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Livrarias do século XXI |As transformações do mercado editorial brasileiro

Por| 17 de Dezembro de 2018 às 17h51

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Livrarias do século XXI |As transformações do mercado editorial brasileiro
Livrarias do século XXI |As transformações do mercado editorial brasileiro

O mundo muda e com ele mudam os hábitos de consumo, inclusive no que diz respeito à literatura. Já não temos mais o costume de frequentar bibliotecas ou ir à livraria adquirir livros físicos como forma principal de leitura, sendo que a popularização do e-commerce e dos eBooks são fatores importantes na mudança.

Nessa toada, tal como as lojas físicas, as livrarias também não escaparam de uma repaginação (sem trocadilhos). Com a crise do mercado editorial brasileiro, sob uma ótica mais positiva, pode-se até dizer que nada se cria, nada se perde: tudo se transforma.

Redes brasileiras de livrarias em apuros

Os antigos formatos de negócios já não se aplicam, uma vez que o mercado exige atualização constante. A Fnac fechou suas últimas unidades brasileiras no final de outubro e nem mesmo o site segue fazendo vendas em solo nacional. A Livraria Cultura, responsável pelas atividades da Fnac desde 2017, também está em apuros financeiros: a empresa pediu recuperação judicial logo após fechar as unidades da Fnac, alegando que o setor editorial encolheu 40% desde 2014. O objetivo é conseguir "normalizar, em curto espaço de tempo, compromissos firmados com nossos fornecedores, preservando a saúde da empresa" e de seus empregados. A unidade do centro do Rio de Janeiro foi fechada, os funcionários reclamam de atrasos nos pagamentos e ausência de direitos trabalhistas e a empresa responde a 11 processos no Tribunal de Justiça de São Paulo, somando uma dívida de R$ 1,76 milhão.

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Quem também enfrenta dificuldades é a Saraiva, que não só fechou todas as unidades da iTown, rede de revenda de produtos da Apple, dispensando a maior parte dos seus funcionários, como também informou que fecharia 20 de suas lojas físicas devido a desafios econômicos enfrentados pela empresa frente aos novos hábitos de consumo. O plano é reorganizar o modelo de negócios para se adequar às demandas dos clientes: "Em linha com sua estratégia, as iniciativas refletem um esforço da companhia em obter rentabilidade e ganho de eficiência operacional, dentro de uma estrutura mais enxuta e dinâmica. Nesse sentido, as medidas adotadas pela companhia incluem o fechamento de algumas lojas. Com este movimento, a empresa dá continuidade ao seu plano de transformação, que inclui aberturas, reformas e fechamentos de unidades, a fim de manter sua operação saudável e cada vez mais multicanal", diz um comunicado da Saraiva.

Os resultados financeiros da Saraiva para o terceiro trimestre de 2018, disponibilizados no dia 12 de novembro para os acionistas, apontam importantes avanços para a consolidação do posicionamento estratégico omnichannel: cerca de 18,4% dos pedidos do site são feitos por meio do serviço Click & Collect, que permite que as compras feitas no e-commerce sejam retiradas nas lojas físicas, tornando desnecessário o pagamento de fretes por parte dos clientes. Segundo o relatório, 20% das compras feitas desta forma resultam em compras adicionais na hora de retirar os produtos. Há também uma parceria com o Mercado Livre, onde 70% das compras de produtos da Saraiva expostos no marketplace são feitas por consumidores que não eram previamente clientes da livraria.

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No relatório, a Saraiva defende como medida de corte de custos o fechamento das unidades físicas e desligamento de colaboradores em todas as unidades, a fim de readequar os recursos para melhor contribuir para as negociações com os principais credores. A redução das despesas operacionais ficou em 11,7%, em comparação com o terceiro trimestre de 2017. "Diante da crise econômica que vem afetando o mercado de livros há quatro anos, aliada a um quadro de acumulação de créditos tributários, e um sistema financeiro fechado, fizemos uma alteração estrutural na Companhia. Em linha com nossa estratégia, realizamos diversas iniciativas que refletem um esforço da Companhia em obter rentabilidade e ganho de eficiência operacional, dentro de uma estrutura mais enxuta e dinâmica", diz o documento.

