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Crítica Finch | A emoção vai encontrar você

Por| Editado por Jones Oliveira | 17 de Novembro de 2021 às 18h30

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Tom Hanks

"Os humanos são cheios de contradições", diz Finch Weinberg no terceiro ato do novo longa dirigido por Miguel Sapochnik. Anteriormente intitulado BIOS (do grego bíos, "vida"), o filme distribuído com exclusividade pelo Apple TV+ traz uma dinâmica simples, entre três personagens de personalidades muito diferentes que formam uma família disfuncional.

Ainda que o nome de Tom Hanks possa passar uma segurança de, ao menos, uma boa atuação diante das câmeras quando estampado no cartaz de um filme, Finch não é de agrado universal. Por mais que traga o carisma não só do vencedor do Oscar por Forrest Gump e Filadélfia, o longa ainda conta com voz original de Caleb Landry Jones, nome pouco popular em Hollywood, mas que dá uma inocência a mais para o cenário pós-apocalíptico em que a história é ambientada.

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Sapochnik nos joga no meio da quente e caótica rotina do engenheiro de robótica Finch Weinberg. Não se sabe, pelo menos nos primeiros minutos, o que de fato aconteceu com a Terra para um calor de mais de sessenta graus ameaçar fritar a pele humana diariamente no Missouri, estado americano, mas sabe-se que o protagonista caminha feito um astronauta pelos arredores do bunker que ele chama de casa — tudo para procurar recursos para o pequeno Goodyear, um cachorro que vive com ele.

Da mesma forma em que uma vítima é jogada de cabeça um cenário trágico desses, o espectador vai aos poucos ambientando-se e entendendo o contexto em que a dupla ali vive. Sapochnik aqui quer justamente enfiar o público no meio da história para apenas mais tarde explicar os meios — o que justifica um pouco os questionamentos curiosos e incessantes de Jeff, o robô criado por Finch para cuidar do cachorro quando ele viesse a falecer.

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Inocente e desengonçado, Jeff literalmente "nasceu ontem" e não tem tanto tempo ou espaço para cometer os erros característicos de um aprendizado. Finch está morrendo, vítima de cada vez mais sequelas da catástrofe que resultou no cenário apocalíptico em que vive, e precisa passar urgentemente seus costumes para que o cão sobreviva.

Não demora muito, no entanto, para que Finch vire a chave de um filme trágico para um road trip. Ameaçados por uma tempestade, o trio não vê escolha a não ser partir rumo a São Francisco (por motivos, até então, não revelados), e é justamente a partir desse ponto que Sapochnik resolve construir todo o desenvolvimento de seu longa-metragem a partir de diálogos e experiências compartilhadas — que Finch possui o curioso costume de iniciar sempre por "Era uma vez", seja pela fuga do cenário em que se encontram, ou pela sensação de distância de todas as memórias que já vivenciou.

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Finch é sem dúvidas um dos mais complexos personagens já interpretados por Tom Hanks. Ainda que não escorregue no papel de vilão (ou nem ao menos flerte com a ideia, como em Estrada para Perdição ou Matadores de Velhinhas), o engenheiro é metido a controlador, rabugento e até um pouco arrogante. Amedrontado num nível absurdo do imprevisível, o protagonista dificilmente assume correr riscos mesmo que esteja a um passo da morte.

É nítido, no entanto, como todos os traumas que viveu formaram uma barreira ao redor de seu coração como forma de proteger seu emocional diante do cenário catastrófico em que vive diariamente. Finch não batiza o robô até ele implorar por um nome e tampouco considera Goodyear seu cachorro; é frustrante, contudo, como Sapochnik resolve explorar essas feridas abertas do protagonista apenas no terceiro ato, quando sua vida já está praticamente por um sopro e não há mais tempo para recuperar.

"A emoção vai encontrar você. E quando acontecer, a forma como vai lidar e o que vai fazer é o que vai definir quem você é", aconselha Finch a Jeff durante uma conversa na fogueira, logo após revelar ao robô que "a noite é previsível demais". São nesses momentos em que o personagem deixa escapar de forma muito discreta a quantidade de traumas e fantasmas que seu passado possui, mas que se escondem com muita dificuldade por um bem maior.

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Sapochnik traz essa leveza para Finch com a inocência de Jeff. É engraçado, no entanto, como um robô teve toques e abordagens tão humanas em um cenário que flerta diretamente com a ficção-científica. Arrisca-se a dizer que a máquina até pode possuir um coração, mas muito vem da entrega de Landry Jones a seu personagem, a quem não emprestou somente a voz, como também os movimentos corporais para dar esse jeito ainda mais natural e familiar à dinâmica com Hanks em tela.

Finch possui todas as ferramentas para ser apenas mais um longa-metragem pós-apocalíptico ou até mesmo um road trip. Há semelhanças claras tanto com Náufrago (de Robert Zemeckis, que aqui atua como produtor) quanto com seu mais recente lançamento para a Netflix, Relatos do Mundo(este de Paul Greengrass, de Capitão Phillips), mas dificilmente o longa arrisca-se a furar a bolha de uma fórmula eficaz por si só.

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É claro que o carisma do elenco em tela bem como suas dinâmicas destacam o título diante de outros na mesma prateleira, mas Finch dificilmente brilhará ao lado de outros títulos de sucesso do próprio Tom Hanks. Sapochnik aqui propõe uma reflexão sobre pertencimento e confiança (uma palavra que o protagonista escorrega em todos os momentos para dar uma definição), bem como uma mensagem mais aconchegante para dias difíceis, o que pode até soar adequado para 2021.

O resultado é um longa-metragem tranquilo de ser assistido, mas facilmente esquecível quando comparado com outras obras do ator principal ou até mesmo de trabalhos televisivos do mesmo diretor. Recomendado para os fãs de tramas pós-apocalípticas, mas que não vão com tanta sede ao pote, Finch está disponível no catálogo do Apple TV+.