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Crítica | Cruella é um manifesto punk e de alta costura

Por| Editado por Jones Oliveira | 26 de Maio de 2021 às 10h00

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Existe um tom fantasioso na onda de remakes em live-action dos filmes da Disney. Por mais que exijam um alto orçamento para a direção de arte com o intuito de pegar o espectador pelas mãos e convidá-lo a mergulhar naquele mundo visto em tela, ainda há algo que faz a história ser absorvida e avaliada sob uma ótica externa, sem que alguém se encaixe 100% naquele universo.

Em Cruella, no entanto, a escolha de Craig Gillespie é justamente fisgar o público pelo colarinho e torná-lo testemunha dos acontecimentos contados ali. Embora trate-se de uma trama fictícia, o diretor transforma a história de Estella (Emma Stone) em um longa-metragem biográfico que poderia facilmente ser confundido com algo baseado em acontecimentos reais.

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Atenção! A partir daqui esse texto pode conter spoilers sobre o filme.

Essa tarefa é tratada com cuidado do primeiro ao minuto final, desde a construção do que virá a ser a vilã mais bem vestida do cinema ao contexto histórico no qual ela está inserida. Por conta da coerência da personagem com o cenário, é inevitável acreditar que Cruella de Vil realmente foi um símbolo da identidade que tomou Londres 20 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando a metrópole transformou-se num polo cultural jovem e começou a ferver em meio à revolução punk rock.

Em paralelo, Gillespie ainda apresenta uma versão mais jovem de Estella, cujo coração sempre bateu mais forte por designs de moda. A personagem, tanto criança quanto adulta, possui claras semelhanças com Tonya Harding de Margot Robbie — e é proposital, tanto em suas nuances quanto em como ambas protagonistas se manifestam para o mundo. Para o espectador, também existe essa abordagem ao quebrar o contato com os personagens e dialogar diretamente com o público. Em Eu, Tonya (2017), o cineasta escolhe um tom mais documental, com os depoimentos dos personagens respingados e encaixados entre os acontecimentos do filme; já em Cruella (2021), Emma Stone e seu carregado sotaque britânico tomam conta da narração em primeira pessoa desde a cena inicial.

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Essa escolha funciona muito bem para não só inserir o espectador na trama, como também torná-lo aliado de Cruella na história. Os eventos retratados, quando mesclados à ótica da vilã, não dão outra escolha ao público a não ser comprar o lado da protagonista diante das consequências que virão. O senso de humor obscuro, a língua afiada e o comportamento impulsivo da personagem acabam se tornando atrativos, com uma diversão irresponsável e um prazer causado pelo proibido andando lado a lado.

Embora de longa duração (especificamente 45 minutos a mais do que usual para uma produção da Disney), a história é fluida e cativante — e muito disso vem de seus personagens e dinâmicas. Emma Stone está impecável e totalmente entregue ao papel, usando e abusando de todas as expressões que seu olhar pode render e tirando do fundo da garganta a mais vilanesca risada; mas há também de se enaltecer o trabalho de Emma Thompson, que está totalmente irreconhecível como a antagonista Baronesa von Hellman, uma versão inglesa de Miranda Priestly numa Londres dos anos 1970.

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A comparação, aliás, não é à toa: quem está por trás da história de Cruella é Aline Brosh McKenna, mesma roteirista de O Diabo Veste Prada (2006). Thompson carrega referências da personagem de Meryl Streep em cada um de seus detalhes e trejeitos, seja pelo movimento da boca, jeito de andar ou o império fashion fictício que construiu. Sua cena inicial, inclusive, pode ser lida como uma homenagem ao filme de 2006, em que sua visita aos locais é praticamente um evento, com os demais mortais ao seu redor abrindo caminho como se estendessem um tapete vermelho para ela caminhar sobre.

O embate entre as duas é o que resulta na origem de Cruella de Vil, mesmo que Estella tenha tratado a vilã como um alter-ego desde sua infância. Nesse caso, a personagem de Stone se vê obcecada em ser a melhor no universo da moda inglesa, mas desde o princípio o diretor opta por uma linguagem de opostos entre ambas, como, por exemplo, colocando a Baronesa von Hellman num nível acima de Estella, com roupas de tons contrários ou em diferentes posições enquanto dialogam. Gillespie apresenta (e orienta o público desde o início) a comprar a ideia de que Cruella não deve ser mantida aprisionada como uma persona; a partir do momento em que Estella a deixa tomar os holofotes, o diretor a coloca lado a lado da Baronesa, subindo agora a vilã em pequenos degraus figurativos no desenrolar de seu filme.

Há muito o que dizer também sobre os demais coadjuvantes. Por mais que tratados em paralelo, Jasper (Joel Fry) e Horace (Paul Walter Hauser, que brilha no papel) possuem seus momentos de estrelato de uma forma que andam em sintonia com a personagem principal. Os "capangas" da vilã possuem muito mais peso em sua história do que é mostrado na animação de 1961, entregando em seu relacionamento o ressignificado de uma família, mais sensibilidade para a personagem e, quem sabe, um possível interesse amoroso.

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Todos esses elementos, quando trabalhados em conjunto, entregam uma história agressiva e de alta costura. O figurino assinado por Jenny Beavan é de tirar o fôlego e complementa a identidade de cada um dos personagens em tela dentro dos contextos em que são colocados. A designer premiada por Mad Max: Estrada da Fúria é responsável por dar vigor a essa transformação de Estella para Cruella, cujo peso acaba sendo tão gigante quanto ao que ela fez com Furiosa, de Charlize Theron. Tanto ela quanto a equipe de cabelo e maquiagem, com surpreendentes 28 integrantes, têm um trabalho elegível a duas indicações nas categorias técnicas do Oscar no ano que vem.

Cruella é explosivo, exorbitante e arrebatador. Emma Stone e Emma Thompson são as verdadeiras estrelas de um embate fashion que poderia muito bem estar presente em um livro de história e que fazem, sem dúvidas, a prequela se destacar entre os demais live-actions da Disney até agora. Além do mais, o filme em momento algum desmerece o legado criado e deixado por Glenn Close (que entra como produtora executiva do projeto) em 101 Dálmatas (1996), abraçando-o e demonstrando gratidão, trazendo uma atriz à altura para contar os antecedentes da história. Craig Gillespie acende a faísca em Eu, Tonya (2017), mas é em Cruella que o cineasta transforma seu trabalho num incêndio com a mais cara das etiquetas.

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Cruella estará disponível no Disney+ por meio do Premier Access e em cinemas selecionados a partir de sexta-feira, 28 de maio.