A mudança do modelo de negócios da Saraiva visa a descontinuidade de categorias que não geravam tanta rentabilidade e exigiam maior capital de giro, migrando a maior parte dos serviços interrompidos nas lojas físicas para o modelo de e-commerce, em seu marketplace próprio ou em associação com o Mercado Livre. "Dentro do marketplace, e por meio de uma curadoria, conseguimos ampliar a oferta e a diversidade de produtos, mantendo nossa operação saudável e cada vez mais omnichannel, para atender nossos clientes em todas as plataformas. Esta operação é parte da Transformação Digital da Companhia, que proporciona uma experiência ainda mais qualificada aos clientes, além de incluir categorias de produtos complementares e em sinergia ao nosso negócio, como smartphones, computadores, brinquedos, artigos de decoração, entre outros", explicita o relatório.

Entretanto, a queda das franquias que até então eram líderes no mercado editorial cria também oportunidades para as concorrentes que estão emergindo. A mineira Livraria Leitura, agora a segunda maior rede do Brasil, propôs, em 14 de novembro de 2018, comprar cinco das 20 unidades fechadas da Livraria Saraiva, inclusive na capital paulista, onde a empresa ainda tem presença discreta. Marcus Teles, presidente da Leitura, afirma que a crise do mercado editorial pouco tem a ver com as vendas de livros em si, e muito mais com a administração dos negócios. O executivo afirma que está fora dos planos da empresa apostar na venda de livros pela internet, vendo o setor como arriscado.

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Conservador, Teles explica o modelo de negócios da Leitura: "Se uma loja dá prejuízo por mais de dois anos, nós a fechamos". Essa máxima se aplicou à unidade que a rede chegou a abrir na Avenida Paulista, mas não encontrou sucesso e baixou as portas em definitivo em janeiro de 2017. A medida deve continuar no ano de 2019, quando a Leitura pretende inaugurar sete novas lojas, incluindo as conversões da Livraria Saraiva, além de fechar duas de suas unidades.

Após enfrentar anos difíceis, Marcus Teles afirma que a Leitura voltou a registrar crescimento em 2018, com cerca de 8% no acumulado ao ano, mas que as estimativas para 2019 são ainda mais otimistas, prevendo 10% de crescimento e mirando se tornar a principal rede de venda de livros do país em três ou quatro anos.

Editoras em maus lençóis

Com as franquias de grandes livrarias fechando as portas em definitivo, as editoras sofreram um baque e também estão tentando se adapatar às mudanças do mercado. "Em março deste ano, a Saraiva comunicou às editoras que não pagaria as vendas que concentravam o último período de Natal, de volta às aulas e de títulos universitários. Em outubro, interrompeu o pagamento dos vencimentos correntes, e não cumpriu os acordos de confissão de dívida pactuados com as editoras", informou o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), que explica também que a Livraria Cultura teve seu pedido de recuperação judicial aceito pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e estava refinanciando os pagamentos das editoras desde 2016. Entretanto, os pagamentos encontram-se suspensos desde setembro de 2018.

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Segundo o Sindicato, as dívidas da Livraria Saraiva e da Livraria Cultura com as editoras são estimadas em cerca de R$ 325 milhões. Em reunião ocorrida no dia 7 de novembro, a diretoria do Sindicato apresentou propostas a ambas as redes e tenta mediar a situação, preocupada com o impacto que a crise pode ter nas vendas de fim de ano. "Ainda não chegamos a uma fórmula para salvar essas redes, afetadas por seus problemas de gestão. O Snel tem se empenhado em propor o debate e a união das editoras, que, sem receber pagamentos, vêm sofrendo com perda de capital de giro, redução do seu quadro de funcionários e do número de lançamentos. Lamentavelmente, a crise acontece às vésperas do período mais importante do ano, novamente com as vendas da Black Friday, do Natal, da volta às aulas e de títulos universitários", disse Marcos da Veiga Pereira, presidente do Snel.

Frente à dificuldade enfrentada pelas franquias de grandes livrarias para pagar as editoras, a Amazon propôs pagamento antecipado. A empresa de marketplace estadunidense costumava levar entre 60 e 90 dias para pagar, mas enviou uma carta às editoras brasileiras de livros dizendo que podem "antecipar o pagamento de seus recebíveis com a Amazon em taxas mais baixas do que as de mercado", ainda no final de novembro. Atualmente, a Amazon detém uma fatia de 10% do varejo de livros no Brasil, enquanto as grandes franquias de livrarias ficam com 40% da receita das editoras.

