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Crítica | Bom Dia, Verônica traz anseio no combate à violência contra a mulher

Por| 05 de Outubro de 2020 às 19h00

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Divulgação: Netflix
Divulgação: Netflix
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O Brasil também pode ser um bom contador de histórias de serial killers, afinal estes assassinos estão por toda parte. Prova disso aconteceu com o lançamento do livro Bom Dia, Verônica, da escritora e criminóloga Ilana Casoy, que também atende pelo pseudônimo Andrea Killmore ao lado de Raphael Montes, especialista em analisar perfis psicológicos de criminosos, principalmente os assassinos em série.

A publicação inspirou a Netflix a criar a série de mesmo nome, comandada pelos próprios Raphael Montes e Ilana Casoy. Dirigida por Rog de Souza, José Henrique Fonseca e Izabel Jaguaribe, Bom Dia, Verônica estreou na Netflix no último dia 1º de outubro contando histórias que envolvem a violência doméstica e contra a mulher em todas as suas formas, além de assassinatos em série, abuso de poder, corrupção e sensação de impotência quanto à solução dos casos.

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Atenção: esta crítica contém spoilers da série Bom Dia, Verônica

Logo nas cenas iniciais a série mostra para o que veio. Na delegacia em que Verônica (Tainá Muller) trabalha como escrivã, uma mulher com a boca machucada pede por ajuda, mas após uma conversa com o delegado não perde a fisionomia de decepção por saber que seu caso não vai ter solução. Em uma medida de desespero, que só comprova o quão perturbada ficou com o crime no qual foi vítima, ela pega a arma de um policial que caiu no chão e atira em sua própria cabeça.

Antes do suicídio, Verônica tentou entender o que estava acontecendo com a mulher, mas logo percebeu que poucos ligaram para o caso. Os acontecimentos foram suficientes para que ela decidisse ajudar aquela mulher de qualquer forma, indo atrás de outras vítimas e evitando que houvessem futuras. É quando o primeiro caso de violência contra a mulher é colocado na história, mostrando que não é preciso de ataques físicos para considerar o crime um ato de ódio.

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Neste primeiro caso, um homem tem o padrão de ir atrás de mulheres, em um site de encontro, que haviam passado por uma cirurgia bariátrica. Depois de conquistá-las, o seu prazer é dopá-las com uma espécie de "boa noite, Cinderella" que não só faz com que ela apague, como também fique com sequelas nos lábios, que reagem com bolhas após o contato com o líquido, "marcando" as vítimas. Então, ele tira tudo delas, transformando a vida dessas mulheres no oposto do que era antes.

Mas o terror que a série traz, que se originou lá na obra de Andrea Killmore, ainda nem havia começado. Em paralelo à investigação de Verônica com o caso de golpe, ela recebe uma ligação misteriosa de uma mulher que a viu na televisão e que busca ajuda para sair de uma vida de violência doméstica. Porém, essa forma de abuso não é retratada apenas como um crime de ódio contra as mulheres, contra uma esposa, mas sim com uma situação que vai mais além com o assassinato em série.

Quem já leu ou assistiu histórias sobre serial killers, como a série Mindhunter, que explica o surgimento do termo, sabe que esses criminosos recebem esse nome por um motivo. Um assassino em série possui um padrão no momento de assassinar as suas vítimas, principalmente envolvendo a tortura, gostando ainda de guardar lembranças de cada uma delas, sejam fotos, desenhos ou até mesmo pedaços do corpo. Além disso, todos os crimes são muito bem planejados e premeditados, e não cometidos por impulso.

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É quando Brandão (Eduardo Moscovis) entra em cena. Casado com Janete (Camila Morgado), ele a trata como uma prisioneira dentro da própria casa, mostrando ao espectador que vítimas de violência doméstica não conseguem simplesmente fugir de pessoas perigosas. Janete não tem celular, não tem amigos, não pode deixar a casa sem ser para fazer compras de mercado e não pode ver a família, mas o pior de tudo isso é que ela é envolvida pelo marido em seus crimes em série, tornando a situação ainda mais difícil.

O modus operandi de Brandão é o foco da história de Bom Dia, Verônica, trazendo cenas perturbadoras e difíceis de assistir, algo que raramente é visto em produções nacionais, principalmente por Janete ser coagida a participar dos crimes, mesmo que no momento do ato em si ela fique com a cabeça dentro de uma gaiola/caixa e não consiga entender muito bem o que está acontecendo. A sensação de impotência se intensifica ainda mais com a ajuda prestada por Verônica para tirar a mulher daquela situação e, claro, capturar Brandão.

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É quando uma terceira história entra em jogo: a corrupção policial. Brandão tem um cargo alto dentro da Polícia Militar de São Paulo, e a sua investigação acarretaria o início do desmanche de um esquema muito maior, que acontece há anos, e que inclusive envolve pessoas que trabalham na Delegacia de Homicídios com Verônica e até o seu próprio pai. O sentimento de que tudo vai ser resolvido não é mostrado em nenhum momento da trama, com todos os acontecimentos virando uma grande bola de neve e a situação só piorando para Verônica, que não desiste de fazer justiça em momento algum.

Verônica e Janete conseguem funcionar juntas mais do que qualquer outro personagem, cada uma com a sua agonia e a comunicação que tende para o mesmo objetivo, mas com sentimentos diferentes, uma vez que apenas uma pessoa está sentindo os abusos na pele. Seus diálogos e encontros conseguem ser extremamente agoniantes, nos fazendo sentir como se estivéssemos lá prestes a sermos descobertos por Brandão.

Mas a ousadia de Verônica é justamente o que traz a desesperança de que nada vai dar certo, pois a cada vez mais ela descobre novos detalhes sujos de todo o esquema envolvendo os policiais de São Paulo, sabendo ainda que a sua vida está em risco. Porém, a história nos traz uma personagem destemida que, se tivesse superpoderes, nos traria uma grande trama sobre uma heroína que salvou a cidade de um perigoso histórico de corrupção.

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Mas na vida real é diferente, até porque tudo o que acontece em Bom Dia, Verônica não é impossível de acontecer na nossa vida real. Por mais que os acontecimentos tenham sido mostrados de uma maneira muito mais intensa e perigosa, alerta para a existência do crime doméstico, que faz vítimas diariamente em todo o mundo. É preciso olhar para a série não como uma ficção, mas como uma possibilidade, e sem julgamentos, uma vez que a realidade de uma casa, de uma vida em casal não é o que é visto por fora e, inclusive, não é algo que envolve uma simples decisão de sair dali.

Ao mesmo tempo em que a série aborda a violência doméstica mostrando que é o seu foco, com mensagens sobre denúncias aparecendo ao fim de cada episódio, a trama também entretém do começo ao fim com momentos que trazem emoção, adrenalina e, principalmente, raiva, o que acaba nos aproximando dos anseios de Verônica. Mesmo mortal, a protagonista pode ser considerada uma grande heroína que, se pudesse, cumpriria o seu papel com veemência.

Bom Dia, Verônica pode ser assistida no catálogo da Netflix.