem percebe essa diferença é Max McCandless (Ramy Youssef), um estudante de medicina e pupilo de Godwin.
Não demora muito para que ele descubra toda a verdade por trás da vida da moça, e saiba que ela tem, literalmente, o cérebro de uma criança. Mesmo assim, ele decide se casar com ela, provando que não se importa de estar ao lado de uma mulher que ele possa manipular.
Acontece que antes de subir ao altar com ele, a mocinha decide conhecer o mundo ao lado de Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo), um advogado sem caráter que só quer se aproveitar dela, mas que descobre da pior forma possível que apesar de ingênua, Bella não é um brinquedo em suas mãos.
A ingenuidade de Bella e o reflexo da sociedade
E é se escorando nessa ingenuidade e pureza de Bella que o filme constrói uma narrativa recheada de metáforas que apontam os dedos para as feridas da nossa sociedade. Desde o machismo gritante de Duncan até a misoginia que ela sofre na casa de prostituição, tudo está ali, mas retratado de uma maneira tão explícita e ao mesmo tempo sutil que confirma o surrealismo do longa.
Outro ponto marcante é a obsessão que os homens e a sociedade têm em frear o apetite sexual voraz da protagonista, sempre coibindo-a e diminuindo-a até que ela caiba dentro da palma da mão deles. Essa é a grande crítica do longa que se pauta na desconstrução da sociedade de costumes. Afinal, somos realmente livres para falar o que pensamos? Homens e mulheres gozam da mesma liberdade?
Mas como nem tudo é drama na vida da protagonista, a partir de um certo ponto ela consegue se firmar como dona da sua própria vida e deixar claro o que quer. Com o avançar da trama é nítido ver o amadurecimento de Bella, tanto no modo de agir quanto no de se expressar. É quando começa essa transformação que o filme deixa de ser preto e branco e passa a ganhar tons vivos, em um ótimo jogo de cores.
E por falar na fotografia, é preciso dizer que ela é um dos grandes atrativos de Pobres Criaturas. As cores super saturadas fazem as imagens parecerem palpáveis, como se bastasse esticar a mão para tocá-las. O uso da câmera olho de peixe também é um ótimo artifício do longa. No início pode parecer apenas um capricho do diretor, mas logo se firma como uma marca desse surrealismo absurdo.
O figurino também importa, e apesar de ser ambientado na Era Vitoriana, o filme deixa o público sem saber se está no passado, no futuro ou em um futuro passado — um período tão distópico quanto real. E é por meio desse desconforto e desse texto impecável que a trama faz pouco mais de duas horas de tela passarem rapidamente.
O talento de Emma Stone
Se por um lado quase todos os aspectos técnicos de Pobres Criaturas são impecáveis, por outro as atuações da protagonista e dos coadjuvantes deixam qualquer um de queixo caído. Não existe performance medíocre no longa. Todos estão confortáveis em seus papéis, embora uns ganhem mais tempo de tela do que outros.
Ruffalo consegue ser um canalha sem perder o humor que lhe cai tão bem. O ator que já viveu muitos mocinhos no cinema, não perde o charme mesmo nos momentos mais sórdidos. Willem Dafoe (o eterno Duende Verde de Homem Aranha) também entrega o melhor de si como o médico pertubado que faz experiências com quase tudo que é vivo — não à toa ele tem um um galo que late e um porco metade cachorro.
Mas quem brilha mesmo é Emma Stone. A atriz que já atuou em La La Land, Cruella e A Mentira entrega uma das melhores atuações da sua carreira, senão a melhor. Desde quando interpreta os trejeitos de uma criança aprendendo a andar, até nas cenas de sexo mais explícitas, tudo é feito com um talento e uma qualidade absurda.
As expressões faciais, o olhar e o modo de se mexer de Emma provam mais uma vez que ela é um dos grandes talentos da sua geração. Se a atriz levará o Oscar por sua performance ainda é um mistério, mas é fato que tanto ela quanto o filme merecem ser reconhecidos pela crítica.
E se você quiser assisti-lo e tirar suas próprias conclusões, vai encontrá-lo nos cinemas a partir do dia 1 de fevereiro.