Usado, mas em bom estado

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A Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) fez um levantamento estatístico em todas as capitais brasileiras sobre produtos usados e descobriu que 54% dos 824 consumidores entrevistados afirmam já ter comprado livros usados. Destes, 76% acreditam que comprar usados vale mais a pena que adquirir títulos novos, sendo que a economia é o principal motivo para a preferência.

Cerca de 37,5% dos produtos adquiridos foram comprados em sites ou aplicativos especializados em disponibilizar o acervo online, como o Estante Virtual, que também foi comprado pela Livraria Cultura no final de 2017.

O marketplace reúne vendedores de livros de todo o território nacional e, segundo suas próprias informações, já vendeu mais de 21 milhões de exemplares desde a sua fundação, em 2005. Com acervo contando com cerca de 17 milhões de obras cadastradas, mais de 2.600 sebos e livrarias de todo o Brasil fazem parceria com o site em busca de visibilidade, uma vez que a plataforma conta com 5 milhões de acessos mensalmente e vende, em média, 12 mil livros por dia.

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O modelo disruptivo da Estante Virtual baseia-se em fornecer aos consumidores uma forma acessível de adquirir literatura. "A Estante Virtual acredita na transformação do mundo por meio da leitura, definindo-se como o lugar mais democrático para comprar e vender livros", diz a empresa. "Desde o início, a Estante Virtual adotou um modelo disruptivo, foi o primeiro marketplace de livros do Brasil. O site é capaz de proporcionar a bibliodiversidade com preços acessíveis a todos. A Estante reúne o maior acervo de obras do país e cerca de 45% das suas vendas hoje ocorrem fora da Região Sudeste".

"O site usa a tecnologia para conectar livreiros e leitores, tornando-se mais um canal de venda para esses vendedores. Esse efeito de rede gerado pelo crescimento do número de leitores faz com que aumente as vendas e atraia mais livreiros para o portal", explica a Estante Virtual. Até 2014, o marketplace focava suas atividades nas vendas de livros usados e raros. Entretanto, com as mudanças no mercado e a dificuldade que as editoras estão enfrentando nas parcerias com livrarias de grande porte, os próprios sebos começaram a oferecer livros novos, fazendo com que a Estante Virtual também fosse reconhecida pela venda de exemplares não usados. "Esse movimento abriu espaço para que novas livrarias e editoras independentes começassem a procurar o site e vender o seu acervo", explicou um porta-voz da empresa.

Apoio a novos escritores

O mineiro Jean Gabriel Álamo, escritor de romances de hard sci-fi como Poder Absoluto, Androides Não São Perfeitos, Rastros Invisíveis e O Homem Que Viu Tudo, garante que a Amazon oferta um apoio aos novos escritores que as redes de livrarias jamais conseguiram conceder. Ele explica que desistiu de expor suas obras em grandes franquias devido à cobrança de taxas muito altas, inviabilizando o trabalho de quem está começando a publicar suas histórias. Escrevendo ficção científica, Álamo não queria restringir sua obra ao público alvo já cativo pelo estilo literário e desejava ultrapassar os limites, fornecendo hard sci-fi ao maior número de leitores possível, o que ele encontrou na parceria com a Amazon, disponibilizando os títulos por preços bastante acessíveis — a maior parte das obras de Jean Gabriel Álamo podem ser compradas, em versões digitais, por menos de R$ 10. Além disso, ele vem utilizando as redes sociais para fazer seu próprio marketing. "Eu trabalho com a Amazon porque é mais prático pra quem publica, para quem lê e é mais rentável", defende o autor.

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Descrente em relação ao serviço prestado pelas editoras, Álamo optou por fazer ele mesmo a divulgação de seu trabalho por esse modelo permitir maior controle sobre as ações de marketing: "Quem vai entender melhor do que eu como divulgar a minha história para os públicos distintos que quero atingir?", indaga. "A editora dificilmente vai arriscar um caminho novo porque, como qualquer empresa, ela lida com investimentos e riscos", explica o autor, que também trabalha como revisor para editoras e entende os modelos até então adotados para a avaliação de obras.

