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Crítica A Casa Sombria | O sobrenatural e o psicológico que explicam a mesma dor

Por| Editado por Jones Oliveira | 24 de Setembro de 2021 às 22h10

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Divulgação/Searchlight Pictures
Divulgação/Searchlight Pictures

Existem várias formas de construir um bom suspense — e todas elas passam por criar uma tensão que prenda e instigue o espectador dentro daquela trama. Um mistério não resolvido, a iminência do sobrenatural ou aquela simples estranheza que nos faz perguntar o que está acontecendo. E, tão importante quanto tudo isso, é preciso não ser óbvio. Um bom suspense é como uma investigação, na qual as pistas estão espalhadas pela história e te desafiam a resolver aquela charada antes da grande revelação final. Um bom suspense é aquele que te mantém em dúvida até o fim e, mesmo assim, te pega de surpresa. E A Casa Sombria é tudo isso, e de uma forma um tanto quanto inesperada.

O filme brinca muito bem com as pistas que vão sendo plantadas aos poucos, de modo que você nunca sabe ao certo o que está acontecendo com Beth, personagem vivida pela atriz Rebecca Hall (Godzilla vs. Konge Homem de Ferro 3). O roteiro sugere uma linha de investigação logo de início para, logo em seguida, plantar dúvidas de que a resposta pode não ser tão sobrenatural — o que ele próprio contesta com uma terceira hipótese em seguida.

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Assim, A Casa Sombria cria uma série de rastros que levam o espectador a um labirinto em busca de respostas e que o mantém até o final tentando entender o que é essa tal ameaça que ronda a personagem. Dessa forma, o suspense também passa a flertar com o terror e o drama, oscilando da mesma forma que a protagonista em seu luto — e é essa inconstância que mantém a dúvida e a tensão no ar enquanto mergulha em uma discussão sobre como enxergar a dor da perda.

Uma resposta para cada caminho

Antes de qualquer coisa, é preciso deixar claro que o marketing nacional do filme vendeu A Casa Sombria de forma errada. Apesar de todo o clima pesado apresentado nos trailers e de a história trazer um elemento sobrenatural bastante forte, ele não é necessariamente um filme de terror como o nome pode sugerir. A trama flerta com o gênero, mas muito mais como uma forma de manter o roteiro tenso do que para fazê-lo sentir medo.

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Esse terror aparece justamente quando acompanhamos o luto de Beth, uma professora que acabou de perder o marido e que precisa aprender a lidar com o trauma na casa que os dois construíram. Só que, mais que saudades, ela também passa a sentir uma estranha presença no local ao mesmo tempo em que começa a descobrir alguns segredos um tanto quanto macabros do falecido.

Ao mesmo tempo em que há um clima de terror sendo construído em torno dos estranhos eventos, a gente passa a ver que a própria protagonista não está reagindo bem à perda e passando a fazer coisas fora do seu comum.

E a tensão em torno de A Casa Sombria nasce justamente dessa incerteza: afinal, existe realmente alguma coisa sobrenatural assombrando a personagem ou é apenas reflexo do trauma? Seu marido liberou algo realmente sombrio na casa ou ele tinha algum tipo de desequilíbrio que o levou à morte? Nada é claro e é nisso que mora o desconforto.

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Mas o que chama a atenção mesmo é o modo como o filme brinca com as diferentes linhas de investigação ao longo da trama. Quando ele indica que tudo é obra do sobrenatural, ele planta a dúvida de que a resposta é muito mais psicológica do que de outro mundo. Em seguida, subverte suas expectativas mais uma vez para deixá-lo sem saber por qual caminho seguir. Tal qual a existência da própria casa da personagem, o roteiro funciona como esse labirinto no qual a gente se perde sem saber exatamente para que lado devemos seguir, o que faz com que as nossas teorias se misturem e seja quase sempre impossível matar a charada.

