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Crítica | Pets Unidos! é uma animação constrangedora

Por| 29 de Setembro de 2020 às 19h00

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É verdade que crianças bem pequenas estão muito mais susceptíveis às coisas simples do que as maiores e os adultos. Muitas vezes, a simplicidade de uma produção direcionada para o público infantil vem aliada a um trabalho dedicado, rico e até carinhoso. Não falo das animações que têm o dedo da Pixar ou do Studio Ghibli. Dora: A Aventureira, da Nickelodeon (e disponível na Netflix), por exemplo, pode ser considerado um desenho animado seriado de bom gosto e, em sua simplicidade, de uma qualidade brutalmente superior a Pets Unidos!.

Há razões para discutir a existência desse lançamento. Uma delas é a participação da China enquanto produtora, deixando uma marca política muito clara e que pode soar, atualmente, hipócrita especialmente no terceiro ato do filme. Mas, por outro lado, se pode atingir os adultos de maneira quase ofensiva, para as crianças pode ter uma mensagem tão relevante quanto a de Fuga das Galinhas (de Peter Lord e Nick Park, 2000) e Vida de Inseto (de John Lasseter e Andrew Stanton, 1998). Isso porque elas (as crianças) têm um poder que nós geralmente perdemos com o passar do tempo, que é conseguir extrair o melhor de tudo.

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Nesse sentido, Pets Unidos! não é exatamente uma aberração em suas mensagens finais de união entre diferentes, de oprimidos versus opressores, de uma amizade verdadeira acima de tudo. O problema está em como tudo é guiado pela direção de Reinhard Kloos (de Animais Unidos Jamais Serão Vencidos — animação de 2010) e, pior, em como o roteiro do próprio Kloos passa por cada cena.

Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!

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O riso pelo insulto

Existe uma falta de foco tão absurda no desenvolvimento do filme que ele poderia ser dividido em vários blocos. Kloos, dessa forma, parece duvidar da capacidade de uma criança de compreender ou experenciar uma história maior e abrangente, recheando tudo sem a menor capacidade de dar liga ou validade ao que acontece. São, na prática, vários pequenos esquetes e acontecimentos que vão inserindo personagens sem o menor cuidado em desenvolvê-los e criando situações sem deixá-las críveis dentro daquele universo.

O que dizer do trio do mal do zoológico que, facilmente superado pela equipe do bem, acaba cantando canções que, no mínimo, são constrangedoras? É possível que isso tenha um efeito de divertimento, sim, mas é possível imaginar, igualmente, quantas possibilidades existem de divertir sem subjugar a inteligência.

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As inserções de canções, aliás, devem ser os momentos mais vergonhosos de Pets Unidos!. As piadas verbais, porém, fazem o maior esforço para serem tão ruins quanto, com uma, em especial, que pode incentivar o bullying por mais que queira passar a mensagem contrária. Isso porque, ao provocar o riso repetidas vezes por meio de um atributo físico de um personagem, não será um empoderamento rápido que irá demonstrar o quanto aquilo é errado.

Em outras palavras, é mais necessário e urgente combater a raiz dos insultos do que mostrar poder de superação. Autoestima é, sem dúvida, algo a ser sempre trabalhado, mas não é dando mais peso à depreciação que esse trabalho terá um bom efeito. Isso só piora durante o filme, visto que a vítima é um personagem terciário que só existe para ser fruto dessas piadas. O riso, no final das contas, fica registrado com mais força do que a tal superação.

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Responsabilidade

É verdade que o início pode despertar até algum nível de interesse. O protagonista, Roger, tem algum carisma e sua amizade com o robô-pet Bob é bonita, mas Pets Unidos! não tem esse foco... ou foco algum. Tudo termina em uma lição de moral com viés de revolução que até consegue plantar alguma semente, mas é tão superficial, expositivo e — especialmente a questão de civilização contra natureza — aleatório que, como professor, não duvido que tudo seja esquecido pelos pequenos após uma noite de sono.

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De repente, o que sobra é justamente tudo aquilo que a animação parece ser contra: como é interessante aquela cidade futurista, como é engraçado o nariz de fulano e como o bafo de sicrano é horrível. Claro, Roger tem carisma para que Pets Unidos! seja assistido repetidas vezes — visto que é uma prática comum durante a infância —, mas, diversão por diversão, existem outras dezenas mais estimulantes, competentes, engraçadas e, acima de tudo, responsáveis no catálogo da provedora de streaming.

Pets Unidos! está disponível no catálogo da Netflix.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.