Ele afirma que, quando tiver um público cativo e seu estilo de literatura for mais conhecido entre os consumidores, talvez ele venha a buscar uma editora para fazer a publicação de suas obras futuras: "Até lá, atuo independentemente, recebendo 70% do valor de cada venda pela Amazon", diz ele, que vê a oportunidade de manter seu sustento apenas com o ofício de escritor como um enorme privilégio, sabendo que nem todos os escritores iniciantes têm a mesma sorte.

Consumidores entusiasmados

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Por mais que estejamos acostumados a ouvir que o hábito da leitura encontra pouco espaço na vida da população do Brasil, o consumo de livros vem crescendo mesmo durante as crises econômicas e do mercado editorial brasileiro. Uma pesquisa do Snel em parceria com a Nielsen Bookscan Brasil revelou que entre agosto e setembro de 2018 a venda de literatura observou aumento de 5,37% em relação ao mesmo período do ano anterior. Apenas entre 13 de agosto até 9 de setembro deste ano foram vendidos mais de 3,54 milhões de livros, o que movimentou quantias de cerca de R$ 137,5 milhões. De acordo com o Censo do Livro Digital, divulgado em 2017 pela Câmara Brasileira do Livro e pelo Snel, o mercado de livros virtuais no Brasil ainda é tímido: representa apenas 1,9% do faturamento total das editoras. Entre 794 editoras de livros entrevistadas para o levantamento estatístico, apenas 294 disponibilizam seus acervos em versões digitais.

Os leitores do Brasil podem ser poucos, mas seus hábitos de consumo são constantes e movimentam milhões. Michela Yaeko, uma professora de 34 anos que reside em Uberlândia, Minas Gerais, afirma que compra muitos livros, tanto para o trabalho como para seu próprio lazer. "Todos os meses adquiro pelo menos um livro, mas geralmente no início do semestre compro alguns para a faculdade", diz Michela. Ela explica que a dificuldade de encontrar as obras que buscava nas livrarias físicas de Uberlândia fez com que ela adotasse o hábito de comprar livros pela internet. "Por falta de espaço físico, tenho um tablet e busco, sempre que possível, comprar também eBooks para facilitar a minha vida. Isso tem me deixado com mais livros — e menos dinheiro", brinca a leitora.

Ela também afirma que os serviços de assinatura foram soluções adotadas para facilitar a aquisição de obras que ela costuma ler: "Eu compro muitos gibis, então preferi fazer assinaturas anuais dos que leio com maior frequência". Em junho, Michela assinou o serviço de assinatura literária da Tag Livros e está gostando da experiência: "Todos os meses recebo uma caixinha em casa, com um livro maravilhoso, selecionado a dedo, e um mimo literário. Já ganhei porta-copos, capa de almofada, cartões postais colecionáveis... estou apaixonada!", comemora.

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A Tag Livros envia aos seus assinantes, mensalmente, uma caixa contendo um livro surpresa selecionado por sua curadoria e alguns brindes relacionados ao hábito da leitura. Grandes autores da literatura brasileira são convidados a indicar suas obras contemporâneas prediletas e os planos da Tag Livros têm valores a partir dos R$ 39,90 mensais, cobrados no cartão de crédito. "Assusta-nos muito a perspectiva da morte do livro, e lutamos contra ela. Criamos o clube para construir uma experiência literária saborosa e reunir todos aqueles que adoram o cheirinho de páginas impressas, vão à livraria comprar um e voltam com dez, choram por personagens e acreditam em histórias inventadas. Juntos, e através dos livros, navegamos por universos literários, discutimos obras, conhecemos novos autores e brincamos com essa fonte de prazer e transformação chamada imaginação", explica a página da empresa.

Assinantes como Michela, que sentem nostalgia em relação aos livros físicos, adquirem o serviço de assinatura do box literário como uma forma de receber indicações de bons livros contemporâneos, tendo confiança na curadoria da Tag Livros. "Mas, sinceramente, sinto falta de ficar horas e horas dentro de livrarias, passeando pelas prateleiras, conversando com os funcionários", lamenta Michela.