Mais do que isso, A Casa Sombria segue com esse jogo de incertezas até o fim, de modo que todas as perspectivas são válidas. Sem se preocupar em fazer um momento de exposição para revelar o que realmente está acontecendo, como é comum em filmes de suspense e de terror, o filme segue por um caminho bastante ousado e faz com que todas as alternativas sejam, de alguma forma, possíveis. Tudo depende de como você quer ler a história.

Voltando à analogia da investigação, é como se cada trilha deixada pelas pistas levasse a uma resposta diferente. Caso acredite no sobrenatural, todos os mistérios se explicam a partir dessa entidade que assombra Beth, seja a morte de seu marido, os segredos que ele guardava e todos os estranhos eventos que ela passa a testemunhar. Por outro lado, caso você seja cético, há respostas muito mais mundanas para tudo isso que é apresentado.

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O problema é que, para construir toda essa ambientação ambígua, A Casa Sombria precisa de tempo. E o diretor David Bruckner não tem medo de segurar o ritmo da trama para desenvolver toda essa tensão — o que torna as coisas um tanto quanto lentas em praticamente metade do filme, o que chega a ser um tanto monótono em alguns momentos. Ele não se apressa em fazer as coisas acontecerem e isso se torna um tanto quanto incômodo, já que você está a todo o instante à espera de algo que nunca vem. É somente no terço final que as peças começam finalmente a se encaixar e a história avança.

A morte como elemento de coesão

E há um elemento em comum que une todos esses caminhos: a pulsão de morte. Em sua teoria psicanalítica, Freud destaca essa pulsão como uma tendência que o indivíduo tem em direção à morte e à autodestruição. E, dentro da trama, a gente pode interpretar essa entidade como o elemento externo e sobrenatural que realmente conduz os personagens à morte como uma forma de retomar o que é seu, do mesmo modo que é possível ver que a perda do marido puxa Beth para a beira do precipício.

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O mais interessante é que estamos falando de duas leituras distintas sobre o mesmo fenômeno decorrente do luto. Enquanto há toda uma justificativa psicológica para o que está acontecendo com a personagem, o filme também traz uma explicação mística para aquilo. É a mesma dualidade que a gente vê a todo instante em nossas vidas, quando o mundo real e o místico são confrontados. Quantas vezes você ouviu alguém dizer que o sofrimento de uma pessoa é causado por um espírito do mal e não por questões psicológicas?

Assim, o que o filme faz muito bem é colocar o racional e a alegoria contrapostos sem apresentar uma resposta definitiva para o que está acontecendo. Não há certo e errado, todas as interpretações são válidas dependendo da forma com que você encara as pistas e o próprio mundo — e o mérito é todo do roteiro, que conduz todas as perspectivas de modo a torná-las funcionais.

Ao mesmo tempo, A Casa Sombria traz essa visão mágica e secular sobre a pulsão de morte sem cair na armadilha de tratar a depressão como essa influência sobrenatural. Ainda que seja possível ler que o luto despertou nela esse tipo de pensamento ainda que de forma inconsciente, há todo um cuidado para evitar que haja essa associação de que a doença é fruto de um espírito maligno. É nesse ponto que o terror com o qual a trama flerta a todo o instante se revela essencial, pois ele está ali para distanciar esses dois elementos — o que funciona muito bem.

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Dessa forma, A Casa Sombria usa esse suspense travestido de terror para dialogar sobre sentimentos reais e, dependendo da sua chave de leitura, a experiência vai ser diferente. E a mágica é que não existe certo e errado. Diante da dor e do luto, é possível buscar respostas racionais para o que está acontecendo, do mesmo modo que pode ser mais fácil se apoiar em alegorias e no elemento místico que tornem tudo mais palatável. No fim, tudo depende de que tipo de trilha você quer seguir.

A Casa Sombria está em cartaz nos cinemas de todo o Brasil; garanta seu ingresso na Ingresso.com.