Leitores fiéis

Leitores vorazes, como Michela e outros brasileiros, apesar de serem poucos, representam um nicho de mercado fiel. E segundo Carlos Burigo, proprietário do Sebo Café de Praia Grande, no litoral sul de São Paulo, é esse o público que seu negócio alcança. O Sebo Café existe desde 2000 e concentra importante atuação na vida cultural da baixada santista, oferecendo saraus sempre no último sábado de cada mês, além de palestras de psicologia e filosofia, aulas de yoga, torneios de xadrez e o clubes de leitura. Os eventos, segundo Carlos, têm atraído a atenção do público jovem, incentivando-os ao hábito da leitura.

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Quando questionado sobre a diminuição das vendas de livros físicos causada pela popularização dos eBooks, Carlos não se intimida: "É como diziam antigamente que o rádio acabaria com a popularização da TV", compara. "Tem público para todo mundo". Ele acredita que a inovação trazida pelos livros digitais é extremamente bem vinda ao seu negócio: "Os eBooks fizeram com que mais brasileiros adquirissem o hábito de leitura", afirma Carlos, otimista.

Para ele, despertar o interesse dos jovens é uma forma de manter o mercado editorial vivo. "Se tivermos mais leitores, as vendas do setor seriam alavancadas. Isso significa que as tiragens de livros seriam maiores, o custo de produção mais baixo e, consequentemente, comprar livros no Brasil seria mais barato", afirma ele, que gerencia o acervo do Sebo Café juntamente com sua esposa, Simone Burigo. Eles começaram com apenas 3 mil exemplares de livros, que foram doados por amigos e apoiadores do projeto, e hoje possuem mais de 55 mil exemplares físicos de livros, além de também comercializarem histórias em quadrinhos, discos de vinil, CDs, DVDs e antiguidades como máquinas fotográficas e máquinas de escrever. "O mais importante é estimular o hábito de consumo de cultura", defende.

Em relação à crise que as grandes franquias de livrarias enfrentam, Carlos diz que grande parte do problema é causado porque a manutenção de grandes espaços, com aluguéis caros e necessidade de muitos funcionários, aliado à preferência do público por fazer compras pela Internet, torna o negócio inviável. Assim, ele defende que vender livros usados é mais fácil na atual situação do mercado. Para aumentar suas vendas, o Sebo Café optou, ainda em 2006, por disponibilizar seu acervo online por meio de parceria com a Estante Virtual, desde o início do marketplace. A parceria teve início quando Carlos, apaixonado pelo trabalho do filósofo Arthur Schopenhauer, estava procurando na Internet um exemplar do livro As dores do Mundo e, assim, conheceu a Estante Virtual, decidindo prontamente por oferecer seu acervo por meio da plataforma. Hoje, ele informa, 70% das vendas do Sebo Café são por meio do site da parceira. "É muito bom, porque a tendência maior é a venda online", conta, animado.

Ele cita que tentou, há cerca de seis ou sete anos, fazer parcerias com as editoras para também ofertar exemplares novos, mas não gostou da experiência. "É muito trabalho e pouco lucro", explica Carlos, dizendo que não vale a pena porque as editoras exigem prestações de contas mensais e acabam enviando um acervo muito grande, que não encontra saída. "Eu precisaria de um funcionário apenas para isso", rejeita ele, que afirma que os planos para o futuro são de expandir o espaço físico do Sebo Café, mantendo o foco das vendas online com a parceria com a Estante Virtual e com o Mercado Livre, onde disponibiliza as antiguidades, discos e CDs.

Expansão dos Espaços

Quem também aposta na expansão dos espaços físicos de consumo de cultura é o Sebo Clepsidra, que contava com uma unidade no centro da capital paulista e, há um mês, abriu uma filial na Vila Buarque, também em São Paulo. Um dos três sócios responsáveis pelo Sebo, Cid Vale Ferreira, conversou com o Canaltech e explicou seu ponto de vista: "Poderíamos nos perguntar se foi a crise que fez as grandes redes anunciarem sua recuperação judicial ou se foi a má gestão delas que iniciou as crise no setor, criando a reação em cadeia que fragilizou todo o mercado editorial". De acordo com Cid, o Sebo Clepsidra nasceu no auge da crise e se junta a uma série de pequenas livrarias e editoras que estão "trabalhando de forma sustentável, sem dívidas". Ele conclui que essas informações indicam "que não se trata de uma crise ampla, mas sim um esgotamento do modelo das megastores que expandiram demais enquanto a economia do país retraía".

A segunda unidade do Sebo Clepsidra nasceu após os sócios acumularem aprendizados nos dois anos de funcionamento da primeira. Lá, assim como o Sebo Café de Praia Grande, a venda de livros divide espaço com outros produtos culturais. "Temos um sebo com muito mais espaço, onde funciona um brechó e em breve uma loja de discos, ambos gerenciados por parceiros. No segundo andar temos um bar, uma hamburgueria e espaço para eventos, além de um terceiro andar com estúdio de tattoo, set de filmagem para uma Web TV e um ateliê de artesanato. Miramos o modelo dos centros culturais, e agora nossos livros compartilham o espaço com debates, lançamentos, reuniões de clubes de leitura e performances", diz Cid, se referindo à Editora Clepsidra, que se dedica a explorar o nicho de mercado da literatura gótica, disponibilizando obras de autores do século XIX como a edição ilustrada pelo francês Gustave Doré de O Corvo, de Edgar Allan Poe, lançada em julho pela Clepsidra.

Cid explica que a Editora nasceu de um sonho antigo e se concretizaria independentemente da crise no setor. "O desafio é não dar passos maiores que as pernas", defende ele, que acredita que as gráficas rápidas que trabalham com impressões digitais facilitaram que pequenas tiragens se tornassem uma realidade. "Edições de 100, 150 ou 200 cópias serviram de pontapé inicial a muitas editoras independentes, que, na pior das hipóteses, continuariam trabalhando seus catálogos por amor aos livros. O que vemos é que muitas delas realmente estão vingando e, embora ainda sejamos uma nanica em comparação às casas tradicionais, não temos tido dificuldade em ampliar nossas tiragens e em reeditar nossos lançamentos. Para nós, termos nossos próprios pontos de venda nas duas filiais do Sebo Clepsidra ajuda demais, e uma mescla de vendas on-line, financiamentos coletivos e eventos em nossos espaços tem resolvido bem a dificuldade de distribuição de livros no Brasil", diz Cid, que também mantém o acervo do Sebo Clepsidra, incluindo os lançamentos da Editora, disponível para compras online tanto na Estante Virtual quanto nos serviços de marketplace do Facebook. "Começamos com pequenas brochuras em tiragens de 150 cópias, e em menos de um ano já estamos lançando HQs em capa dura e tamanho A4 com tiragens de mil cópias. Nosso plano é abraçar cada vez mais esse filão", revela Cid.

Sobre os planos para o futuro, Cid aposta nas parcerias: "Criamos um grupo que já reúne cerca de 50 editoras independentes em uma rede de colaboração solidária, e a nossa ideia é fomentar coedições, organizar feiras com mesas conjuntas e criar novos canais de comunicação para agregar novidades de todas elas, entre outras ideias". Segundo ele, a crise pode ser enfrentada se houver trabalho conjunto: "As editoras que se apoiarem agora terão mais chances de sobreviver, e iniciativas como essa têm se mostrado cada vez mais urgentes. Nosso plano principal, portanto, é ampliar nosso catálogo enquanto ampliamos parcerias com outros pequenos negócios, de sebos virtuais e pequenas livrarias a feiras e produtores culturais. Não vemos muita viabilidade nas livrarias faraônicas de shopping, então estamos apostando no contato face a face com o público e com colegas do ramo".

Leitores como a professora Michela, que sentem falta de recomendações literárias, antigamente feitas pelos funcionários das grandes redes de livrarias, encontram nesse modelo de negócios uma solução para o vazio que a morte das megastores traz. "O leitor precisa conhecer — e se engajar com — outros leitores, ter com quem comentar suas leituras, ou as conversas sobre cultura serão mais e mais restritas ao audiovisual, que conseguiu se tornar muito mais acessível que os livros, apesar do crescimento das vendas on-line. É aí que entra a livraria, o ponto físico, que humaniza a relação do leitor com o livro", explica Cid, não sem lembrar das dificuldades de empreender no atual estado do mercado editorial. "Trata-se de uma batalha desigual, que exige muita criatividade dos livreiros", conclui.